terça-feira, 31 de dezembro de 2013

MPF/ES entra com ação contra antiga Aracruz Celulose por grilagem de terras públicas
Empresa conseguiu titulação de terras devolutas no Espírito Santo por meio de fraude. MPF pede condenação por danos morais no valor de R$ 1 milhão
O Ministério Público Federal em São Mateus (ES) propôs ação civil pública contra a Fibria S/A (antiga Aracruz Celulose), o Estado do Espírito Santo e o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para que sejam anulados os títulos de domínio de terras devolutas concedidas pelo governo à Aracruz Celulose, uma vez que o processo ocorreu de forma fraudulenta.

Além da devolução ao patrimônio público das terras obtidas por grilagem, o MPF/ES quer que, uma vez demonstrada a ocupação tradicional quilombola sobre essas terras, seja feita a titulação em favor das comunidades de São Mateus e Conceição da Barra. Por conta da privação do direito de ocupação dessas terras por quilombolas, o MPF/ES pede a condenação da Fibria a reparar os danos morais coletivos dessas comunidades no valor de R$ 1 milhão.

Liminarmente, a ação busca também a suspensão, no prazo de 30 dias, de qualquer tipo de financiamento bancário do BNDES à Fibria destinado à aplicação no plantio de eucalipto e na produção de celulose em Conceição da Barra e São Mateus. Ainda pede que os cartórios de registros de imóveis da região tornem indisponíveis as propriedades que fizeram parte da negociação fraudulenta.

Investigação – A fraude foi descoberta pela Comissão Parlamentar de Inquérito – “CPI da Aracruz”, criada em 2002 pela Assembleia Legislativa do Espirito Santo (Ales). A CPI constatou um acordo entre a Aracruz Celulose e vários funcionários para que estes requeressem a legitimação da posse de terras públicas estaduais, nos anos 70, a fim de transferi-las à empresa. Eles foram usados como “laranjas”, ao prestarem declaração falsa de que preenchiam os requisitos necessários estabelecidos na Lei Delegada nº 16/67: qualificavam-se falsamente como agricultores, indicavam a área de terra e manifestavam a intenção de desenvolver atividades agrícolas na propriedade.

Após obterem a titulação das propriedades rurais, os funcionários da empresa transferiram imediatamente à Aracruz Celulose o título da propriedade. Na maioria dos casos, o período em que permaneciam no patrimônio jurídico do funcionário da empresa não excedia nem mesmo uma semana.

Para o MPF/ES, está claro que a Aracruz Celulose fraudou a lei vigente à época. Por essa razão, os títulos conferidos aos funcionários da empresa e, posteriormente, transferidos à Aracruz são nulos de pleno direito. A Procuradoria ressalta, ainda, que não há o que se falar em prescrição, pois se tratam de “atos nulos de transferência de domínio de terras públicas praticados de má-fé por particulares, não podendo ser convalidados pelo decurso do tempo”.

Financiamentos – Desde o início das atividades de produção e celulose de eucalipto, o grupo Aracruz recebeu apoio financeiro do BNDES. Tais recursos públicos federais, cujo valor ultrapassa R$ 1 bilhão, foram e continuam sendo destinados ao fomento de atividade em terra pública que, não fosse a titulação fraudulenta operada, seria destinada à concretização de direitos fundamentais dos quilombolas. Por isso, o MPF/ES entende que, caso mantenha o apoio financeiro a essas atividades, o BNDES estará, de forma consciente e deliberada, contribuindo com a violação de direitos ambientais culturais e humanos das comunidades quilombolas.

A ação, assinada pela procuradora da República em São Mateus, Walquiria Imamura Picoli, no dia 20 de novembro, pode ser acompanhada pelo site da Justiça Federal pelo número 0000693-61.2013.4.02.5003.


segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Cana na Amazônia: pressão para mais desmatamento, artigo de Flávia Camargo
No momento em que as taxas de desmatamento na Amazônia voltaram a elevar-se, o Senado pretende aprovar o Projeto de Lei do Senado (PLS) 626/2011 que autoriza o plantio de cana nas áreas alteradas em geral e nas áreas de Cerrado e “Campos Gerais” da Amazônia Legal. A proposta poderá contribuir direta ou indiretamente para elevar ainda mais o desmatamento que, no último ano, aumentou quase 30%.

Ironicamente, o projeto coloca como um de seus objetivos “induzir a adequada ocupação do solo, de acordo com o zoneamento agroecológico-econômico e outros instrumentos correlatos, buscando o desenvolvimento social e econômico sem comprometer a conservação do meio ambiente”. A proposta, no entanto, está em desacordo com o zoneamento agroecológico mais recente feito na região.

O Zoneamento Agroecológico (ZAE) feito pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), aprovado por meio do Decreto 6.961/2009, excluiu os biomas Amazônia e Pantanal e a Bacia do Alto Paraguai da expansão do plantio da cana. Foram excluídas também as áreas com cobertura vegetal dos demais biomas. Apesar dessas exclusões, o ZAE prevê que há 63,48 milhões de hectares de terras aptas à expansão do cultivo, o que corresponde a mais de quatro vezes o que o Plano Nacional de Energia (PNE) prevê que serão necessários para a ampliação do plantio da cana até 2030. Portanto, sobram áreas já alteradas em todo o Brasil para o setor e não há nenhuma razão do ponto de vista produtivo para que ele avance sobre a Amazônia.

Além da pressão por mais desmatamento, o projeto de lei poderá trazer uma série de impactos ambientais e sociais que estão atrelados ao tradicional cultivo da cana. Na proposta, é utilizado o termo “plantio de cana sustentável”, mas em nenhum momento foi definido o que será esse “plantio sustentável”. Não haverá grandes áreas de monocultura, intenso uso de agrotóxicos e as usinas não irão utilizar intensamente água e gerar efluentes poluidores? É certo que já existem técnicas que minimizam os impactos da produção canavieira e do seu processamento, mas o projeto apenas prevê diretrizes vagas e não determina expressamente como se dará esse “plantio sustentável”.

No que tange ao desenvolvimento econômico e social, é importante ressaltar que a cultura da cana e a produção de etanol requerem economias de escala que, em geral, não incluem agricultores familiares e populações tradicionais. Embora gerem emprego e renda, o dito “desenvolvimento” acontece de forma concentradora, com externalidades, em especial danos ambientais e sociais.

Se do ponto de vista da produção nacional de etanol, não há necessidade dessa expansão sobre a Amazônia; se do ponto de vista ambiental, a expansão poderá pressionar por mais desmatamento e por maior poluição e se do ponto de vista social, o plantio da cana é concentrador e não se adequa à realidade dos agricultores familiares e populações tradicionais; que tipo de desenvolvimento esse projeto de lei pretende levar para a Amazônia?

Flávia Camargo é assessora de Política e Direito Socioambiental do ISA

Artigo socializado pelo ISA – Instituto Socioambiental


Fonte: EcoDebate

domingo, 29 de dezembro de 2013

Elementos da poluição atmosférica modificam o DNA humano e podem levar ao câncer

Aldeídos mutagênicos, em concentrações elevadas, podem levar ao câncer

Além dos males causados pela poluição atmosférica já conhecidos cientistas acabam de detectar, pela primeira vez, uma modificação em DNA humano causada pela presença de dois aldeídos – acetaldeído e crotonaldeído — encontrados na fumaça do cigarro e nas emissões veiculares “Esses aldeídos são mutagênicos e, em concentrações elevadas, podem levar ao desenvolvimento de câncer”, alerta a professora Marisa Helena Gennari de Medeiros, do Instituto de Química (IQ) da USP, e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma).

A constatação foi feita em um levantamento, realizado em 2010, que analisou a urina de 82 pessoas, sendo 47 residentes na cidade de São Paulo e outros 35 moradores de São João da Boa Vista, município no interior do estado. Os resultados mostram que a concentração de adutos — resultado da reação dos aldeídos com o DNA — foi significativamente maior nos moradores da capital paulista.  “São Paulo tem uma característica incomum, se comparada a outras grandes capitais do mundo”, conta Marisa Helena. “Além dos poluentes normalmente encontrados em metrópoles semelhantes, aqui temos uma grande frota que utiliza o etanol”. A pesquisa excluiu fumantes, alcoólicos, pessoas com problemas de saúde e fazendo uso de suplementos alimentares e de medicamentos. Nos testes com a urina, os cientistas utilizaram técnicas ultrassensíveis como a espectrometria de massas.

Reparo do DNA

A pesquisadora explica que é a primeira vez que a urina foi utilizada como biomarcador para esse tipo de estudo. “É de conhecimento que a poluição atmosférica é um agente carcinogênico”, ressalta Marisa. “No entanto, ainda não se tinha um controle específico em relação aos danos causados no DNA humano e usando a urina como biomarcador”, explica.

A docente descreve que o que é descartado pela urina é justamente o produto do reparo do DNA. Ao entrar em contato com o organismo, os aldeídos se ligam à estrutura do DNA, modificando-a. Contudo, as enzimas que protegem a estrutura realizam um trabalho de “clivagem” (corte) na modificação promovida pelos aldeídos. “O resultado deste mecanismo é justamente o que conhecemos como o reparo, que é o que acaba indo para a urina”, explica. Se o dano causado ao DNA não for reparado pode levar a uma mutação e ao câncer. Marisa destaca ainda que a vantagem de se utilizar a urina é que trata-se de um método não invasivo.
Laboratório do IQ onde foram analisadas as amostras de urina de 47 pessoas. Método não invasivo permite o monitoramento da exposição da população a aldeídos presentes na atmosfera

Fator de risco

Na região metropolitana de São Paulo, onde circula uma frota de cerca de 7.4 milhões de veículos, aldeídos genotóxicos presentes na atmosfera são um grande fator de risco para a saúde da população.

Por isso, um aspecto importante da possibilidade de detecção de adutos de DNA na urina é o desenvolvimento de um método não invasivo que permita o monitoramento da exposição da população a aldeídos presentes na atmosfera. Esse monitoramento pode fornecer informações para a formulação de políticas públicas que reduzam os efeitos nocivos da poluição atmosférica. “Pretendemos ampliar esse estudo, analisando e comparando amostras de urina de moradores de diferentes bairros na cidade de São Paulo e de diferentes cidades”, conclui a pesquisadora.

O grupo responsável pelo estudo integra a rede de pesquisadores dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), com apoio do Conselho Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) com o Programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID), e do Núcleo de Apoio à Pesquisa (NAP) da USP.

O artigo Elevated α-Methyl-γ-hydroxy-1,N2-propano-2′-deoxyguanosine Levels in Urinary Samples from Individuals Exposed to Urban Air Pollution, de Camila C.M. Garcia, Florêncio P. Freitas, Angeĺica B. Sanchez, Paolo Di Mascio e pela professora Marisa pode ser lido por assinantes em http://pubs.acs.org/journal/crtoec.

Foto:Wikimedia
Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Matéria de Antonio Carlos Quinto, da Agência USP de Notícias


Fonte: EcoDebate

sábado, 28 de dezembro de 2013

Material cerâmico converte energia solar em combustível veicular 
Reator solar abastecido com óxido de cério acrescido de zircônio utiliza o calor para produzir hidrogênio ou monóxido de carbono.
Sossina Haile, do Caltech, desenvolve reator solar abastecido com óxido de cério acrescido de zircônio, que utiliza o calor para produzir hidrogênio ou monóxido de carbono (foto: California Institute of Technology).

Converter energia solar em combustível que pode ser estocado e disponibilizado para o abastecimento de veículos já é realidade, pelo menos em laboratório. O experimento, realizado por Sossina Haile, do California Institute of Technology (Caltech), nos Estados Unidos, abre uma nova via para a produção sustentável de energia – um dos maiores desafios da atualidade.

Professora de Ciência dos Materiais e Engenharia Química no Caltech, Haile apresentou o relato de seu experimento na sessão inaugural da 6th International Conference on Electroceramics (6ª Conferência Internacional em Eletrocerâmica), realizada de 9 a 13 de novembro em João Pessoa, na Paraíba.

Promovido pela Sociedade Brasileira de Pesquisa de Materiais, com o apoio da FAPESP, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o evento foi coordenado por Reginaldo Muccillo, pesquisador do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), José Arana Varela, professor titular da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara, e diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, e José Antônio Eiras, professor associado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

“Para realizar a conversão de energia, utilizamos um material cerâmico, o óxido de cério (CeO2)”, disse Haile à Agência FAPESP, nos bastidores da conferência. “Aquecido a altas temperaturas, ele libera oxigênio (O2), sem perder sua estrutura. Isso é pura termodinâmica: manutenção do estado de equilíbrio. Resfriado, volta a absorver oxigênio. Se o resfriamento ocorrer em presença de vapor de água (H2O) ou gás carbônico (CO2), o oxigênio será retirado das moléculas de uma ou outra dessas substâncias, e a reoxidação resultará na liberação de hidrogênio (H2), em um caso, ou de monóxido de carbono (CO), no outro – ambos com grande potencial como combustíveis.”

Para aquecer o material, Haile e colaboradores utilizaram um reator que consiste, de forma geral, em uma cavidade termicamente isolada, cuja tampa, de cristal de quartzo, concentra a radiação solar. O óxido de cério, formando uma peça única e porosa, reveste internamente a cavidade.

O oxigênio liberado após o aquecimento flui por uma saída no fundo do recipiente. E os gases (H2O ou CO2), que resfriam o óxido de cério, entram radialmente na cavidade, atravessando os poros do material. Pela mesma porta de saída, escapam o hidrogênio ou o monóxido de carbono, ejetados após a reoxidação [veja a figura abaixo].

“Uma pergunta específica que fizemos foi: como modificar o material de modo a aumentar a eficiência do processo e operar em temperaturas mais baixas?”, contou Haile.

A pergunta é muito relevante do ponto de vista tecnológico, pois a diminuição da temperatura de redução do óxido favorece bastante a construção do reator. “Verificamos que, agregando zircônio ao óxido de cério, é possível liberar o oxigênio com temperaturas menores. Em vez de operar a 1600 ou 1500 graus Celsius, é possível operar a 1450 ou 1350 graus – o que é muito vantajoso.”

“O zircônio possibilita baixar a temperatura porque torna a liberação de oxigênio da estrutura mais fácil do ponto de vista termodinâmico. Por outro lado, a cinética da reoxidação posterior fica mais lenta”, ponderou a pesquisadora. Foram realizados, então, vários testes, de modo a chegar à porcentagem ótima de zircônio para favorecer tanto a temperatura quanto a cinética. “Constatamos que com um acréscimo de zircônio da ordem de 10% a 20% é possível atender a ambas expectativas”, afirmou.

Haile nasceu na Etiópia em 1966. Sua família foi obrigada a abandonar o país em meados da década de 1970, após o golpe militar que depôs o imperador Haile Selassie. Ela conta que seu pai, um historiador, quase foi morto pelos golpistas. Nos Estados Unidos, Haile fez seus estudos superiores no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e na University of California, Berkeley. Posteriormente, com bolsas das fundações Humboldt e Fulbright, desenvolveu pesquisa no Max Planck Institut für Festkörperforschung, de Stuttgart, Alemanha.


Matéria de José Tadeu Arantes, da Agência FAPESP


Fonte: EcoDebate

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

INCRA apresenta informações para diminuir o desmatamento em assentamento...

As informações das atividades que serão desenvolvidas em Mato Grosso e Rondônia foram apresentadas e debatidas em reunião, em Cuiabá, com o Ministério Público Federal. Atividade está prevista no acordo assinado em agosto de 2013.

Para atender ao acordo assinado com o Ministério Público Federal de Mato Grosso e de Rondônia e diminuir 80% do desmatamento em assentamentos na Amazônia Legal, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) terá de cumprir 39 compromissos nos próximos sete anos. Segundo levantamento, cerca de um terço das derrubadas ilegais vêm ocorrendo dentro de áreas destinadas à reforma agrária.

A forma como o Incra irá executar esses compromissos em Mato Grosso e Rondônia foi apresentada e discutida com os procuradores da República em dois dias de reunião, também com a participação do Ibama. “Essa reunião de trabalho serviu para chegarmos a um entendimento e buscarmos soluções para que nos próximos sete anos o objetivo do acordo, que é a diminuição de 80% no desmatamento nos assentamentos, seja efetivamente atingido”, explicou o procurador da República Felipe Bogado, de Mato Grosso.

Segundo Bogado, outras reuniões de trabalho estão sendo realizadas para que o Incra apresente o seu plano de trabalho, mostrando como pretende atuar pra implementar os compromissos assumidos também nos Estados do Amazonas, Acre, Pará e Roraima.

“Essa relação entre MPF e Incra precisa continuar estreita. O MPF está junto para auxiliar o Incra a cumprir o que está previsto. Não temos interesse em executar multa, ajuizar ação, punir. Nosso interesse é que o meio ambiente seja respeitado e as pessoas que são assentadas possam manter a sua forma de vida e dignidade dentro dos assentamentos”, afirmou o procurador da República Raphael Bevilaqua, que atua em Rondônia.

Números – Baseado em dados do monitoramento, o chefe de fiscalização do Ibama em Mato Grosso Werikson Trigueiro afirmou que toda a região de floresta amazônica da região norte de Mato Grosso está sendo desmatada.

Dados do Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), indicam que dos 4.703 polígonos (áreas) de desmatamento em Mato Grosso, mais de 1.500 estão dentro de áreas de assentamentos do Incra. São mais de 250 km, equivalente a aproximadamente 24% das áreas de desmatamento. Os municípios de Mato Grosso que concentram esses números são Colniza (14% do desmatamento), Nova Bandeirantes (5%), Peixoto de Azevedo (4,69%), Nova Maringá (4,26%) e Cotriguaçu (3,96%).

De acordo com o Incra, dos 409 assentamentos em Mato Grosso, 101 tiveram algum tipo de desmatamento. E 15 assentamentos concentram mais de 50% do desmatamento identificado.

De acordo com o superintendente do Incra em Mato Grosso, Valdir Barranco, nos últimos anos, sob as gestões nacionais mais recentes, o órgão apresentou um plano de combate ao desmatamento dos assentamentos da Amazônia Legal, que é o Plano de Prevenção, Combate e Alternativas ao Desmatamento Ilegal em Assentamentos da Amazônia Legal (PPCAD). Segundo o superintendente, esse plano soma-se ao acordo firmado com o Ministério Público Federal.

“Nós seremos capazes de fazer cumprir nossos compromissos se avançarmos na assistência técnica. O cidadão colocado no assentamento não pode ser abandonado à própria sorte. Tem que ter acompanhamento do Incra”, afirmou Valdir Barranco. “Nós [Incra e MPF] nos demos as mãos para oportunizar os assentados da reforma agrária mudar esta história e que possamos não só diminuir os índices de desmatamento e levar aos nossos assentados aquilo que tem sido a maior causa do desmatamento: a falta de assistência técnica e recursos acessíveis, que levem a uma mudança de cultura para produção com dignidade e respeito ao meio ambiente”, acrescentou Barranco.

Municípios Sustentáveis – A convite do Ministério Público Federal, o Instituto Centro de Vida (ICV) apresentou ao Incra o programa Municípios Sustentáveis que está reunindo municípios e organizações parceiras para desenvolver ações de regularização ambiental. A partir dessa iniciativa, cinco municípios mato-grossenses que integravam a lista dos maiores índices de desmatamento conseguiram sair desse ranking do Ministério do Meio Ambiente.

O resultado imediato foi que o Incra propôs participar do comitê do Programa Municípios Sustentáveis.


quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

IBGE mapeia águas superficiais e subterrâneas do Nordeste
Para ajudar a preservação e o gerenciamento dos recursos hídricos do Nordeste brasileiro, o IBGE disponibiliza hoje, 16 de dezembro de 2013, o Mapa de Hidroquímica dos Mananciais Subterrâneos da Região Nordeste do Brasil, o Mapa de Hidroquímica dos Mananciais Superfíciaisda Região Nordeste do Brasil e o Mapa Hidrogeológico da Região Nordeste do Brasil.

Os três mapas, na escala de 1:2.500.000 (1cm = 25km), serão disponibilizados no formato “pdf”. Eles podem ser acessados pelo link
ftp://geoftp.ibge.gov.br/mapas_tematicos/recursos_hidricos/regionais
Está programada, para o primeiro semestre de 2014, a disponibilização dos arquivos “shapes” no site do IBGE, bem como os geoserviços na INDE (Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais) .

Os nove estados do Nordeste ocupam 1.554.257 km², dos quais cerca de 970.000 km² correspondem ao Polígono das Secas, onde predominam condições climáticas semiáridas, muitas vezes calamitosas, com repetidos danos à agricultura e à pecuária, desencadeando graves problemas sociais e econômicos.

As informações apresentadas nos três mapas trazem detalhes sobre os aquíferos e sobre a qualidade química das águas subterrâneas e superficiais desta região – a mais carente de recursos hídricos do país –, oferecendo subsídios para o planejamento de ações e, sobretudo, para o uso racional dos recursos hídricos. Como resultam de um processo dinâmico, os mapas podem ser periodicamente atualizados, à medida em que novas informações forem incorporadas ao banco de dados do IBGE.

Mapa de Hidroquímica dos Mananciais Subterrâneos da Região Nordeste do Brasil

O Mapa de Hidroquímica dos Mananciais Subterrâneos da Região Nordeste do Brasil foi elaborado a partir das informações de 10.478 análises físico-químicas – todas procedentes de poços tubulares – e delimita domínios quimicamente homogêneos com relação à potabilidade, aos fácies químicos e à adequabilidade das águas para uso na irrigação.

Na América do Sul, o escoamento subterrâneo contribui com cerca de 36% da vazão total das águas. Na maior parte do território brasileiro, existem aquíferos com balanço hídrico positivo e com grande recarga.

A baixa capacidade de produção de água subterrânea no Nordeste, principalmente no Semiárido, é decorrência da falta de chuvas, da alta evapotranspiração potencial e da baixa capacidade de armazenamento do substrato cristalino, bastante presente no subsolo da região.
Mapa de Hidroquímica dos Mananciais Superficiais da Região Nordeste do Brasil

O Mapa de Hidroquímica dos Mananciais Superficiais reúne um acervo de 843 análises físico-químicas de rios, córregos e açudes, e cartografa regiões hidrográficas com afinidades químicas. Todo este acervo foi reunido em banco de dados que classificam as águas segundo critérios de potabilidade, tipos químicos e uso na irrigação.

A conjugação dos temas em mapas individuais torna-se possível mediante a utilização de cores (tipos químicos), hachuras (classes de potabilidade) e símbolos (classes de irrigação), que permitem ao usuário uma visão global das características químicas das águas subterrâneas e superficiais desta região.
Mapa Hidrogeológico da Região Nordeste do Brasil

O Mapa Hidrogeológico da Região Nordeste representa cartograficamente um conjunto de unidades geológicas com características hidrogeológicas similares. Esta seleção é fundamentada, principalmente, na litologia (análise da rocha que forma o solo), mas fatores estruturais, tectônicos, dimensionais, fisiográficos, estratigráficos, a recarga e circulação dos aquíferos, características físico-químicas das águas subterrâneas e suas condições de explotabilidade também foram considerados.

As províncias e domínios hidrogeológicos são definidos a partir dos valores de vazão (m³/h) e vazão específica (l/s/m), extraídos dos dados construtivos dos mais de 54 mil poços tubulares perfurados nesta região que serviram de base para este levantamento.

Fonte: IBGE

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Exploração de minério e o projeto Belo Sun: o surgimento de um novo Carajazão. Entrevista com Rogério Almeida

“É o maior empreendimento de mineração de ouro a céu aberto do país e deverá retirar 50 toneladas de ouro no prazo de 12 anos. Um prazo curtíssimo”, constata o pesquisador.
              Foto: http://bit.ly/1bUms45
      
O projeto Belo Sun, a ser executado no estado do Pará, “é o maior empreendimento de mineração de ouro a céu aberto do país e deverá retirar 50 toneladas de ouro no prazo de 12 anos”, informa Rogério Almeida, em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail.

Segundo ele, a empresa Belo Sun “tomou posse dos antigos garimpos Grota Seca, Galo e Ouro Verde, que existem desde os anos 1940. Isso já provoca estranheza num cenário marcado pela desordem fundiária, onde a maioria das terras é tutelada pela União. Ali vivem os povos indígenas Juruna e Arara e outros povos isolados, além de lavradores, extrativistas e pescadores que sofrem com a espoliação e a expropriação promovidas pela Belo Monte”.

Rogério Almeida relata que há seis meses os garimpeiros estão “impedidos de operar nas antigas áreas”, e a empresa prometeu reassentar mais de mil famílias. No entanto, ressalta, “na Ressaca e na Ilha da Fazenda, que ficam bem próximas, o clima é de incerteza e insegurança. As populações já socializam a desordem que a usina de Belo Monte provoca. É ali que o Xingu terá a sua vazão reduzida em perto de 80%. É um impacto absurdo e tem implicações no deslocamento das pessoas, nas fontes de recursos que a natureza possibilita. As pessoas não sabem informar sobre o reassentamento. Parte da Ressaca é de projeto de assentamento da reforma agrária”.

Rogério Almeida é graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Maranhão e mestre em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido pela Universidade Federal do Pará, com a dissertação intitulada Territorialização do campesinato no sudeste do Pará, a qual foi laureada com o Prêmio NAEA/2008. Atualmente leciona na Faculdade de Tecnologia da Amazônia.
Confira a entrevista.


IHU On-Line – Em que consiste a atividade da Belo Sun e desde quando a empresa atua no Brasil?

Rogério Almeida - Tomei conhecimento da existência da Belo Sun no Brasil agora, em visita às comunidades da Vila da Ressaca e da Ilha da Fazenda, que serão impactadas pelo projeto da hidrelétrica de Belo Monte, na Volta Grande do Xingu, no território do município de Senador José Porfírio.

Conforme o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA apresentado à Secretaria de Meio Ambiente do Pará – SEMA, trata-se de uma subsidiária brasileira da Belo Sun Mining Corporation, pertencente ao grupo Forbes & Manhattan Inc., um banco mercantil de capital privado que desenvolve projetos de mineração em todo o mundo.

A Belo Sun passa a integrar a aquarela de grandes corporações de mineração que operam no estado do Pará, competindo com a Vale, a estadunidense Alcoa, a suíça Xstrata, a francesa Imerys, a Reinarda, subsidiária da australiana Troy Resourses, a norueguesa Norsk Hydro e a chilena Codelco.

IHU On-Line – O que é o projeto Belo Sun?

Rogério Almeida - É o maior empreendimento de mineração de ouro a céu aberto do país e deverá retirar 50 toneladas de ouro no prazo de 12 anos. Um prazo curtíssimo. Localiza-se numa região que será profundamente impactada pela usina de Belo Monte. A Belo Sun tomou posse dos antigos garimpos Grota Seca, Galo e Ouro Verde, que existem desde os anos 1940. Isso já provoca estranheza num cenário marcado pela desordem fundiária, onde a maioria das terras é tutelada pela União. Ali vivem os povos indígenas Juruna e Arara e outros povos isolados, além de lavradores, extrativistas e pescadores que sofrem com a espoliação e a expropriação promovidas pela Belo Monte. O futuro das pessoas que moram na Volta Grande do Xingu é incerto pelo conjunto de impactos que os dois projetos irão produzir. A mineração do ouro usa cianeto, dragas e dinamite, e deixará uma montanha de resíduos ali. Externalidades negativas é uma matriz da mineração. O projeto aprofunda ainda mais a condição econômica da Amazônia como uma grande província exportadora de recursos naturais. Uma colônia baseada em commodities. Há perto de 500 pedidos de prospecção protocolados junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM somente na Volta Grande do Xingu, e, desse total, 228 possuem foco no ouro.

IHU On-Line – Como está ocorrendo a exploração de minério no Pará?

Rogério Almeida - O minério é o principal item da balança comercial do estado, responde por quase 100% do Produto Interno Bruto – PIB. Em todo o território existe minério, de seixo a ouro. O ferro da província de Carajás, explorada desde a década de 1980, continua sendo o principal. O estado é duplamente saqueado, por conta da renúncia fiscal da Lei Kandir (lei complementar federal nº 87, de 13 de setembro de 1996). Ela desobriga as empresas de recolher o Imposto de Circulação de Mercadoria e Serviço – ICMS dos produtos primários e semielaborados. Literalmente fica somente o buraco.

Ao longo dos anos da mineração em Carajás, os péssimos indicadores socioeconômicos não sofreram alteração. A fronteira agromineral consolidou o sul e o sudeste do Pará como os que mais desmatam, mais assassinam camponeses na luta pela terra no Brasil, e com municípios nos primeiros lugares entre os mais violentos do país e de vulnerabilidade para a população jovem. Nenhum município tem renda per capita que alcance um salário mínimo por mês. O município vizinho da mina de Carajás, Curionópolis, tem a renda per capita de R$ 108,15, quase a mesma da pequena Palestina do Pará, R$ 106,64.

IHU On-Line – Quem são os garimpeiros da Vila da Ressaca? Como eles atuavam antes da entrada da Belo Sun no Pará?

Rogério Almeida - Conforme informações da cooperativa dos garimpos da Vila Ressaca, são perto de 600 garimpeiros. Eles trabalham em condições marcadas pela precariedade, sem vínculo empregatício. Ficavam somente com 20% do ouro encontrado. O “patrão”, o dono do local da exploração, bancava com máquinas e combustível o processo, e ficava com 80%.

IHU On-Line – Em que consiste o conflito deles com a Belo Sun?

Rogério Almeida - Há seis meses os garimpeiros estão impedidos de operar nas antigas áreas. Eles explicitam que perderam a principal fonte de renda. A vila, hoje, tem um aspecto de cidade fantasma. As áreas foram negociadas com a Belo Sun, como falei antes, num ambiente marcado pela ilegalidade fundiária.

IHU On-Line – Qual é a proposta de reassentamento das famílias da Vila Ressaca,
Galo e Ouro Verde, feita pela Belo Sun?

Rogério Almeida - Em documento formal a empresa afirma que promoverá o reassentamento de mil famílias. No entanto, na Ressaca e na Ilha da Fazenda, que ficam bem próximas, o clima é de incerteza e insegurança. As populações já socializam a desordem que a usina de Belo Monte provoca. É ali que o Xingu terá a sua vazão reduzida em perto de 80%. É um impacto absurdo e tem implicações no deslocamento das pessoas, nas fontes de recursos que a natureza possibilita.

As pessoas não sabem informar sobre o reassentamento. Parte da Ressaca é de projeto de assentamento da reforma agrária.

IHU On-Line – Qual a atual situação da exploração mineral em Carajás?

Rogério Almeida - Carajás vivencia uma grande inflexão com o desenvolvimento do maior projeto de mineração da Vale ao longo dos seus 40 anos de vida, o Projeto de Mineração da Serra Sul (S11D), localizado no município de Canaã dos Carajás, e que vai explorar ferro. O S11D desponta no cenário atual como uma representação do Grande Carajás no século XXI.

Um novo Carajazão, como o foi a primeira versão da década de 1980. O mesmo consiste em profundas alterações nos cenários econômicos, sociais e políticos em Carajás, que compreende desde a mina até o porto, em São Luís, no Maranhão, pressionando reservas ambientais, vilas, territórios ancestrais e projetos de assentamentos rurais. O S11D encontra-se nos limites dos municípios a sudeste do Pará, Canaã dos Carajás e Parauapebas.

Com o projeto, a mineradora vai incrementar a produção de ferro em 90 milhões de toneladas por ano, mas com capacidade de dobrar a produção. O mercado asiático tem sido o destino do minério de ferro de excelente teor das terras dos Carajás, em particular a China e o Japão. A previsão é que a usina inicie as operações até 2016. A iniciativa, que inclui mina, duplicação da Estrada de Ferro de Carajás – EFC, ramal ferroviário de 100 km e porto, está orçada em US$ 19,5 bilhões.

Os recursos estão distribuídos da seguinte forma: a logística consumirá US$ 14,1 bilhões; US$ 8,1 bilhões serão usados na mina e na usina; enquanto US$ 2 bilhões serão usados durante o ano.

Como em outros empreendimentos na Amazônia, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES é o responsável por parte dos recursos, ao lado do banco japonês Japan Bank International Cooperation – JBIC. O projeto é maior ou equivalente à primeira versão do Programa Grande Carajás – PGC, iniciado há quase 30 anos.

O minério que sairá da Serra Sul é considerado ainda de melhor teor que o extraído da Serra Norte, avaliado como excelente. O teor da S11D é de 65%. A Vale é, atualmente, a líder mundial no mercado de ferro, responsável por 310 milhões de toneladas por ano. Como em outros casos registrados na região, o início do projeto mobiliza uma série de alterações na cidade que abriga a mina e em municípios do entorno.

IHU On-Line – Fala-se de um possível aumento de conflitos no Pará por conta da exploração de ouro. O senhor vislumbra algo nesse sentido?

Rogério Almeida - Faz-se necessário uma leitura sobre o contexto dos grandes projetos na Amazônia, em consonância com obras de infraestrutura do estado para que os mesmos possam ser viabilizados. Esse conjunto coloca em oposição populações locais e as grandes corporações. É uma luta desigual, marcada pela derrota dos primeiros, que ao longo dos séculos são os penalizados com todo tipo de desrespeito, expropriação, espoliação e morte. Não tem ocorrido nenhuma alteração.

IHU On-Line – Como o estado do Pará se manifesta diante da atuação da empresa na região?

Rogério Almeida - Ele garante as condições para o empreendedor detentor de capital, ou que se capitaliza com os recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, que se constitui como o principal financiador das grandes corporações na Pan-Amazônia.

Soma-se a isso um xadrez no campo jurídico que busca fragilizar algumas garantias das populações consideradas tradicionais, como indígenas e quilombolas, entre outras. Para não falar nos bastidores das negociatas típicas de vésperas de pleitos eleitorais.


Fonte: EcoDebate

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

A responsabilidade com a qualidade da água termina na porta da rua. Entrevista com José Bento da Rocha

“A forma de tratamento da água disponibilizada no Brasil se constitui, grosso modo, de processos mecânicos e químicos que visam reduzir a concentração de poluentes”, lamenta o farmacêutico.
      Foto: http://bit.ly/1f9TQDG
      
“O déficit para o abastecimento de água potável é de aproximadamente 10%, se considerada apenas a presença/ausência da disponibilidade do serviço para o domicílio. No entanto, quando se leva em conta a adequabilidade/continuidade deste serviço, o déficit sobe para aproximadamente 40%, o que é extremamente alto.”
A constatação é de José Bento da Rocha, autor da dissertação de mestrado intitulada A regulação e a universalização dos serviços de abastecimento de água potável no Brasil, realizada pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz.
Segundo ele, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail, os dados disponíveis referentes à qualidade da água “revelam que a situação do abastecimento de água potável no Brasil ainda é muito preocupante”. 

Rocha esclarece que 33,9% dos domicílios brasileiros ainda estão enquadrados no conceito de “déficit intermediário sob a alcunha de atendimento precário”.

A discussão em relação à qualidade da água, assinala, “gira em torno dos 33,9% de domicílios enquadrados nesta categoria — se, na realidade, não deveriam se somar aos sem atendimento, pois são atendidos de maneira inadequada. Por outro lado, questiono: somente deveriam ser atendidos os domicílios em que é possível atendimento de qualidade (adequado) e o restante deveria ser deixado de lado? Ou é melhor atender precariamente do que não atender?”

José Bento da Rocha explica ainda que o tratamento da água no Brasil enfrenta problemas como tratamentos incompletos e até mesmo ausência de tratamento prévio. “Em uma realidade ainda bem distante da nossa, o ideal para garantir a qualidade da água tratada seria a adoção do padrão europeu (talvez alguns diriam ‘Padrão FIFA’) em que não é permitida a reservação de água (isto é, não se pode ter uma caixa d’água em casa) e que a obrigação do ‘fornecedor’ da água (seja privado ou público) é garantir sua qualidade até a torneira”, conclui.

José Bento da Rocha é farmacêutico graduado pela Universidade Estadual de Goiás – UEG, especialista em Controle de Tráfego Aéreo pela Escola de Especialistas da Aeronáutica – EEAR, pós-graduado em Direito Administrativo com ênfase em Gestão Pública, Regulador de Serviços Públicos e mestre em Saúde Pública com ênfase em Gestão e Regulação de Serviços Públicos de Saneamento Básico – ENSP/FIOCRUZ. Atualmente é coordenador de Monitoramento de Projetos da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal – ADASA.

                     Foto: http://bit.ly/18EClaA

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que os dados disponíveis sobre a cobertura de abastecimento de água potável no país revelam sobre o abastecimento e a qualidade da água brasileira?
José Bento da Rocha - Apesar de apresentarem fortes discrepâncias e, porque não dizer, deficiências, os dados disponíveis revelam que a situação do abastecimento de água potável no Brasil ainda é muito preocupante. Seja em relação ao aspecto quantitativo ou ao qualitativo. Quando se coloca em foco o déficit sob o prisma puramente quantitativo, chega-se a aproximadamente 10% da população brasileira excluída do acesso a esse bem essencial. Quando se adiciona o fator qualidade/continuidade da água disponibilizada, este déficit sobe assustadoramente para algo próximo de 40%. De todo modo, ambos são extremamente altos. Ainda no prisma qualitativo, um fator bastante controverso é a classificação adotada no Plano Nacional de Saneamento Básico – PNSB (que na verdade ficou conhecido como PLANSAB e foi aprovado definitivamente em 06/12/2013), que reafirma um conceito de “déficit intermediário” sob a alcunha de atendimento precário.

A discussão gira em torno dos 33,9% de domicílios enquadrados nesta categoria — se, na realidade, não deveriam se somar aos sem atendimento, pois são atendidos de maneira inadequada. Por outro lado, questiono: somente deveriam ser atendidos os domicílios em que é possível atendimento de qualidade (adequado) e o restante deveria ser deixado de lado? Ou é melhor atender precariamente do que não atender? Ao que, utopicamente, deveriam existir apenas serviços com atendimento de qualidade, mas dada a dura realidade atual e todo o histórico que a precede, não se concebe deixar de atender parte da população, ainda que fosse para propiciar atendimento com água mineral ao restante.

IHU On-Line – Como o tratamento da água vem sendo feito no Brasil e qual o método correto de garantir um tratamento adequado da água? Quais são as preocupações do país em garantir a água potável?

José Bento da Rocha - A forma de tratamento da água disponibilizada no Brasil, que deveria variar em função do enquadramento da fonte, diga-se qualidade original da água e/ou da solução adotada (se rede geral, solução alternativa ou individual), se constitui, grosso modo, de processos mecânicos e químicos que visam reduzir a concentração de poluentes (coagulação, floculação, decantação, filtração, desinfecção, etc.).

Entretanto, na prática, há problemas que vão desde tratamentos incompletos até sua ausência, ou seja, água disponibilizada à população sem qualquer tratamento prévio. Em uma realidade ainda bem distante da nossa, o ideal para garantir a qualidade da água tratada seria a adoção do padrão europeu (talvez alguns diriam “Padrão FIFA”) em que não é permitida a reservação de água (isto é, não se pode ter uma caixa d’água em casa) e que a obrigação do “fornecedor” da água (seja privado ou público) é garantir sua qualidade até a torneira.

No Brasil esta responsabilidade termina na porta da rua (Lei 11.445/2007 – Art. 3º – Para os efeitos desta Lei, considera-se abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição).

Existem instrumentos coerentes para garantir a qualidade da água fornecida, a exemplo da Portaria 2914/2011 do Ministério da Saúde, mas sua fiscalização é deficiente e, ainda que não o fosse, haveria a possibilidade de contaminação na parte interna das casas, pois se pode afirmar, com certeza, que o percentual da população que lava regularmente suas caixas d’água, como recomendado, é muito baixo.

IHU On-Line – É possível estimar o déficit de água potável no país? Quais as razões deste déficit em relação à qualidade da água?

José Bento da Rocha - No estudo realizado, chegou-se à conclusão de que o déficit para o abastecimento de água potável é de aproximadamente 10%, se considerada apenas a presença/ausência da disponibilidade do serviço para o domicílio (urbano ou rural). No entanto, quando se leva em conta a adequabilidade/continuidade deste serviço, o déficit sobe para aproximadamente 40%, o que é extremamente alto.

Em relação ao déficit de cobertura para o abastecimento de água potável, conclui-se que há uma série de complicadores para a sua extinção. Além das razões já apresentadas acima, podem-se citar problemas que vão desde a vontade política dos governantes, passando pelas dificuldades financeiras (alto custo), áreas de ocupação irregular (ausência de infraestrutura e alegada baixa capacidade de pagamento dos moradores) até deficiências relacionadas aos dados sobre esta cobertura (falta de padrão das pesquisas, foco na presença/ausência do serviço e não em sua adequabilidade/continuidade — deficiências estas que impedem o conhecimento realístico da situação e possibilitam, em caso de má-fé, o uso destes dados em manobras para manipulação de resultados nas estatísticas oficiais).

IHU On-Line – Por quais razões o acesso aos serviços de abastecimento de água potável no país ainda é restrito em algumas regiões? Em quais estados brasileiros o acesso à água é mais restrito?

José Bento da Rocha - Duas situações devem ser destacadas no que tange às questões regionais relativas ao déficit. A primeira é que, tanto na Região Norte, com a aparente abundância de água, como na Região Nordeste, com suas secas castigantes, há problemas sérios de abastecimento. Os estados destas duas regiões figuram, portanto, como os mais atingidos pelo déficit, sendo que no Norte o principal inimigo é o altíssimo índice de perdas, e no Nordeste, a escassez, além das deficiências estruturais nas duas regiões. A segunda situação é a questão relacionada às ocupações irregulares (áreas de favelas, invasões, etc.), que crescem exponencialmente e nas quais não há infraestrutura básica, muito menos qualquer planejamento prévio de expansão.

IHU On-Line – Como funciona o processo de gestão da água no Brasil e como avalia a maneira como vem sendo conduzido?

José Bento da Rocha - O processo de gestão das águas a partir da integração entre a Agência Nacional de Águas – ANA e os estados é, até certo ponto, satisfatório. O mais preocupante é que o Brasil ainda não valoriza, como deveria, o imenso patrimônio que possui em relação às suas águas. A errônea sensação de que a água é um bem ilimitado no país e a falta de instrumentos eficientes de monitoramento (georeferenciamento, telemetria, rastreamento de contaminações e contaminantes, etc.) são pontos bastante negativos desta gestão.

IHU On-Line – Quais têm sido os principais investimentos e políticas públicas para garantir a qualidade da água no Brasil?

José Bento da Rocha - A definição dos parâmetros de potabilidade /qualidade da água a serem adotados, conforme a Portaria 2914/2011 – MS, e suas implicações em relação à estrutura a ser utilizada para este fim, como Secretaria de Vigilância em Saúde – SVS/MS, Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano – VIGIAGUA, Fundação Nacional de Saúde – FUNASA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, entre outros, são marcos importantes. Entretanto, não garantem, por si mesmos, esta qualidade. Fatores como o excesso de agrotóxicos utilizados nas plantações (que de alguma forma chegam até os mananciais) não são adequadamente analisados na maioria dos casos.

IHU On-Line – Como a universalização da água é contemplada na Lei 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico?

José Bento da Rocha - A Lei 11.445/2007 traz um novo paradigma, quando aponta para a universalização dos serviços como um de seus princípios. A despeito de que no Brasil a previsão em lei não garante sua execução, o abastecimento de água é o serviço mais adiantado nesta empreitada. E também neste contexto, a regulação ganha peso como possível instrumento de incentivo e/ou coerção ao cumprimento das regras definidas em várias frentes legais e regulamentares.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

José Bento da Rocha - Os estudos realizados neste trabalho (A regulação e a universalização dos serviços de abastecimento de água potável no Brasil) evidenciaram a importância do abastecimento de água potável para o bem estar da população. Ressalta-se que as dificuldades de acesso são maiores do que a presença ou ausência de rede, poço ou qualquer outra forma de disponibilização da água. Além da presença de um sistema ou estrutura de abastecimento, a água deve estar disponível, com qualidade e ter viabilidade econômica para o usuário. Por todo seu potencial de impacto em aspectos como saúde, trabalho e dignidade na vida das pessoas, o acesso à água é de fundamental importância.

O déficit de cobertura ainda existente para abastecimento de água potável é preocupante tanto no sentido quantitativo quanto e, principalmente, no qualitativo. No olhar sobre o aspecto quantitativo, fica evidente que uma parcela considerável da população brasileira, próximo de 10%, se considerados os meios urbano, rural e as comunidades não regularizadas, está excluída do acesso ao qual tem direito. Já com o foco voltado para uma visão qualitativa, é preocupante perceber que dentre os brasileiros que recebem o serviço, mais de um terço não o recebe de forma adequada, ou seja, nos padrões de qualidade que deveria receber.

Saneamento

Outro aspecto observado neste trabalho é que a qualidade dos dados referentes aos serviços de saneamento em geral, inclusive de abastecimento de água potável, apresentam um baixo grau de confiabilidade. Este problema envolve desde a forma como são propostas e realizadas as pesquisas do setor, até a falta de conhecimento técnico dos participantes que prestam, voluntariamente, as informações quando requeridas.

A regulação da prestação dos serviços de abastecimento de água potável pode e deve assumir papel primordial frente à extrema complexidade técnica, política e econômico-financeira que envolve a universalização do acesso, seja equilibrando as forças, seja proporcionando meios como estabilidade e segurança jurídica para que os entes responsáveis possam desenvolver bem suas funções. Também se espera que a ação regulatória promova um contrapeso autônomo, dotado de técnica e isenção visando manter o equilíbrio entre as diferentes forças que influenciam na prestação dos serviços regulados.

Universalização da água

À luz da Lei 11.445/2007, que aponta para a universalização como um de seus princípios, e considerando que esta necessidade reforça o papel da regulação como um instrumento importantíssimo de propulsão para o alcance deste objetivo, aponta-se que o exercício de uma regulação efetiva, dotada de seus elementos essenciais (altíssima qualificação, autonomia e independência, etc.) tende a contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, propiciando serviços abrangentes e de qualidade a preços módicos.

A pesquisa realizada envolveu uma extensa análise dos contratos de concessão dos munícipios escolhidos, debruçando-se sobre como está a participação do regulador na relação concedente—concessionário. Este trabalho foi importante por gerar conhecimento nesta área em que há institucionalidades tão variadas, bem como ausência de um marco regulatório nacional bem definido.

Da análise dos contratos de concessão selecionados, infere-se que a regulação exerceu baixa participação no que concerne ao seu papel de compelir os regulados a buscarem este importante princípio legal. Casos como o de Campos do Jordão e de Manaus são mais preocupantes, o primeiro pela ausência de metas para a universalização e o segundo por ficar claro que a empresa (neste caso privada) vem descumprindo as metas acordadas e, ainda assim, conseguiu a prorrogação do contrato até 2045.

Concluiu-se neste trabalho que apesar de ter sido criado todo um aparato legal e técnico destinado às atividades de regulação de serviços de saneamento, a universalização das redes de abastecimento de água ainda não foi priorizada como uma meta urgente por entes reguladores. Desta conclusão não se infere que as agências reguladoras estejam deixando de atuar, porém ressalta-se que estão em um nível abaixo do que podem e do que, naturalmente, se espera delas.

Desafios

Vale considerar que a presença da regulação no Brasil ainda é muito recente e que já evoluiu grandemente; assim, o cenário é de boas expectativas em relação ao futuro. O que este estudo alerta é que as agências devem se preparar política e tecnicamente (com grande prioridade para a formação técnica) para superar os desafios postos à sua frente e assumir seu lugar na condução das relações e manutenção do equilíbrio na prestação dos serviços regulados. A atuação do regulador em abastecimento de água deve ir muito além de ser um mero observador das deficiências de qualidade e do déficit de cobertura. Como agente externo, de estado, deve compelir, sempre que necessário, os agentes de governo a cumprirem seu papel em benefício do cidadão, que é o mantenedor do estado.

Finalmente, adverte-se que há que se encarar o problema da falta de acesso com a determinação que sua complexidade exige. As desculpas que se renovam a cada momento institucional do Brasil atendem bem a certos interesses, mas que, com toda certeza, não são os dos usuários excluídos. Mesmo que estes consigam se munir de soluções improvisadas e, via de regra, inadequadas, o que esperam e, de fato, têm direito, é receber um serviço de qualidade e universalizado.


Fonte: EcoDebate