A crise hídrica em São Paulo.
por
Heitor Scalambrini Costa*
Sistema Cantareira. Foto: Agência Brasil. Foto:
Divulgação/Sabesp.
Contra fatos não há argumentos. O que acontece
atualmente com relação ao desabastecimento de água em São Paulo se enquadra na
retórica de que uma mentira repetida muitas vezes acaba virando verdade.
O governo paulista insiste em negar que se as obras
necessárias tivessem sido realizadas poderia ser menos dramática a atual
situação. E insiste ainda em responsabilizar São Pedro pelo caos evidente. A
culpa não é da seca! A seca é parte do problema, pois desde sempre se soube que
ela poderia vir.
Os gestores públicos também negam que existe
racionamento, afirmando que o abastecimento de água está garantido até março de
2015, apesar de, na prática, o racionamento existir oficialmente em dezenas de
municípios.
Em visita ao interior de São Paulo, no inicio de
agosto [2014], pude constatar uma situação que ainda não tinha me dado conta. A
gravidade da crise hídrica atinge não apenas a região metropolitana da capital,
como a imprensa dá a entender ao enfatizar o colapso do sistema Cantareira, mas
atinge todo o Estado mais rico da União.
Dos 645 municípios paulistas, a Sabesp (Companhia
de Saneamento Básico de São Paulo) é responsável por fornecer água a 364, quem
somam um total de 27,7 milhões de pessoas. Nos outros 281 municípios (não
abastecidos pela Companhia), o abastecimento de água a 16 milhões de pessoas
fica a cargo das próprias prefeituras ou de empresas por elas contratadas.
Se, por um lado, a companhia estadual de
abastecimento nega haver adotado rodízio de água em qualquer um dos municípios
atendidos por ela, inclusive na capital, tal afirmação é logo desmentida pelos
usuários que relatam interrupções no abastecimento, principalmente à noite.
Nos municípios não atendidos pela Sabesp, medidas
restritivas estão sendo tomadas por centenas de empresas e gestores locais
devido à crise. Em Guarulhos, na grande São Paulo, o abastecimento de 1,3
milhões de moradores é atendido por um serviço municipal, o SAAE (Serviço
Autônomo de Água e Esgoto), e seus moradores passam sem água um em cada dois
dias.
Em 18 municípios, cerca de 2,1 milhões de pessoas
estão submetidas ao racionamento oficial no estado de São Paulo, correspondendo
a 5% da população total, segundo levantamento do jornal Folha de São Paulo
(11/Ago). Além do racionamento, medidas de incentivo à economia de água têm
sido adotadas, indo desde multas para reprimir o desperdício a campanhas com
rifas de carro e TV para quem poupar e reduzir o consumo voluntariamente.
O que chama a atenção de todos, além da dimensão
estadual da crise hídrica em São Paulo, é a insistência dos gestores em negar a
existência do racionamento na área de atuação da Sabesp – mesmo contestados
pelos moradores, que sofrem na prática com o rodízio provocado pela companhia,
com cortes crescentes no fornecimento de água.
A contrapartida do poder é a ação responsável. E o
governo paulista tem se mostrado irresponsável com o seu povo, além de
incompetente e medíocre para resolver questões básicas para a sua população. É
hora de assumir a gravidade da situação e dos erros cometidos, e, naturalmente,
fazer as obras urgentes e necessárias para garantir o fornecimento seguro deste
bem fundamental à vida.
Chega de hipocrisia, chega de culpar São Pedro que
não pode se defender.
* Heitor Scalambrini Costa é professor
Associado da Univ. Fed. de Pernambuco. Graduado em Física pela UNICAMP. Doutor
em Energética na Univ. de Marselha/Comissariado de Energia Atômica-França.
Fonte: IHU On-Line
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