Cuba põe seu futuro na zona de
Mariel pelas mãos do Brasil.
por
Patricia Grogg, da IPS
Vista parcial do prédio administrativo do terminal
de contêineres localizado no porto da Zona Especial de Desenvolvimento de
Mariel, em Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Havana, Cuba, 22/8/2014 – A Zona Especial de
Desenvolvimento de Mariel (ZEDM), a obra de maior envergadura em muitas décadas
em Cuba, nasceu graças ao apoio financeiro do Brasil, que aglutinou vontade
política, estratégia e integração, além de visão de negócio. “Cuba sozinha não
teria conseguido realizar o projeto do ponto de vista técnico e econômico,
afirmou à IPS o economista Esteban Morales, para quem o entorno geográfico
converte a obra em estratégica para a atividade comercial, industrial e de serviços
na América Latina e no Caribe.
O Brasil financiou os bens e serviços da construção
do terminal de contêineres e a remodelação do porto de Mariel, equipado com
tecnologia de última geração para receber e operar carga de navios de grande
calado como os chamados Pós-Panamá, que começarão a chegar quando for
completada a ampliação do Canal do Panamá, em dezembro de 2015.
A instalação, que fica 45 quilômetros a oeste de
Havana, se localiza na rota dos principais fluxos de transporte marítimo do
hemisfério, por isso os especialistas coincidem em afirmar que a baía tem
características para ser a maior do Caribe em tamanho e volume de atividade. O
terminal é o coração da zona especial, de 465 quilômetros quadrados, que
oferecerá uma infraestrutura de estradas que ligarão o porto de Mariel ao resto
do país, uma ferrovia, estruturas de comunicações e vários outros serviços.
Na zona especial, atualmente em construção, serão
realizadas atividades produtivas, comerciais, agropecuárias, portuárias,
logísticas, de formação e capacitação, recreativas, turísticas, imobiliárias,
de desenvolvimento e inovação tecnológica em instalações que incluem centros de
distribuição de mercadorias e parques industriais.
Dividida em oito setores, para seu desenvolvimento
por etapas, as primeiras serão destinadas a telecomunicações e um parque de
tecnologia moderna, no qual serão instaladas indústrias farmacêuticas e de
biotecnologia, dois setores que terão prioridade em Mariel, junto com o de
energias renováveis e o agroalimentar, entre outros. O governo cubano estuda a
aprovação de 23 projetos da Europa, Ásia e América para se estabelecerem em
Mariel, nos setores químico, de materiais de construção, logística e
arrendamento de equipamentos.
Inaugurado em 27 de janeiro, nos seus primeiros
seis meses de operação o terminal recebeu 57 navios e cerca de 15 mil
contêineres, uma quantidade mínima porque a capacidade de armazenagem é de 822
mil. Os Pós-Panamá poderão transportar até 12.600 contêineres, três vezes mais
do que os navios que atualmente podem atravessar esse canal interoceânico.
Pedro Monreal, também economista, calcula que o
custo por contêiner então cairá pela metade, e que o custo menor vai melhorar a
competitividade das manufaturas brasileiras, para citar um exemplo. Mariel, onde
também haverá uma zona franca, pode se converter em plataforma de produção e
exportação para essas empresas, inclusive para abastecer seu próprio mercado.
Equipamentos pesados preparam o terreno para
construção da ferrovia que fará parte da nova infraestrutura vinculada à zona
de desenvolvimento que representa o maior projeto já executado em Cuba em
décadas. Foto: Jorge Luis Baños/IPS.
O Decreto-Lei 313, que criou a ZEDM, é de 13 de
setembro de 2013, mas a modernização de Mariel começou três anos antes,
conduzida por uma empresa mista formada em fevereiro de 2010 pela Companhia de
Obras e Infraestrutura, subsidiária da construtora brasileira Odebrecht, e pela
Quality Cuba S.A. O terminal de contêineres é administrado pela Global Ports
Management Limited, uma dos maiores operadoras portuárias do mundo, que
trabalha há tempos com a firma cubana Armazéns Universais S.A., proprietária,
usuária e responsável pelo uso eficiente do enclave portuário.
A relação entre Cuba e Brasil é de longa data. O
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não esconde suas simpatias pela
revolução desse país caribenho, que visitou em várias ocasiões, primeiro como
dirigente sindical e político, depois como mandatário e agora como
ex-governante. Dois pacotes de acordos assinados em 2008 e 2010 entre Lula e o
presidente cubano, Raúl Castro, marcam seu interesse em reforçar os vínculos
binacionais, um esforço continuado pela presidente Dilma Rousseff.
Entre esses acordos está o de crédito para Mariel.
Dilma especificou, quando participou da inauguração do terminal, que foram US$
802 milhões para esta etapa, mais US$ 290 milhões para a segunda fase. O
primeiro crédito foi destinado inicialmente à estrada, mas o governo local
decidiu começar pelo porto. O empréstimo foi concedido pelo estatal brasileiro
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Havana entrou com
15% do investimento necessário para as obras.
“Cuba é uma prioridade para nosso governo e também
Havana coloca muita atenção no Brasil”, apontou à IPS o diretor-geral da
Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil),
Hipólito Rocha. A Apex-Brasil foi criada por Lula e Castro para promover
negócios conjuntos em Cuba, no Caribe e na América Latina.
A Odebrecht é a companhia mais importante vinculada
a Mariel, mas fontes diplomáticas disseram à IPS que, no total, cerca de 400
empresas brasileiras participam das obras. “Entre nossos países há afinidade,
vontade política, vocação para se integrar, mas também os negócios são
importantes”, destacou Rocha. Cuba cumpre rigorosamente seus compromissos
financeiros com o Brasil e a relação binacional “está muito consolidada, é
sustentável e deixa benefícios também para nosso país”, acrescentou.
Para o analista Arturo López-Levy, residente nos
Estados Unidos, a vinculação do Brasil com o projeto da zona de Mariel foi
decisiva não apenas pelo investimento. Para ele, o governo brasileiro envia uma
mensagem a Washington e à União Europeia, e a outras potências emergentes, de
apoio à transformação cubana.
Em se tratando de sinais, os presidentes da China,
Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin, os deram quando visitaram Cuba em
julho, para ampliar os projetos de colaboração com Havana. Ambos passaram por
este país após participarem da Sexta Cúpula do Grupo Brics (Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul), entre 14 e 16 de julho, que aconteceu no Brasil.
O reforço desses vínculos promete maior acesso aos
mercados chinês e russo, atração para investimentos em áreas de interesse
comum, como a indústria farmacêutica e energética, cooperação para a
modernização em setores estratégicos de defesa, portos e telecomunicações,
resumiu López-Levy à IPS.
Sobre o possível interesse de empresários
norte-americanos em se posicionarem na ZEDM e um aumento de pressões pelo fim
do embargo, o economista alertou que, como mercado, Cuba “causa um interesse
muito limitado nos Estados Unidos”. No entanto, o economista considerou
“evidente” que aumenta a motivação dos investidores norte-americanos em geral,
e dos pertencentes à comunidade cubano-norte-americana, em particular.
“Para que essas motivações se transformem em
pressão política contra o embargo é necessário que a economia cubana emita
sinais claros de recuperação e que, em termos fundamentais, o governo tenha
disposição para adotar uma economia mista, com garantias transparentes para os
investidores, e capacidade de exportar”, acrescentou López-Levy.
Por sua vez, Rocha tem uma opinião diferente. Para
ele, “o embargo cairá por seu próprio peso. Será sepultado pelos negócios”. Em
um fato interpretado como simbólico, o primeiro navio que atracou no porto de
Mariel após sua inauguração trouxe alimentos dos Estados Unidos para Cuba,
únicas importações, mediante pagamento em dinheiro, permitidas pelo bloqueio
que já dura mais de cinco décadas.
Fonte: IPS
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