O déficit habitacional cresce e
com ele as Ocupações, artigo de Gilvander Luís Moreira
Ocupação-comunidade
Dandara
[EcoDebate] A
especulação imobiliária está crescendo e com ela, o déficit habitacional e,
consequentemente, as ocupações urbanas. Políticas habitacionais populares estão
quase só em discursos e vãs promessas. Somente na região metropolitana de Belo
Horizonte, MG, já são mais de 25 mil famílias em Ocupações urbanas, umas
planejadas e outras “espontâneas”. Direitos fundamentais, como o de morar com
dignidade, estão sendo violados. Somente em quatro ocupações estão cerca de 12
mil famílias: 4 mil famílias na Ocupação William Rosa, em Contagem, MG; 4.500
famílias na Ocupação Vitória; 2 mil famílias na Ocupação Esperança; e 1.500
famílias na Ocupação Rosa Leão. Essas três na Região do Isidoro/Granja Werneck,
em Belo Horizonte, com 8 mil famílias.
Até o presente momento somente foram construídas em Belo
Horizonte 1.427 unidades habitacionais pelo Programa Minha Casa Minha Vida
(PMCMV) para famílias de 0 a 3 salários-mínimos, em que pese mais de 4 anos de
existência de referido programa. No 1º dia de cadastro para o PMCMV, há 4 anos,
199 mil famílias se inscreveram. A Fundação João Pinheiro atestava um déficit
habitacional e 63 mil casas, em 2005. Oito anos após estima-se um déficit
habitacional na capital mineira acima de 150 mil casas.
Não há programa de construção de moradias para população
carente em Belo Horizonte diversa do PMCMV. Isso porque as construções de
unidades habitacionais pelas obras do programa Vila Viva não se
prestam a atender o déficit habitacional de Belo Horizonte. O Ministério
Público Federal informou que, de 7.957 remoções realizadas pelo programa Vila
Viva em Belo Horizonte, somente 3.950 remoções importaram em reassentamento –
sem titulação – em unidade habitacional construída por esse programa. Do
restante, 496 dos removidos conseguiram adquirir a compra de casa com recursos
advindo do PROAS – 40 mil reais é o teto – e, a grande maioria dos removidos,
4.310, receberam indenização pela remoção compulsória. A indenização é sempre
injusta, pois não indeniza o valor do imóvel, mas apenas da casa ou do barraco.
Há Relatório da PBH, PM, Ministério Público e Polícia civil atestando o caos
que está nos predinhos do Vila Viva.
O
Governo de Minas nos últimos 20 anos não construiu nenhuma casa para famílias
de zero a três salários-mínimos em Belo Horizonte e nem na região metropolitana
de BH.
O
povo, sem-terra e sem-casa, não tolera mais sobreviver sob a cruz do aluguel,
que é veneno que come diariamente no prato dos pobres. Não aguentam mais a cruz
da humilhação que é sobreviver de favor: peso nas costas de parentes e perda de
liberdade.
Três
fatores, entre outros, estão movendo os oprimidos para a luta, para ocupações
de terrenos abandonados: a) A necessidade, melhor dizendo, a injustiça social e
com ela um imenso déficit habitacional que campeia. O capitalismo neoliberal
cada vez mais concentra riquezas em poucas mãos e esfola sem piedade a classe
trabalhadora que está sendo casa vez mais pisada. O empobrecimento dos/as
trabalhadores/ras está se acelerando de forma vertiginosa. Salários e condições
análogas à escravidão é o que mais se vê no mundo do capital atualmente; b) As
manifestações a partir do mês de junho de 2013 inocularam um bom colírio nos
olhos de muita gente que está acordando para a necessidade das lutas coletivas;
c) O exemplo positivo, em Belo Horizonte, da Ocupação-comunidade Dandara – e de
outras ocupações exitosas. Muita gente oprimida está dizendo assim: “O povo
da Dandara está conquistando mil casas e vários outros direitos. Nós vamos
conquistar. Por isso vamos para a luta coletiva.”
Se
a Constituição for respeitada, nenhuma reintegração de posse em ocupações
coletivas pode ser feita. Concordo 100% com a professora Delze dos Santos
Laureano ao dizer: “Se
fossem mesmo levados a sério os direitos humanos fundamentais, nenhuma
reintegração de posse poderia ser feita nas ocupações coletivas, pois esses
atos ferem de morte o direito à dignidade da pessoa humana, o direito à
alimentação e à moradia. Afrontam, violentamente, tais decisões contra a
democracia, os direitos das crianças, dos idosos, dos deficientes. Todos estes
que recebem, por força da própria constituição, ainda que formalmente, a
proteção do Estado.”
A
história nos mostra que despejo jamais é solução justa para grave problema
social como o que envolve milhares de famílias hoje na região metropolitana de
BH. Despejo só piora mil vezes o problema social. Acirra os ânimos, cria
condições para se fazer massacres, o que é abominável. A solução justa para
superar de forma justa esses conflitos sociais passa necessariamente por
Política – não por polícia -, por diálogo, por negociação, por política de
habitação séria, popular e massiva, com participação popular. Jamais polícia –
repressão – vai resolver de forma justa o problema que as ocupações urbanas e
rurais estão desvelando.
Temos
em Belo Horizonte, dois exemplos que devem ensinar muito a todas as
autoridades. Em 2010, a tropa de choque da Polícia Militar de MG acompanhou
guardas municipais da prefeitura de BH, seus fiscais e gerentes e, sem decisão
judicial, demoliram 11 casas de alvenaria na Ocupação Zilah Spósito/Helena
Greco. Jogaram gás de pimenta no povo, inclusive em criança de quatro anos.
Fizeram um terror. Mas, a Rede de Apoio chegou rápido e, sob a liderança da
Defensoria Pública de MG, área de Direitos Humanos, conquistamos uma Liminar
judicial que impediu demolir as vinte casas que resistiam em pé. Moral da
história: Após três anos estão lá 160 casas de alvenaria construídas, com 160
famílias fora da cruz do aluguel ou da sobrevivência de favor. Conquistamos a
retirada do secretário da prefeitura de BH, da regional Norte, que comandou a
operação.
O Ministério Público da área de Direitos Humanos denunciou 11
soldados que estão respondendo processos. E o povo está lá firme na luta. No
Barreiro, em BH, dias 11 e 12 de maio de 2012, um verdadeiro aparato de guerra
– 400 policiais, cavalaria, helicóptero da PM, caveirão – em uma ação militar
que durou 36 horas, despejou 350 famílias da Ocupação Eliana Silva, do MLB,
aterrorizando as crianças que, abraçadas às mães, gritavam: “Mãe, a polícia vai
nos matar.” Traumas indeléveis. Mas três meses depois, a Ocupação Eliana Silva
“ressuscitou” ocupando outro terreno a um quilômetro de distância e hoje, após
1,5 ano, já estão com 300 casas de alvenaria construídas e a Comunidade segue,
de cabeça erguida, sob a guia do MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e
Favelas), movimento popular admirável.
É
um erro grave pensar que polícia vai resolver problemas sociais. Polícia é para
resolver crimes. As lutas coletivas do povo pobre – que se expressam nas
ocupações – são lutas por direitos constitucionais e como tais devem ser
respeitadas. Aos policiais recordamos: Vocês são também trabalhadores da classe
trabalhadora e não estão obrigados a cumprir ordens que são contrárias à lei
maior de Deus, que diz: Não matarás!
Belo
Horizonte, MG, Brasil, 11 de novembro de 2013 Gilvander Luís Moreira é Frei e padre da Ordem dos
carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia
pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de
Roma, Itália; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB
e Via Campesina; conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas
Gerais – CONEDH, Colaborador e Articulista do Portal EcoDebate; e-mail:
Fonte: EcoDebate
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