Plantio de árvores como
compensação de emissões na Copa ficou na promessa. Entrevista com Magno Castelo
Branco.
Maura Campanili
Responsável pelo Departamento Técnico da Iniciativa
Verde – organização não governamental que trabalha para a mitigação e a
adaptação às mudanças climáticas por meio de recomposição florestal -, Magno
Castelo Branco diz que a organização da Copa do Mundo no Brasil acertou na
gestão de resíduos, mas decepcionou na compensação de emissões. “Tivemos
promessas de plantio de até 34 milhões de árvores, coisa que não ocorreu”.
Também consultor do Banco Mundial, da Confederação Nacional da Indústria (CNI)
e da Embaixada Britânica sobre assuntos relacionados à mudança do clima,
Castelo Branco acredita que a opção por chamar empresas para doarem créditos de
carbono – adotada pelo governo e pela Fifa -, tenha pouco valor. “Foi uma
atitude desesperada para cumprir de qualquer jeito uma promessa”. Na sua
avaliação, é preciso incorporar de maneira significativa iniciativas de
compensação de gestão de grandes eventos, buscando mecanismos de compensação
que contribuam de maneira significativa para a realidade local.
Clima e Floresta – Você acompanhou as
medidas de sustentabilidade anunciadas pelo governo brasileiro para a Copa do
Mundo? Podemos dizer que foram eficazes?
Magno Castelo Branco - Sim,
acompanhei as medidas de sustentabilidade anunciadas, mas também as que foram
efetivamente implementadas. Posso dizer que fiquei bem impressionado com a
gestão de resíduos recicláveis durante o evento. Foram contratados 1,5 mil
catadores que coletaram mais de 180 mil toneladas de resíduos. Essa foi uma
iniciativa importante, principalmente por criar e incentivar a cultura de coleta
e reciclagem nas cidades sedes. Sobre a certificação dos estádios, considero
que seja uma obrigação, pois hoje é inadmissível pensarmos em construir arenas
dessa magnitude sem considerarmos formas de torná-las mais eficientes. Apenas
seis das 12 arenas foram certificadas com o selo LEED (Leadership in Energy
& Environmental Design). Minha experiência mostra que a certificação das
obras não necessariamente aumenta os custos de implantação e sempre reduz os
custos durante a operação. Um ótimo exemplo é a Arena Castelão, que foi a mais
barata da Copa mesmo sendo certificada. Porém, sobre os estádios ainda tenho
outra preocupação. Observando que quase todos os estádios custaram mais do que
deveriam e tiveram suspeitas de superfaturamento, tenho certeza que essas
ineficiências de gestão significaram também um aumento do consumo de recursos e
nas emissões de gases de efeito estufa. Talvez seja difícil mensurar, mas é
certo que uma gestão ineficiente acarreta maiores desperdícios financeiros e,
consequentemente, de materiais.
Clima e Floresta – E em relação à
compensação de emissões de gases de efeito estufa, houve iniciativas
importantes?
Castelo Branco - Sobre a
compensação de emissões fiquei decepcionado, pois tivemos promessas de plantio
de até 34 milhões de árvores antes do evento, coisa que não ocorreu. Nem
ouvimos mais falar sobre o assunto. Essa era uma oportunidade única de
incentivar projetos de grande impacto positivo, pois a visibilidade era muito
grande. Era uma chance de dar visibilidade a projetos de recuperação da Mata
Atlântica – uma das grandes riquezas de nosso país-, além de muitas outras
iniciativas espalhadas pelo Brasil. O que vimos foi um ato desesperado de
tentar, de última hora, “zerar’ as emissões do evento com a doação de créditos
de carbono. Infelizmente, o que aconteceu foi muito menos significativo do que
poderia.
Clima e Floresta – Em relação
especificamente às emissões, que tipos de emissões um evento desse porte,
realizado em doze diferentes cidades, pode causar? É possível calcular as
emissões realizadas? Como?
Castelo Branco - Todos os
eventos podem ter as suas emissões calculadas. Para tanto, são utilizadas
metodologias consagradas, como por exemplo o GHG Protocol. Por mais que a
metodologia seja voltada para o cálculo de emissões corporativas, é possível
adaptá-la para um evento, avaliando as fontes de emissão existentes. Em eventos
de qualquer porte, a principal fonte de emissão é geralmente o transporte.
No
caso de um grande evento como a Copa do Mundo, isso fica muito evidente. No
inventário realizado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), chegou-se a
conclusão que 83% das emissões do evento estão relacionadas ao transporte dos
espectadores. Mas é importante ressaltar que há sim outros diversos impactos
como, por exemplo, a construção das arenas. Acho que foi um erro da Fifa e do
MMA optarem por não incluir essas emissões no escopo do inventário da Copa.
Pela minha experiência na Iniciativa Verde com a execução de inventários de
emissões de empreendimentos, posso deduzir que este impacto seria bastante
representativo no total. Pelo fato de termos 12 cidades sedes, tivemos um
impacto relativo ao transporte ainda mais significativo. Os deslocamentos são
maiores também pelas distâncias entre as cidades.
Além do transporte, são consideradas
as emissões relacionadas a realização de todos os eventos relacionados com a
Copa, incluindo nos cálculos fontes de emissão como: Consumo de energia,
consumo de materiais, transporte de staff, consumo de combustíveis, entre
outras.
Clima e Floresta – No site oficial da
Copa (http://www.copa2014.gov.br/),
o governo afirma que o Brasil compensou sete vezes
mais do que o estimado para as emissões diretas de gases de efeito estufa
geradas pela realização da Copa do Mundo. Esses índices
teriam sido alcançados em decorrência da chamada pública para empresas
interessadas na doação de créditos de carbono, lançada pelo Ministério do Meio
Ambiente. Esse é um bom sistema para compensar emissões?
Castelo Branco - Acredito que
chamar empresas para doarem créditos seja uma ação com pouco valor, pois sugere
que o governo e a FIFA pouco fizeram para tanto. Foi uma atitude desesperada
para cumprir de qualquer jeito uma promessa. Muitos outros projetos poderiam
ter sido incentivados.
Clima e Floresta – Pelo sistema adotado,
as empresas doariam as suas Reduções Certificadas de Emissões (RCE) em troca de
ter seus nomes veiculados nos eventuais relatórios de gestão e resultados do
Projeto e publicados no Diário Oficial da União. Você poderia explicar o que
são essas RCE e como funcionam?
Castelo Branco - RCE são
reduções de emissões certificadas dentro do Protocol de Kyoto. Uma tonelada de
CO2 reduzida e certificada é o que chamamos de RCE, ou crédito de
carbono. Essas reduções podem ser obtidas por diversos projetos que utilizam
metodologias aprovadas na Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima
(UNFCCC) e são registrados nesse órgão.
Clima e Floresta – A Iniciativa Verde
trabalha com a compensação de emissões por meio de projetos de recomposição
florestal, de proteção às águas e de auxílio aos proprietários rurais para
adequação ambiental. As iniciativas da Copa do Mundo contemplaram essas áreas?
Castelo Branco - Não fomos
contemplados nas ações oficiais da Copa do Mundo. Algumas empresas nos buscaram
e acabamos realizando projetos relacionados com a Copa. Porém, oficialmente,
não fomos procurados pela organização do evento. Também não temos notícias de
outras instituições que foram convidadas a fazer essas atividades no âmbito
oficial do evento, ou seja, as iniciativas da Copa não envolveram esse tipo de
trabalho. Na realidade, pelo que vimos, projetos de recomposição florestal não
estiveram envolvidos com as atividades de compensação de emissões do evento.
Clima e Floresta – Há outras questões
relacionadas à sustentabilidade e à pegada de carbono da Copa do Mundo que
podemos destacar? Que lições ficam para eventos semelhantes, sobretudo as
Olimpíadas que acontecem no Rio de Janeiro daqui a dois anos?
Castelo Branco - A principal
lição é que precisamos incorporar de maneira significativa essas iniciativas de
compensação na gestão desses grandes eventos, dando a mesma importância que
atribuímos às obras em si, buscando mecanismos de compensação que contribuam de
maneira significativa para a realidade local e regional. E em se falando de
Brasil, nada supera, a meu ver, os projetos de restauro florestal no âmbito do
bioma da Mata Atlântica.
Fonte: Clima e Floresta n° 59
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