Debate sobre meio ambiente deve
ser politizado, defendem movimentos sociais.
Mais de 140 representantes de diferentes grupos de
todo o país discutem desigualdade e racismo em encontro da Rede Brasileira de
Justiça Ambiental
Por Daniel Santini*, do Repórter Brasil
Enviado especial a Belo Horizonte (MG) – Na porta do auditório onde
estão os mais de 140 participantes do VI Encontro Nacional da Rede
Brasileira de Justiça Ambiental, Paulo Roberto Martins, da Renanosoma,
conversa com Pedro Raposo da Silva, do Conselho Indígena de Roraima. O primeiro é um
pesquisador de São Paulo especializado em nanotecnologia, crítico à forma
como essa tecnologia está sendo implementada no Brasil. O segundo é integrante
do movimento indígena de Roraima, um dos mais ativos do país na mobilização contra
a ofensiva aberta pelo Congresso Nacional contra direitos indígenas, considerada a pior dos últimos 25 anos.
A conversa compenetrada dos dois resume a
diversidade que marcou a reunião nacional da rede formada em 2001. Estiveram
presentes de integrantes do Movimento Xingu Vivo para Sempre, de resistência
à construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, aos do Observatório dos Conflitos do Extremos Sul do Brasil,
que faz monitoramento de impactos ambientais na outra ponta do país. Gente que
vive em assentamentos, missionários cambonianos, quilombolas, integrantes do
movimento negro e LGBT.
Pescadores de diferentes colônias a gerazeiros, aqueles
que vivem no sertão de Minas Gerais. Representantes de lutas tão diversas como Articulação
Nacional de Agroecologia, Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia e Campanha
Permanente contra Agrotóxicos. Isso só para citar aleatoriamente
alguns dos grupos representados pelas dezenas de participantes.
O encontro durou três dias, nos quais foram
discutidos da história da rede à conjuntura atual do país na área
socioambiental. Em pauta, temas que nem sempre ganham destaque, como o próprio
conceito que dá nome à rede: justiça ambiental. A articulação questiona o
modelo de desenvolvimento vigente, que reforça a desigualdade ambiental. A
ideia central é que a poluição e os impactos das mudanças climáticas não
atingem a todos de maneira democrática e uniforme, como fazem crer campanhas ambientais
que despolitizam o debate, como as de redução do uso de sacolinhas
plásticas ou de economia de água e luz.
A ideia central é que a poluição e os impactos das mudanças climáticas não atingem a todos de maneira democrática e uniforme, e que alguns grupos sociais são submetidos a riscos e incertezas maiores de maneira imposta e violenta.
A rede aponta que alguns grupos sociais são
submetidos a riscos e incertezas maiores de maneira imposta e violenta em
processos que costumam ser marcados pela perda de territórios e de acesso a
recursos naturais. Marginalizados, ignorados e perseguidos, tais grupos
expostos à contaminação são vítimas do que a rede chama de racismo ambiental.
Politização do debate
Julianna Malerba, coordenadora do Núcleo Justiça
Ambiental e Direitos da Fase, uma das organizações responsáveis pela
realização do encontro, explica que não se trata de ser contra práticas
individuais como redução de consumo de energia ou do desperdício de
recursos, mas sim de ir além e fazer uma leitura política da
preservação do meio ambiente, dando visibilidade às desigualdades
ambientais e reconhecendo os atingidos ambientais não como vítimas, mas como
sujeitos e protagonistas de mudanças.
Dentro dessa lógica, o próprio debate sobre
problemas bastante atuais ganha novas dimensões. Assim, por exemplo, na
discussão sobre geração de energia, sobraram críticas não apenas
aos megaprojetos de hidrelétricas na Amazônia, à extração de
petróleo em águas profundas do Pré-Sal e aos projetos
de termoéletricas, energia nuclear e extração de gás de xisto (frackting),
mas também às alternativas apresentadas como mais “sustentáveis”, como as
usinas eólicas, que também têm gerado graves impactos sociais e ambientais
no interior do Nordeste. “A questão não é qual a melhor energia, mas para quem
ela é gerada? Para quê?”, explica Juliana.
No questionamento sobre o uso e destinação da energia e não somente sobre as fontes de geração, ganha destaque a crítica às plantas industriais que dependem de alto consumo, muitas delas voltadas para beneficiamento básico de produtos primários para a exportação, como a indústria do alumínio. Foram feitas durante o encontro denúncias de impactos ambientais provocados por novos complexos industriais nas áreas de mineração e siderurgia, e obras de infraestruturas a eles relacionados, como minerodutos, rodovias e portos.
No questionamento sobre o uso e destinação da energia e não somente sobre as fontes de geração, ganha destaque a crítica às plantas industriais que dependem de alto consumo, muitas delas voltadas para beneficiamento básico de produtos primários para a exportação, como a indústria do alumínio.
O uso (e desperdício) de água e energia em
megaprojetos de agricultura industrial e mineração também foi questionado, bem
como as mudanças legislativas em curso que devem beneficiar novos
projetos, tal como a perspectiva de aprovação do novo Marco Regulatório da Mineração.
Foram
denunciados diferentes casos de contaminação de água, ar e solo pela aplicação
de veneno, rejeitos de mineração e emissões de poluição industrial, com
destaque para impactos em comunidades que dependem do meio ambiente para
sobreviver, tais como pescadores e pequenos agricultores.
Sobre mineração, os movimentos de Minas Gerais,
estado que sediou o encontro, criticaram a maneira como o Núcleo de Resolução
de Conflitos Ambientais (Nucam) do Ministério Público Estadual tem
mediado conflitos ambientais envolvendo comunidades e áreas
afetadas por novos projetos no Estado.
O principal argumento dos grupos é
que, ao iniciar negociações, o órgão abre a possibilidade de garantias
constitucionais serem suprimidas - direitos não devem e nem
podem ser negociados, ressaltam.
Em meio ao encontro, também foi lançado o livro
“Formas de Matar, de morrer e de resistir – limites da resolução negociada de
conflitos ambientais”, organizado e escrito por diversos pesquisadores,
incluindo membros da rede, e publicado pela Editora UFMG, bem como uma
atualização do mapa de conflitos ambientais em Minas Gerais, que
passou a adotar uma versão wiki aberta à contribuições. Também foram feitas
críticas à condução de estudos de impacto e de audiências públicas sem
real participação da população, tidas como formas de legitimar novos
empreendimentos.
“Desburocratização” de licenças e economia verde
Os processos de flexibilização da legislação
ambiental, a exemplo do que aconteceu na alteração do Código Florestal, e a
maneira como eles têm sido defendidos e apresentados, com uso de termos como
“desburocratização”, “aceleração” ou “simplificação”, também foram criticados.
As entidades apresentaram diferentes casos de fragilização da legislação
ambiental ocorridos nas últimas décadas e falaram em desmonte de
mecanismos de controle social e participação relacionados ao meio ambiente,
citando ainda o enfraquecimento de órgãos de fiscalização como Ibama e
Anvisa, com a redução de orçamentos e corpo técnico.
A rede critica a maneira como tais temas têm sido conduzidos, tanto pelo governo federal quanto por parte dos partidos de oposição. Os integrantes da articulação reclamam que, durante as discussões públicas, as medidas de despolitização do debate são constantes, com a criminalização dos movimentos sociais e a desqualificação de atores. Perseguições, violências, espionagem e assassinato de atingidos ambientais foram lembradas.
Sobraram questionamentos também à chamada “economia verde”, em que recursos naturais, florestas, sementes, água e ar são entendidos e tratados como mercadorias comerciáveis, como uso de mecanismos financeiros tais como o emprego de créditos de carbono.
Sobraram questionamentos também à chamada “economia
verde”, em que recursos naturais, florestas, sementes, água e ar são entendidos
e tratados como mercadorias comerciáveis, como uso de mecanismos financeiros
tais como o emprego de créditos de carbono (leia mais a respeito na
publicação O Lado B da Economia Verde, lançada pela Repórter
Brasil durante a Rio+20). Em contraposição ao desenvolvimento de
sementes transgênicas patenteadas e ao incentivo à monocultura na produção
agrícola industrial intensiva, as organizações defenderam práticas de
agroecologia e agricultura familiar.
A participação das empresas na produção de
conhecimento científico e seu envolvimento crescente com universidades,
financiando projetos e pesquisas, também é vista com preocupação, bem como o
fato de conhecimentos tradicionais serem desqualificados, uma vertente do assim
chamado racismo ambiental.
O foco principal do grupo é a relação entre justiça
social e ambiental, e, nesse sentido, a preocupação é em garantir os direitos
de comunidades e povos que habitam áreas conservadas.
A implementação de Unidades de Conservação é criticada, por exemplo,
quando feita sem consulta ou consideração com tais pessoas que vivem em
comunhão com a natureza no entorno de áreas intactas ou dependem
delas.
Os movimentos urbanos lembraram que, nas cidades,
os processos de gentrificação, com encarecimento do custo de
vida, leva a deslocamento dos moradores pobres para áreas sujeitas a riscos
ambientais e ecologicamente sensíveis. Destaque para o fato de tais populações
deslocadas muitas vezes acabarem em áreas de risco, mais sujeitas a impactos
ambientais como enchentes e desmoronamentos.
Em contraposição ao que chamam
de “des-envolvimento”, os integrantes da rede defendem o envolvimento e
participação dos atingidos ambientais.
* O repórter viajou a convite da organização do
evento
Fonte: Repórter Brasil
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