Há alternativas para a
desigualdade mundial?
Diante das evidências de que o mundo se torna
cada vez mais desigual, as análises se dividem entre os que não veem mais
saídas a partir do marco do sistema capitalista e aqueles que ainda ousam
pensar saídas e propor alternativas. Um dos grandes impasses atuais é a forte
financeirização do mundo, que assumiu formas estrambólicas, com intenso impacto
no modo como a economia mundial, atualmente, organiza-se.
Para o economista brasileiro Luiz Gonzaga
Belluzzo, hoje há um acumpliciamento global das instituições financeiras com a
política de interesses. Nesse sentido, elas “necessitam do apoio de condições
institucionais e legais construídas sob o domínio doutrinário e ideológico do
establishment, para não falar escancarada cumplicidade financeira dos
parlamentos e dos tribunais. Sem esses apoios cruciais não podem adestrar seus
músculos na disputa pela partilha da riqueza em todos os rincões do planeta”.
A análise de Belluzzo ultrapassa os limites
circunscritos à economia ao buscar em Michel Foucault a compreensão mais ampla
dos rastros neoliberais na vida em sociedade. Para o pensador francês, “o
neoliberalismo é uma ‘prática de governo’ na sociedade contemporânea. O credo
neoliberal não pretende suprimir a ação do Estado, mas, sim, ‘introduzir a
regulação do mercado como princípio regulador da sociedade’”. Nesse sentido,
“trata-se de fazer do mercado, da concorrência e, por consequência da empresa,
o que poderíamos chamar de ‘poder enformador da sociedade’”.
E pode haver saídas para essa absolutização dos
dogmas neoliberais, enraizados nas formas de convívio e organização da vida em
sociedade, no momento atual? Para intelectuais como o antropólogo David
Graeber, parece que não. Em sua análise, “o período em que o capitalismo
pareceu capaz de garantir uma prosperidade ampla foi também, precisamente, o
período no qual os capitalistas se viram como sendo não os únicos atores em
jogo: foi quando eles enfrentaram um rival mundial no bloco soviético, os
movimentos revolucionários anticapitalistas do Uruguai à China e, pelo menos, a
possibilidade de rebeliões por parte dos trabalhadores locais”.
Para Graeber, “o que aconteceu na Europa
ocidental e na América do Norte entre aproximadamente 1917 e 1975 – quando o
capitalismo criou, de fato, um crescimento alto e uma desigualdade menor – foi
algo como uma anomalia histórica”. Mas, e agora? “Desde a década de 1970, na
medida em que as ameaças políticas significativas diminuíram, as coisas
voltaram ao seu estado normal: ou seja, a desigualdades selvagens, com os
míseros 1% presidindo uma ordem social marcada por uma crescente estagnação
social, econômica e mesmo tecnológica”. Sendo assim, o antropólogo é
terminante: “Se quisermos uma alternativa à estagnação, ao empobrecimento e à devastação
ecológica, vamos precisar encontrar uma forma de desligar a máquina e começar
de novo”.
Já para o economista francês e padre jesuíta,
Gaël Giraud, “o aumento das desigualdades provoca a desumanização: a miséria
afunda os mais pobres num inferno e a ultrarriqueza isola os mais ricos num
gueto separado do resto da humanidade, em pânico de perderem o seu conforto,
incapazes de participar de um projeto histórico e político que ultrapasse as
dimensões que são próximas da sua vida de luxo. Praticar a justiça é uma
libertação não somente das vítimas como também dos carrascos”.
Gaël Giraud não faz parte do time dos
pessimistas, em sua opinião, “as soluções existem. O que falta é a vontade
política”. “Essa falta se deve ao fato de que grande parte dos políticos nos
governos, na Europa, nos Estados Unidos, no Japão, provém de classes
favorecidas, que não têm interesse na reforma financeira de modo a reduzir as
desigualdades e assegurar a prosperidade de todos”.
O que, então, propõe Giraud? “Se queremos sair do
servilismo, temos de sair do neoliberalismo”. É necessário romper com a lógica
dos mercados financeiros e “é preciso colocar o Banco Central sob o controle de
um poder político democrático”, pois atualmente obedece apenas aos interesses
do setor bancário privado.
Além disso, é crucial passar a considerar “a
importância vital da energia e das matérias naturais nas nossas economias”. Os
recursos naturais não são infinitos e para que seja garantido um mínimo vital
para todos, é fundamental “que o conjunto dos países ricos (onde se inclui o
Brasil) ponha em prática, de modo voluntário, a transição energética: a
passagem de uma economia essencialmente fundada sobre as energias fósseis (gás,
carvão, petróleo) para outros tipos de energia (renováveis)”.
Sendo assim, o verdadeiro problema atual é o de
abandonar o fascínio pelas finanças, desafio não compreendido pela
social-democracia ocidental, e garantir as bases para que ocorra uma autêntica
transição energética, pois “a transição ecológica é inseparável de uma transição
social”. O êxito está em romper com o monopólio da riqueza nas mãos de uma
minoria, que dela se serve “para destruir o ambiente e esgotar os nossos
recursos”.
A análise da Conjuntura da Semana é uma
(re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A
análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU,
pelos colegas do Centro Jesuíta de Cidadania e Ação Social/Centro de Pesquisa e
Apoio aos Trabalhadores – CJCIAS/CEPAT e por Cesar Sanson, professor na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.
Fonte: IHU On-line
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