20 anos de transgênicos: há o que
comemorar? por Flávia Londres.
Transgênicos, 20 anos de avanços e
polêmicas
Por Bettina Barros (Valor Econômico – 16/06/2014).
Vinte anos após a aprovação do primeiro alimento
geneticamente modificado do mundo – um tomate com maior durabilidade criado na
Califórnia -, o mercado de transgênicos atinge a maturidade com números
expressivos, ainda que cercado de polêmicas. A cada 100 hectares plantados com
soja hoje no planeta, 80 já são de sementes com os genes alterados. No caso do
milho, são 30 para cada 100, o que significa que a chance de encontrar essas
matérias-primas na dieta alimentar humana e animal cresceu substancialmente.
ANÁLISE
ANÁLISE
Por Flávia Londres – engenheira agronôma e
assessora da Articulação Nacional de Agroecologia.
O jornal Valor Econômico publicou em 16 de junho
duas matérias que, em síntese, comemoram os 20 anos da aprovação do primeiro
alimento transgênico no mundo. Muitos dados são apresentados sem a citação de
fontes de informação, assim como afirmações a respeito de supostos benefícios
dos sistemas de produção baseados no uso de sementes transgênicas e até mesmo
de vantagens para os consumidores são apresentadas de forma igualmente carente
de embasamento. Alguns especialistas no assunto são citados – curiosamente,
somente foram ouvidos representantes de empresas de biotecnologia e
pesquisadores conhecidos pela defesa incondicional dos produtos geneticamente
modificados.
Diante de tamanha parcialidade no tratamento do
tema, consideramos relevante apresentar aqui algumas informações no sentido de
fomentar a discussão e possibilitar uma análise mais equilibrada sobre a
questão.
Para começar, faz-se importante relativizar a
ideia de que as lavouras transgênicas estão absolutamente generalizadas na
agricultura mundial. Se por um lado é fato que o crescimento da utilização de
sementes modificadas nos últimos anos foi vertiginoso, por outro é importante
deixar claro que esses cultivos estão fortemente concentrados em apenas 3
países (EUA, Brasil e Argentina), que dominam 76% da produção mundial . Em toda a Europa, por exemplo, a
área plantada com transgênicos é irrisória, sendo que vários países proíbem esses
cultivos . Vale também observar que os números divulgados a respeito da
adoção dessa tecnologia são sistematizados por organizações patrocinadas pelas
indústrias, havendo fortes evidências de que, em muitos casos, são inflados. Os
dados do Brasil divulgados pelo Ministério da Agricultura, por exemplo, são em
geral oriundos de consultorias do agronegócio contratadas pelas grandes
empresas.
Ainda a esse respeito, destaca-se também que o
cultivo comercial de transgênicos em larga escala está restrito a quatro
espécies, que configuram grandes commodities de exportação (soja, milho,
algodão e canola). E essas plantas foram modificadas para a incorporação de
duas características apenas: a tolerância à aplicação de herbicidas (aplica-se
o veneno sobre a lavoura, eliminando-se o mato sem afetar a plantação) e a
toxicidade a insetos (as plantas produzem seu próprio agrotóxico, matando as
lagartas que delas se alimentam). Há também as plantas que acumulam essas duas
características. Nas chamadas plantas “piramidadas”, referidas como “o futuro
da biotecnologia”, são sobrepostas modificações genéticas que conferem
mecanismos diferentes (porém parecidos) para introduzir nas plantas aquelas
mesmas duas características.
Uma das matérias do Valor afirma que os
produtores rurais atribuem a massiva adoção das novas sementes aos benefícios
da tecnologia, citando especificamente que “a redução das aplicações de
inseticidas recuaram 90% até 2010”, bem como uma suposta queda no uso de
herbicidas. Nenhuma fonte é apresentada para embasar esses dados.
No caso brasileiro, segundo levantamento
realizado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o uso do
herbicida glifosato (utilizado em associação com as lavouras de soja e milho
transgênicas desenvolvidas para tolerar aplicações do produto) saltou de 57,6
mil para 300 mil toneladas entre 2003 e 2009 , período em essas lavouras se expandiram
pelo país. Segundo levantamento da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento /
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), em Primavera do Leste
(MT), por exemplo, o número de aplicações de herbicidas na soja transgênica
dobrou em seis anos devido ao desenvolvimento de resistência do mato aos
herbicidas . Nos EUA, sistematização realizada partir de dados do Departamento
de Agricultura do governo (USDA, na sigla em inglês) mostra que a tecnologia de
resistência a herbicidas levou a um aumento de 239 milhões de kg no uso de
herbicidas no país entre 1996 e 2011 .
No caso das plantas transgênicas tóxicas a
insetos, os números mostram uma redução inicial nas aplicações de inseticidas,
mas que tende a se reduzir significativamente ao longo de alguns anos – pois
assim como o mato desenvolve resistência aos herbicidas, as lagartas também
desenvolvem resistência às plantas inseticidas. Mais que isso, essas plantas
têm sido associadas ao surgimento de novas pragas (insetos que antes não
representavam ameaça às lavouras). Recentemente, o Congresso Nacional aprovou
uma lei flexibilizando a legislação de agrotóxicos para
autorizar a utilização de produtos não registrados no país. A mudança foi
instalada de modo a permitir a importação e a utilização do benzoato de emamectina
para o combate à lagarta Helicoverpa armigera, cujo aumento populacional tem
sido relacionado (até mesmo pelo
Ministério da Agricultura ) à expansão das lavouras transgênicas
inseticidas.
Associado ao alto preço das sementes transgênicas
(que envolvem inclusive o pagamento de royalties às empresas sementeiras), o
aumento no uso de agrotóxicos tem levado ao aumento dos custos de produção.
Dados da Conab mostram por exemplo que, em três polos de produção no estado do
Mato Grosso, a receita obtida em R$/saca foi maior para os sistemas
convencionais do que para os sistemas transgênicos. Em Primavera do Leste, a
diferença foi de 53 para 48 R$/saca, em Sorriso, de 48 para 44 R$/saca e de 48
para 43 R$/saca em Campo Novo dos Parecis .
Esses números colocam em xeque a afirmação de que
a massiva expansão dessas lavouras no país decorre da percepção das vantagens
da tecnologia pelos produtores.
É preciso lembrar que existe atualmente um forte
oligopólio que domina o mercado de sementes no país (e no mundo), e que a
oferta de variedades convencionais é cada vez menor. São recorrentes os relatos
de agricultores que gostariam de voltar a utilizar sementes convencionais de
soja e/ou milho, mas não as encontram para comprar. Tudo indica, assim, que o
plantio de sementes transgênicas está em grande parte associado à falta de
opção por parte dos agricultores.
Gerente de comunicação da DuPont citado pelo
Valor associa em sua declaração os alimentos transgênicos a características
como maior produtividade e maior valor nutricional. Como já exposto
anteriormente, os transgênicos presentes no mercado não apresentam essas
qualidades. Afirmações desse tipo buscam, entre outros objetivos, conquistar a
simpatia de consumidores – consumidores esses que, em todo o mundo, reivindicam
o direito à informação sobre a origem transgênica nos rótulos dos alimentos.
O lobby contra a rotulagem articulado pela
indústria é fortíssimo. Nos EUA até hoje não se conseguiu aprovar a rotulagem
obrigatória de alimentos transgênicos . No Brasil a rotulagem é exigida desde
2003 pelo Decreto
4.680 , mas são recorrentes as tentativas da bancada ruralista no Congresso
Nacional de derrubar a
normativa .
Fonte citada pelo valor alega a existência de uma
“contaminação do debate político”, sugerindo que a crítica à tecnologia seria
motivada por razões ideológicas, e reclama de “atrasos nas aprovações de
tecnologias” em função da demanda por testes de segurança. Trata-se da
insistente e cruel tentativa de inversão de papéis: especialistas em
biotecnologia valem-se de sua autoridade científica para fazer afirmações (não
embasadas em dados científicos) acerca da segurança desses produtos e sustentar
a rejeição à realização de pesquisas independentes e aprofundadas de análise de
riscos, enquanto aqueles que denunciam a falta de rigor nos processos de
liberação de transgênicos são acusados de ideológicos.
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