A Amazônia que o BNDES financia,
por Bruno Fonseca e Jéssica Mota
Pela lei de acesso à informação, a Pública obteve
43 contratos do BNDES com grandes corporações nacionais para empreendimentos na
Amazônia. A série BNDES na Amazônia é uma parceria da Agência Pública com O Eco
Nos calhamaços de papel assinados e rubricados
diversas vezes por gigantes da economia brasileira – Vale, Eletrobrás, Andrade
Gutierrez, Camargo Corrêa, Votorantim, Alcoa, dentre outros -, saltam cifras de
500 milhões, 1 bilhão, até quase 10 bilhões de reais. São os contratos de
financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a
uma série de megaempreendimentos na Amazônia, que não são disponibilizados
publicamente pelo banco, embora todas essas obras sejam custeadas com o
dinheiro de impostos.
A Pública entrou com um pedido de acesso à
informação para obter os contratos dos principais investimentos do BNDES em
projetos de infraestrutura na Amazônia brasileira e obteve 43 contratos que
revelam detalhes sobre o financiamento de projetos de empresas e estados – as
garantias exigidas, os compromissos socioambientais acordados – e descobriu
que, na prática, muitas dessas obras desrespeitam o que foi assinado,
contribuindo para muitos dos problemas que a reportagem vem encontrando ao
longo da produção dessa série, motivando
inclusive ações judiciais.
O curioso é que isso ocorre apesar da complexidade
de procedimentos que o processo de obtenção do financiamento implica. Para
pleitear um empréstimo, é preciso enviar um pedido formal, que tem de ser
acompanhado de documentação específica de acordo com a modalidade de financiamento
– o banco oferece 11 produtos diferentes, cada um com linhas de financiamento específicas.
Esse documento inicial tem que conter dados gerais sobre a operação e dados
específicos sobre o projeto em questão, incluindo informações sobre os aspectos
econômicos e financeiros da empresa e do seu mercado de atuação; e sobre os
aspectos jurídicos, com todos os estudos e licenças de operação e meio ambiente
emitidos pelos órgãos responsáveis, como o IBAMA ou a Secretaria de Meio
Ambiente.
Caso o projeto apresente algum impacto ambiental,
são negociadas medidas de compensação através de outras linhas de apoio
paralelas oferecidas pelo BNDES, voltadas ao meio ambiente. A empresa também
responde a um questionário sobre os aspectos e impactos sociais da empresa e do
projeto. Assim, o Comitê de Enquadramento e Crédito do BNDES, formado pelos 23
superintendentes do banco, classifica a operação com base nos riscos ambientais
apresentados na proposta.
Só então o banco prossegue com a aprovação e a
contratação do financiamento do projeto pela diretoria, formada pelo
presidente, vice e sete diretores do BNDES. O contrato de financiamento não é
disponibilizado no site do BNDES ou em outra plataforma ao alcance do público.
No caso dos contratos internacionais, o acesso à Pública foi negado, mesmo pela
Lei de acesso à informação.
Cláusulas são insuficientes para
proteção de direitos humanos e meio ambiente
Através da análise dos 43 contratos aos quais a
Pública teve acesso, foi possível perceber que mesmo com tantas exigências
formais por parte do BNDES, as cláusulas que dizem respeito à proteção dos
direitos humanos e meio ambiente são estipuladas, em sua maioria, através de
parágrafos padronizados, e não garantem o cumprimento de compromissos de acordo
com a especificidade dos projetos.
Por exemplo, a frase “manter em situação regular
suas obrigações juntos aos órgãos do meio ambiente, durante o período de
vigência deste Contrato” está presente em todos os documentos analisados, bem
como “adotar, durante o período de vigência deste Contrato, as medidas e
ações destinadas a evitar ou corrigir danos ao meio ambiente, segurança e
medicina do trabalho que possam vir a ser causados pelo projeto”.
Não há detalhes tampouco nas Disposições Aplicáveis aos Contratos do BNDES,
destinadas a todos os contratantes, que se limitam a estipular o cumprimento
das obrigações estabelecidas por Lei, sem maiores acréscimos.“Até onde se sabe,
não haveria uma customização. As cláusulas [socioambientais] não são desenhadas
de acordo com o projeto, são cláusulas padrão”, critica Caio Borges,
pesquisador da Conectas – ONG que promove os direitos humanos na África,
América Latina e Ásia.
Na visão do pesquisador, o processo ideal para
esses contratos envolveria três etapas: a elaboração de uma política de direitos
humanos, a realização de auditoria em direitos humanos – “que criariam
ferramentas operacionais [para] que essa política esteja efetivamente dentro da
rotina e dos processos da empresa”, como explica Caio – e a criação mecanismos
operacionais de denúncia e reclamação a exemplo das ouvidorias dos bancos
multilaterais, como o Banco Mundial.
“Deve existir um canal institucional de diálogo em
que uma pessoa que se sinta atingida possa ligar para o banco e dizer que
aquele projeto está violando algum direito dela ou que alguma política do banco
está sendo descumprida e que aquele projeto não está seguindo os procedimentos
que o próprio banco estipula”, diz Caio que acredita que só assim, e com uma
melhor fiscalização dos órgãos públicos responsáveis pela concessão de licença,
seria possível estancar o uso de dinheiro público em projetos que descumprem as
salvaguardas sócio-ambientais tanto no Brasil como em outros países.
De Belo Monte a Imperatriz:
licenças questionadas
É este o caso de diversos empreendimentos que
tiveram suas licenças ambientais questionadas, como a polêmica usina de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará. Mesmo
após a Justiça brasileira determinar paralisação das obras por ilegalidade no
licenciamento ambiental, o BNDES não divulgou qualquer modificação ou sanção em
relação aos contratos de mais de 25 bilhões de reais firmados com o consórcio
responsável, a Norte Energia.
E isso em um contrato que se destaca entre outros
do BNDES por haver um maior detalhamento nas condicionantes socioambientais,
entre eles, a obrigação de cumprimento das diretrizes dos Princípios do Equador,
estabelecidas pelo International Finance Corporation (IFC), do Banco Mundial.
Ali se estipulam as regras para avaliações ambientais; proteção a habitats
naturais; segurança de barragens; populações indígenas; reassentamento
involuntário de populações; trabalho infantil, forçado ou escravo; projetos em
águas internacionais e saúde e segurança no trabalho; dentre outros.
Já na construção da usina produtora de celulose da
Suzano, em Imperatriz, no Maranhão, objeto de um contrato de mais de 2,7
bilhões de reais, o BNDES determinou à Suzano “adotar, durante o período
de vigência deste Contrato, medidas e ações destinadas a evitar ou corrigir
danos ao meio ambiente, segurança e medicina do trabalho que possam vir a ser
causados pelo projeto”. Entretanto, a construção da usina, em andamento no
interior do Maranhão, está envolvida na morte de três funcionários, isso após o
Ministério Público do Trabalho ter constatado, seguidamente, problemas de
segurança no canteiro de obras. Uma das empresas envolvidas no projeto, a
Imetame, chegou a se recusar a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta
do MPT (leia mais aqui), o que mostra como,
na prática, a lei é ignorada.
A Pública, Agência de Reportagem e Jornalismo
Investigativo, é parceira estratégica do Portal EcoDebate na socialização da
informação.
Fonte: EcoDebate
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