Geólogo propõe a adoção de cotas
de infiltração por lote para evitar enchentes em São Paulo.
Piscinão aguarda limpeza e manutenção por parte do
Governo do Estado – Piscinão, no Jardim Nova República. Foto Prefeitura de Embu
das Artes.
Para Álvaro Rodrigues dos Santos, os resultados
hidrológicos da adoção apenas da taxa de permeabilidade estão muito aquém do
que o necessário. Veja artigo na íntegra.
Enchentes: taxa de permeabilidade ou cota de
acumulação/infiltração por lote?
O momento de discussão do novo Plano Diretor
Estratégico de São Paulo estimula a reflexão sobre uma questão técnica
controversa, sobre a qual abre-se então uma convidativa oportunidade para uma
revisão consensuada entre todas as partes com ela envolvidas. Trata-se da Taxa
de Permeabilidade, ou seja, do percentual não ocupável de um lote que deva
oferecer condições de infiltração de águas de chuva.
Como se sabe, as enchentes urbanas tem sua
principal causa na incapacidade das cidades em reter as águas de chuva, o que
as faz, pela impermeabilização generalizada de sua superfície, lançar essas
águas em enormes e crescentes volumes, e em tempos progressivamente reduzidos,
sobre um sistema de drenagem que não lhes consegue dar a devida vazão. O
excesso de córregos canalizados e o intenso assoreamento por sedimentos, lixo e
entulho que atinge todo o sistema de drenagem urbana só fazem agravar o
problema.
Para se ter uma ideia da dimensão desse problema da
impermeabilização considere-se que o Coeficiente de Escoamento Superficial –
índice que mostra a relação entre o volume das águas que escoam
superficialmente sem infiltrar no terreno e o volume total de uma chuva – na
cidade de São Paulo está em torno de 80%; ou seja, 80% do volume de uma chuva
que cai na capital paulista escoa superficialmente comprometendo rapidamente
seu sistema de drenagem. Em uma floresta, ou um bosque florestado urbano,
acontece exatamente o contrário durante um temporal, o Coeficiente de
Escoamento Superficial fica em torno de 20%, ou seja, cerca de 80% do volume
das chuvas é retido pela floresta, alimentando em boa parte, por infiltração, o
lençol freático. Ou seja, as enchentes urbanas não acontecem por um eventual
excesso de chuvas, mas pela absurda compulsão com que as cidades procuram
livrar-se de suas águas pluviais o mais rápido que possam.
Pois bem, ao lado das medidas ditas estruturais,
voltadas ao aumento da capacidade de vazão da rede de drenagem, medidas de
altíssimo custo, como foi o último projeto de ampliação da calha do Rio Tietê
em São Paulo, é totalmente indispensável que se trabalhe nas medidas ditas não
estruturais, aquelas voltadas a recuperar em boa parte a capacidade da região
urbanizada em reter suas águas de chuva, ou seja, medidas que atacam as
enchentes em suas causas elementares.
Há variados dispositivos e expedientes para o
aumento da retenção das águas de chuva, como calçadas e sarjetas drenantes,
pátios e estacionamentos drenantes, valetas, trincheiras e poços drenantes,
reservatórios para acumulação de águas de chuva, multiplicação dos bosques
florestados na cidade, etc. Todos são válidos e devem ser adotados, já que será
a somatória de seus resultados que propiciará os resultados hidrológicos
esperados; porém, por sua capacidade de rápida resposta hidrológica, destaca-se
a eficiência dos reservatórios de acumulação.
Como providência de grande importância, por se
tratar de uma rara medida não estrutural de combate às enchentes, foi na última
década introduzido na legislação urbana da cidade de São Paulo o conceito da
Taxa de Permeabilidade, o que significou a obrigatoriedade de se manter um
percentual da área de um lote em condições de permitir a infiltração de águas
de chuva. A Lei Nº 13.885, de 25 de agosto de 2004, de parcelamento e uso do
solo na capital paulista, determina como Taxa de Permeabilidade em média 20% da
área total do lote, assim definindo essa taxa: é a relação entre a área
permeável, que permite a infiltração da água no solo, livre de qualquer
edificação ou pavimentação não drenante e a área do lote.
Mas, em que pese a boa intenção dessa legislação,
seus resultados hidrológicos ficam muitíssimo aquém do que seria
hidraulicamente necessário para cumprir um real significado no combate às
enchentes. Vejamos porque. Mesmo que imaginemos a hipótese ilusória de que toda
a chuva que incida sobre a parcela “permeável” de 20% da área de um lote seja
nela retida por molhamento e infiltração, esse lote continuará jogando sobre a
cidade (conceitualmente um claro impacto de vizinhança de consequências
extremamente negativas) perto de 80% das águas de chuva que recebe, desta
maneira pouco ou nada colaborando para o rebaixamento do Coeficiente de
Escoamento Superficial urbano, hoje, como já foi dito, perto de 80%. E há que
se considerar as diferentes permeabilidades naturais dos solos da cidade, os
diferentes graus de compactação desses solos (terra batida), a existência de
lajes superiores de garagens subterrâneas a baixa profundidade, a forma como
essas áreas teoricamente permeáveis são computadas, etc., fatores todos que
implicam em consideráveis reduções do volume de água realmente retido e
infiltrado.
Muito mais eficiente no objetivo de combater as
enchentes, via o aumento da capacidade de retenção das águas de chuva no espaço
urbano, seria adotarmos cotas obrigatórias de acumulação de águas de chuva no
interior dos lotes. Esses dispositivos de acumulação imediata de águas de chuva
deverão também contar com expedientes de infiltração para que ao menos uma
parte das águas acumuladas infiltrem-se alimentando nosso já deplecionado do
lençol d’água subterrâneo urbano. Seria algo como uma reedição atualizada e
aperfeiçoada dos objetivos de fundo da famosa lei das “piscininhas” – Lei n.º
13.276, de 4 de janeiro de 2002, com que a capital paulista pretendeu legislar
sobre a questão, não obtendo, no entanto, sucesso em sua aplicabilidade.
Buscando a máxima simplicidade para seu fácil
entendimento e aplicabilidade, a nova proposta constituiria na determinação de
que todos os lotes, já ocupados ou não, maiores que 300m² fossem obrigados a
implantar dispositivos de acumulação/infiltração na proporção de 2 m³ para cada
100m² do terreno total. Em termos hidrológicos isso significaria que um lote
maior que 300m² estaria em condições de acumular durante o momento crítico de
um episódio pluviométrico de 20mm/hora, intensidade pluviométrica que começa a
ser crítica para a ocorrência de enchentes urbanas, 100% do volume total das
chuvas que recebe. Para um episódio de 30mm/hora estaria acumulando 66,5% desse
volume. Lotes menores que 300m² estariam obrigados a instalar dispositivos de
acumulação/infiltração na proporção de 1m³/100m².
Considerando que em uma região de urbanização
consolidada a área ocupada por lotes corresponde a cerca de 50% ou mais da área
total urbanizada, depreende-se o alcance hidrológico de tal operação e seu
significado na redução do atual altíssimo Coeficiente de Escoamento Superficial
urbano.
Note-se, pela importância, que diferentemente dos
problemáticos “piscinões”, que por interceptarem córregos acumulam água de alto
grau de contaminação, o que os transforma em verdadeiras ameaças sanitárias e
ambientais, os reservatórios por lote acumularão águas relativamente limpas, o
que proporcionará a oportunidade de seu uso para serviços internos de irrigação
e limpeza geral, trazendo benefícios paralelos enormes para economias no uso da
água tratada e servida.
Importante ter em conta que esses dispositivos de
acumulação são de baixo custo e de facílima instalação, devendo a Prefeitura
Municipal orientar os usuários com projetos básicos de vários modelos e
diretrizes para sua instalação, manutenção e operação. A nova legislação
deverá, por óbvio, estabelecer uma tolerância de alguns anos para que os lotes
já construídos se adequem às novas regras, assim como deverão ser propiciados
incentivos e o apoio técnico necessário que se façam pertinentes.
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos
(santosalvaro@uol.com.br)
- Ex-Diretor
de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia;
- Autor
dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A
Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão” e
“Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”;
- Consultor
em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente;
- Colaborador
e Articulista do Portal EcoDebate.
Fonte: PINIWeb
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