Existe desenvolvimento humano com
desigualdade social profunda?
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O Brasil melhorou no IDH, mas ainda está
longe de ocupar uma posição próxima à sua proeminência como sexta maior
economia do mundo.
O Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento Humano (Pnud) divulgou, no último dia 24 de julho, o relatório
sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 2014, relativo ao ano de 2013.
Aplicado pela primeira vez em 1990, o IDH mede o
nível de bem-estar mínimo da população de 187 países, por meio de três
critérios: expectativa de vida; média de anos de estudo; e renda nacional bruta
per capita. O IDH varia de 0 a 1 e, quanto mais perto do 1, melhor é o
desenvolvimento humano do país. Dessa forma, o Pnud conseguiu encontrar um
parâmetro de comparação entre as condições de vida das populações fora dos
indicadores econômicos tradicionais e, com isso, fazer com que as discussões
sobre combate à pobreza, redução das desigualdades e equilíbrio ambiental
entrassem constantemente na pauta de trabalhos dos diversos organismos da ONU e
também na agenda internacional.
Não é possível comparar os dados do início dos
anos 2000 com os atuais, porque a metodologia utilizada pelo Pnud para coleta
de dados mudou a partir de 2010. Naquele ano, foram introduzidos indicadores
complementares para aferição de desigualdades de renda, de gênero, enfim, de
disparidades entre a população.
Essa mudança foi feita porque, ao longo dos anos,
o Pnud verificou uma sensível melhora no IDH dos países, principalmente dos
mais pobres. Mas percebeu um ritmo mais lento desse crescimento a partir da
crise financeira de 2008. Então, introduziu mudanças para verificar como ficava
a desigualdade na sociedade, mesmo perante um quadro de melhoria do
desenvolvimento humano no país. Pois havia concluído, acertadamente, que a
desigualdade crônica restringe o progresso social.
Desigualdade interfere no desenvolvimento
humano
A edição de 2014 – com dados referentes a 2013 –
é o primeiro em que foi possível verificar o impacto da crise. E a conclusão do
Pnud é que os fatos de 2008 tiveram impacto direto no desenvolvimento humano.
Dos 187 países analisados, 144 tiveram um crescimento baixo no IDH, inclusive o
Brasil, e a tendência é de desaceleração em todos os países e em todos os
indicadores – expectativa de vida, educação e renda per capita. O Pnud apurou,
inclusive, que os menores aumentos no índice ocorreram nos países europeus e,
analisando cada indicador em separado, o recuo de renda também foi maior na
Europa, bem como nos países árabes e na Ásia Central (Cazaquistão, Quirguistão,
Tadjiquistão, Turcomenistão, Uzbequistão e parte do Irã, da China, do
Afeganistão, da Índia, do Paquistão e da Rússia).
Os países que mais incrementaram o IDH em
2013/2014 foram os que apresentam os mais baixos níveis de desenvolvimento
humano, como Burundi, Burkina Fasso e Afeganistão, e aqueles que mantiveram
políticas econômicas e fiscais que não sacrificam o emprego e a renda, como boa
parte da América Latina, a Alemanha e a Polônia.
Mesmo com essa desaceleração, o ranking do IDH
não sofreu profundas alterações nesta rodada. A liderança continua sendo da
Noruega, com IDH de 0,944; em segundo lugar está a Austrália, com 0,933; em
terceiro, a Suíça, com 0,917; em quarto lugar, os Países Baixos, com 0,915; e,
em quinto, os EUA, com 0,914.
Se esses índices fossem ajustados pela
desigualdade, que o Pnud mede pela distância da renda entre ricos e pobres, os
EUA despencariam 23 posições, passando a ocupar o 28º lugar. O México, que está
em 71º lugar, iria para o 84º. Já a Alemanha, que está em sexto lugar, subiria
para o quinto. E a Sérvia iria do 77º lugar para o 55º.
E o Brasil?
As políticas públicas de compensação de renda, de
recuperação do salário mínimo e de emprego utilizadas pelo país foram novamente
bastante elogiadas pelo Pnud. Mas o órgão argumentou que a desigualdade ainda é
muito grande.
O IDH do Brasil foi de 0,744, número que dá ao
país o 79º lugar entre as 187 nações avaliadas. Ajustado pela desigualdade,
nosso índice cairia para o 95º lugar. Ainda frequentaríamos o ranking dos
países de desenvolvimento humano “elevado”, mas na incômoda posição de estarmos
quase no limite de regredirmos ao “desenvolvimento médio”.
Houve uma certa polêmica colocada pelo governo a
respeito dos dados utilizados pelo Pnud para realizar o cálculo do IDH
brasileiro, os quais foram considerados muito antigos. Mas o que importa é que
todos nós sabemos que a desigualdade em nosso país ainda é enorme e precisa ser
enfrentada.
Não é à toa que um grupo de entidades, entre as
quais o Instituto Ethos, está elaborando a Agenda Brasil Sustentável. O foco
dessa agenda é, justamente, combater a desigualdade por meio da construção de
uma economia inclusiva, verde e responsável e de uma sociedade cada vez mais
democrática, com espaço institucional de participação cidadã nas decisões.
É a cidadania que precisa encontrar as respostas
para perguntas que se colocam. Estamos melhorando a qualidade de vida na
velocidade que queremos? E a desigualdade de renda? Querer um carro novo (que
está sendo subsidiado) implica atraso em outras políticas públicas mais
importantes, que atendam o coletivo, como as de saúde e educação? Quanto mais
precisamos aprofundar as mudanças estruturais, como política fiscal com juros
mais baixos, para dividir mais e melhor a riqueza que todos estamos produzindo?
* Jorge Abrahão
é diretor-presidente do Instituto Ethos.
Fonte: Instituto
Ethos
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