Brasil e Estados Unidos
autorizarão os primeiros eucaliptos transgênicos.
por Carey
L. Biron, da IPS
A técnica Christine Berry revisa macieiras e
pessegueiros em uma horta “futurista”. Cada recipiente contém diminutas árvores
experimentais cultivadas a partir de células com genes incorporados por
cientistas. Foto:
USDA Agricultural Research Service
Washington, Estados Unidos, 22/8/2014 – Brasil e
Estados Unidos estão por terminar o processo para aprovar, pela primeira vez no
mundo, o uso comercial de eucaliptos geneticamente modificados em seus
territórios. O governo brasileiro receberá o resultado das consultas públicas
sobre a comercialização destas árvores transgênicas durante a primeira semana
de setembro. De maneira semelhante, os Estados Unidos divulgarão de forma
iminente o rascunho de uma avaliação de impacto ambiental que começou no início
de 2013.
Embora a indústria do papel afirme o contrário,
vozes críticas alertam que o uso de árvores geneticamente modificadas (GM)
agravará o desmatamento. As aprovações oficiais de Brasília e Washington
significariam o ponto de partida para toda uma nova gama de produtos que outros
países também desenvolveriam.
“Se Brasil e Estados Unidos tiverem a permissão
para comercializar essas árvores, nada impediria de exportarem esses produtos
para que outros países os cultivassem”, afirmou Anne Petermann,
diretora-executiva da organização ecológica Projeto Ecologista pela Justiça
Mundial (GJEP) e coordenadora da Campanha para Deter as Árvores GM, uma rede
que anunciou uma iniciativa mundial no dia 20.
As “árvores GM cresceriam mais rápido e teriam
maior valor econômico, por isso as plantações convencionais atuais se
converteriam em plantações transgênicas em muitas partes da África, América
Latina e Ásia”, pontuou Petermann à IPS. “Além disso, tanto Europa quanto
Estados Unidos estudam outras árvores com engenharia genética que gerariam toda
uma série adicional de possíveis impactos”, acrescentou.
Até agora, os Estados Unidos só autorizaram o uso
de duas árvores frutíferas transgênicas. O eucalipto será a primeira espécie
florestal GM com aprovação oficial. A União Europeia, Austrália e outros países
examinam aprovações semelhantes, enquanto a China já produz álamos
transgênicos. O eucalipto é uma árvore especialmente lucrativa e é a madeira
dura que mais se planta no mundo, sendo usada principalmente na produção de
polpa e produtos derivados do papel.
Provavelmente, os Estados Unidos utilizarão o
eucalipto também para alimentar a crescente demanda mundial por bicombustíveis,
em particular na forma de tijolos de madeira ou briquetes. O país é o maior
produtor mundial de briquetes, e só em 2012 suas exportações cresceram 70%.
As autoridades norte-americanas estudam dois tipos
de eucalipto modificado geneticamente para resistir a geadas e certos
antibióticos, o que permitiria ter plantações muito mais ao norte. A empresa
que pediu a aprovação oficial, a ArbonGen, afirma que, com a introdução de suas
mudas, se ampliaria em quatro vezes as áreas deste país que poderiam plantar eucaliptos.
A ArbonGen calcula que a autorização oficial
multiplicaria por 20 suas vendas, que em 2017 ficariam em cerca de US$ 500
milhões, segundo um informe publicado em 2013 pelo Centro para a Segurança
Alimentar. Do mesmo modo, analistas brasileiros preveem que o mercado de
produtos de eucalipto cresça 500% nos próximos 20 anos.
Mas está comprovado que o eucalipto, cultivado em
plantações convencionais durante anos, é especialmente problemático e até
perigoso como monocultura: precisa de um volume de água extremamente alto para
crescer e é muito invasivo. As árvores também são altamente combustíveis.
Calcula-se que quase três quartos da energia das chamas de um incêndio
devastador no Estado da Califórnia, na década de 1990, provinham de eucaliptos.
Muitos temem que o selo oficial de Brasil e Estados
Unidos impulsione o modelo de produção da monocultura. “Está demonstrado que
este modelo é muito negativo para as comunidades e a natureza locais, já que
expulsa e limita o acesso das pessoas aos seus territórios e deteriora e
contamina os recursos de água, especialmente no Sul mundial”, ressaltou à IPS,
do Uruguai, Winfridus Overbeek, coordenador do Movimento Mundial pelas
Florestas Tropicais.
“Muitas destas plantações no Brasil são um
obstáculo para a muito necessária reforma agrária que permitiria a muitos que
passam fome finalmente produzir alimentos em suas próprias terras. Mas, com o
modelo das plantações, a maior parte da madeira produzida se destina à
exportação, para atender a demanda de papel cada vez maior em outros lugares”,
acrescentou Overbeek. Como dizem os camponeses brasileiros, “o eucalipto não se
pode comer”, enfatizou.
Apesar do auge dos meios digitais, a indústria
mundial do papel continua sendo uma gigante que se alimenta da demanda diária
de um milhão de toneladas de papel e seus produtos derivados. Em 2010, foram
usados 400 milhões de toneladas de papel, segundo o Fundo Mundial para a
Natureza, e o número pode aumentar para 500 milhões de toneladas ao ano até o
final desta década.
A ArborGen e outras vozes a favor das árvores
transgênicas e do sistema de plantações em geral afirmam que um maior uso das
árvores “cultivadas” reduzirá a pressão sobre as florestas autóctones. De fato,
o lema da empresa é “Mais madeira. Menos terra”. Mas as repercussões da
monocultura são evidentes. A Indonésia, por exemplo, permitiu o corte de mais
da metade de suas florestas nos últimos 50 anos para abrir caminho para as
plantações de palma.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para
a Alimentação e a Agricultura (FAO), as plantações mundiais duplicaram sua
produção média de madeira entre 1990 e 2010, mas o tamanho das mesmas também
cresceu 60%. “Embora as árvores de crescimento mais rápido pareçam lindas e
úteis, na realidade é exatamente o contrário. Na medida em que adquirem maior
valor, se destina mais terras a elas”, afirmou Petermann. “Especialmente no
Brasil, por exemplo, onde a intensificação da madeira em cada hectare faz com
que cada vez mais terra se converta” à monocultura, acrescentou.
Em junho, mais de 120 grupos ecologistas de todo o
mundo propuseram reformas integrais para garantir a sustentabilidade da
indústria do papel, que tradicionalmente é um motor importante do desmatamento.
A proposta, Uma Visão Global Para o Papel, exorta os usuários e
produtores a “rejeitarem a fibra procedente de organismos modificados
geneticamente”.
“Defendemos a conservação e redução do consumo como
primeiros passos lógicos antes de manipular a natureza e pôr os sistemas
naturais em risco de contaminação”, advertiu Joshua Martin, diretor da Rede
Ambiental do Papel, uma organização com sede nos Estados Unidos que coordenou a
proposta.
Fonte: IPS
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