Falta de saneamento básico e os
prejuízos econômicos, ambientais e sociais. Entrevista com Rafael Volquid.
“Com mais investimento em saneamento básico,
poupa-se investimento em correções do meio ambiente e o próprio tratamento da
água fica mais barato”, adverte o diretor técnico da Fepam.
Foto: osmidia.wordpress.com
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Quando se trata de avaliar a evolução dos
investimentos em saneamento básico no Brasil, é preciso considerar que
as obras que demandam mais recursos financeiros foram “colocadas em segunda
ordem de prioridade devido a diversos fatores, inclusive políticos, porque são
obras que não atraem a atenção da população para fins de eleição”, pontua Rafael
Volquid, em entrevista concedida à IHU On-Line, por telefone.
Segundo ele, as políticas de saneamento básico no país tiveram como prioridade “garantir
uma água saudável para a população”, e isso pode ser comprovado pelos
“índices tão bons de abastecimento de água”, já que “praticamente todas as
zonas urbanas têm abastecimento de água de fontes confiáveis”.
Os maiores déficits, contudo, são em relação ao
tratamento de esgoto, à coleta de resíduos sólidos e à capacidade de drenagem
da água acumulada em dias de chuvas intensas. “O investimento em esgoto é
sensivelmente maior que o investimento necessário para garantir a qualidade da
água: é preciso uma tubulação especial, as estações de tratamento são mais
complexas para poder tratar o esgoto atendendo aos padrões estabelecidos pela
legislação, etc. Estamos falando de milhões de reais para poder dobrar a
capacidade de tratamento de esgoto do estado”, diz o diretor técnico da Fepam.
Segundo ele, no Rio Grande do Sul, os níveis de coleta e tratamento de
esgoto “são da ordem de 15%. Ou seja, 15% da população tem seu esgoto coletado
e encaminhado para alguma estação de tratamento de esgoto. Se formos ver o
quanto dos poluentes desses esgotos são removidos, esses números baixam
facilmente para algo em torno de 5%”. Nesse aspecto, frisa, “o estado está
muito atrás da situação do Brasil, principalmente quando comparamos, por
exemplo, cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia,
que têm mais dinheiro e condições de investir nas grandes zonas urbanas”.
Com a instituição do Plano Nacional de
Saneamento Básico, municípios de todo o país estão elaborando seus planos
de saneamento com o objetivo de universalizar o “acesso, para a maior parte da
população, a condições mínimas de saneamento básico”. A expectativa em relação
à condução dos planos, contudo, “vai depender da capacidade de investimento dos
municípios e da capacidade administrativa de fazer esses empreendimentos entrar
em operação de forma adequada”, pontua.
Confira a entrevista.
Foto: www.ebc.com.br
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IHU On-Line – Qual é o déficit em Saneamento Básico
no Rio Grande do Sul? Entre as atividades que competem ao saneamento básico,
quais enfrentam situações mais críticas?
Rafael Volquid – Os maiores déficits de saneamento básico são,
tradicionalmente, em relação ao esgotamento sanitário e aos resíduos
sólidos urbanos. No que se refere ao esgotamento sanitário, as obras são caras
para serem implantadas e acabam sempre sendo postergadas, sendo colocadas em
segunda ordem de prioridade devido a diversos fatores, inclusive políticos,
porque são obras que não atraem a atenção da população para fins de eleição.
Nós sempre usamos o exemplo de que o asfaltamento de uma via ou o acesso à água
são muito mais interessantes do que o tratamento de esgoto, no sentido de
conseguir votos para eleições. Em relação ao esgotamento, em geral o pessoal
sabe que dando a descarga os dejetos vão embora, mas não há uma preocupação em
saber para onde estão indo esses dejetos, e o problema passa a ser transferido
para a natureza ou para o município.
Os níveis de coleta e tratamento de esgoto, no Rio
Grande do Sul, são da ordem de 15%. Ou seja, 15% da população tem seu
esgoto coletado e encaminhado para alguma estação de tratamento de esgoto.
Se formos ver o quanto dos poluentes desses esgotos são removidos, esses
números baixam facilmente para algo em torno de 5%. Então, a parte de esgoto
sanitário é a pior de todas. Em termos de resíduos sólidos urbanos, a coleta na
zona urbana já é tradição no Rio Grande do Sul no sentido de ser bem
conduzida, então praticamente todas as zonas urbanas dos municípios são atendidas
por coletas de resíduos.
Já a destinação desses resíduos é outra história,
embora, no Rio Grande do Sul, existam somente quatro municípios operando
lixões, enquanto todos os demais ou têm um aterro sanitário próprio em
condições de funcionamento ou mandam os resíduos para alguma central de
recebimento. A qualidade da água já está em níveis bem aceitáveis,
sempre acima de 95, 98%, com a utopia de chegar a 100%, que é o ideal. No que
se refere à drenagem, há uma carência de infraestrutura. Não temos índices em
relação a isso, mas sabemos que as grandes cidades sofrem muito com inundações
e cheias. Então, dentro dos quatro grandes componentes do saneamento básico,
temos esse panorama instituído no Rio Grande do Sul, o qual não difere
muito da situação geral do Brasil.
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“No Rio Grande do Sul e no país de modo geral, a
questão de recursos financeiros sempre foi crítica”
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IHU On-Line – Quais são os quatro municípios que
ainda têm lixões? Em relação a essa questão, a aplicação da Política Nacional
de Resíduos Sólidos, no Rio Grande do Sul, foi efetiva?
Rafael Volquid – Não tenho a informação de quais são os municípios,
mas em questão de quatro, cinco anos, 18 municípios gaúchos ainda tinham
lixões, e nos últimos dez anos havia praticamente uma centena deles. Nos
últimos anos, tem sido desenvolvido um trabalho pela Fundação Estadual de
Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler – Fepam, em parceria com o Ministério
Público Estadual, para conseguir fechar os lixões e fazer com que eles
passassem a enviar seus resíduos para as centrais de recebimento ou fizessem
aterros próprios e pudessem operar em condições satisfatórias. Com isso, na
parte de resíduo urbano, a Política Nacional de Resíduos Sólidos veio
somar, mas não foi tão significativa porque as diretrizes já estavam sendo
dadas pelo órgão ambiental.
IHU On-Line – A questão financeira é o principal
fator que explica a atual situação de saneamento básico no Rio Grande do Sul?
Rafael Volquid – No Rio Grande do Sul e no país de modo
geral, a questão de recursos financeiros sempre foi crítica. Se formos avaliar
a questão da evolução do saneamento básico, a primeira preocupação sempre foi
garantir uma água saudável para a população, por isso temos índices tão
bons em abastecimento de água e praticamente todas as zonas urbanas têm
abastecimento de água de fontes confiáveis. Ainda existem alguns casos de
abastecimentos de poços, mas cada vez mais há um número muito reduzido de poços
individuais no pátio do terreno. Com o tempo, consolidada a questão da água,
começou a se olhar para o esgoto. Então, são passos que ainda estão sendo
dados; é uma longa caminhada a ser feita. O investimento em esgoto é
sensivelmente maior que o investimento necessário para garantir a qualidade da
água: é preciso uma tubulação especial, as estações de tratamento são mais
complexas para poder tratar o esgoto atendendo aos padrões estabelecidos pela
legislação, etc. Estamos falando de milhões de reais para poder dobrar a
capacidade de tratamento de esgoto do estado, são valores muito altos que terão
de ser aplicados, mas pelo menos já há uma conscientização de todos os setores
da sociedade, principalmente das administrações municipais e estadual. Cada vez
mais as pessoas estão ficando conscientes da importância do saneamento para a
própria saúde, como também para o ambiente. Com mais investimento em saneamento
básico, poupa-se investimento em correções do meio ambiente e o próprio
tratamento da água fica mais barato.
IHU On-Line – É possível estabelecer uma relação
entre a condição do saneamento básico do estado com a de outros estados do
país?
Rafael Volquid – Com a média nacional, conseguimos comprovar que o Rio
Grande do Sul, com exceção da parte de tratamento de esgoto, está muito bem
colocado. Em relação à água, praticamente toda a população tem acesso; a coleta
de resíduos sólidos é feita para quase toda a população, acima de 90%
seguramente; em relação à drenagem urbana, as grandes cidades têm seus
problemas, mas isso é muito inerente à falta de infraestrutura ou à invasão de
espaços naturais que não deviam ter ocorrido, como a ocupação de áreas de rios,
ocupação de áreas de baixada sem a infraestrutura adequada. Em relação ao
esgoto, o estado está muito atrás da situação do Brasil, principalmente
quando comparamos, por exemplo, cidades como São Paulo, Rio de
Janeiro, Bahia, que têm mais dinheiro e condições de investir nas
grandes zonas urbanas.
IHU On-Line – Quais são as regiões do estado em que
as condições de saneamento básico são mais precárias?
Rafael Volquid – Avaliando do ponto de vista ambiental, a questão
mais urgente é a das bacias hidrográficas do Rio do Sinos e do Rio
Gravataí e depois a das bacias mais próximas dessas, como a do Caí e
a do Taquari-Antas, que acompanhamos no dia a dia. Esses são rios que
têm muita poluição, e grande parte dela é oriunda da falta de esgoto sanitário
e do esgoto sem tratamento que é lançado no rio.
Esses rios são os que mais têm
apresentado problemas de balneabilidade e problemas da classe da água, que é a
classificação que se faz conforme a resolução do Conselho Nacional de Meio
Ambiente. Ou seja, a água desses rios já está na pior categoria. Mas,
felizmente, nas bacias do Rio do Sinos e do Rio Gravataí os
planos de bacia já foram estabelecidos: o plano do Rio do Sinos está
para ser lançado nos próximos dias, onde teremos o trabalho de fazer a
progressão da melhoria da qualidade das águas.
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“A falta de saneamento também
traz prejuízo econômico por conta da falta de drenagem urbana”
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IHU On-Line – Quais são as implicações ambientais
da falta de saneamento no estado? Pode nos dar alguns exemplos?
Rafael Volquid – A questão do esgoto está ligada diretamente aos
rios, então, ambientalmente, a falta de tratamento promove mortandade dos
peixes, causa dificuldade de balneabilidade, pois quanto mais contaminada for
essa água, mais arriscado e prejudicial à saúde se torna o banho. Há também um
problema econômico, porque essa água continua sendo utilizada como insumo e
fica cada vez mais cara de ser tratada.
Então, encarecem o tratamento, a produção
industrial, a produção agrícola e também a distribuição de água para a
população.
A falta de saneamento também traz prejuízo
econômico por conta da falta de drenagem urbana. Basta ver os casos das cheias
constantes, que geram perdas de patrimônios, de vidas humanas, e a própria água
das cheias é um vetor de doenças. Em relação aos resíduos sólidos urbanos,
normalmente por causa dos lixões, acontece contaminação do solo e do
lençol freático, então a água que está em torno desses lixões acaba sendo
contaminada.
IHU On-Line – É possível estimar os investimentos
feitos em saneamento básico no RS nos últimos anos? Qual tem sido a política do
RS em saneamento básico?
Rafael Volquid – A Corsan está fazendo duas grandes estações
nas regiões metropolitanas, uma na bacia de Gravataí e outra na bacia do
Rio do Sinos. A bacia do Gravataí vai atender a região de
Alvorada e Viamão, e a do Sinos, os municípios de Esteio
e Sapucaia. São duas estações que vão funcionar integradamente para dois
municípios. O Departamento de Água e Esgoto – Demae de Porto Alegre
recentemente inaugurou a estação de tratamento de esgoto da Serraria,
componente do Programa Integrado Socioambiental, que tem capacidade
instalada para tratar metade da população da capital. Esses são os grandes
investimentos públicos. No setor privado, há grandes centrais de recebimento de
resíduos sólidos que oferecem serviço para os municípios.
IHU On-Line – Como o Plano Nacional de Saneamento
Básico será implementado no RS? Quantos municípios já têm seus Planos
Municipais de Saneamento?
Rafael Volquid - O primeiro passo é justamente esse, que cada
município faça seu plano. Agora eles receberam uma prorrogação de prazo para
apresentar os seus planos diretores e consequentemente o Plano Nacional de
Saneamento. Não temos estimativas de quantos municípios já fizeram seus
planos. Esse plano deve ser aprovado pelos próprios municípios e a partir daí
eles devem ser implantados. A legislação do saneamento básico tem seu lado bom
e seu lado ruim. O bom é que não condiciona o munícipio a fazer obras
imediatas, mas a fazer a implantação dessas obras à medida que se tenham
condições financeiras e administrativas para tal. Então, por um lado é bom,
porque o município não vai fazer nenhum elefante branco, vai fazer as obras
conforme tiver condições realmente de implementá-las e operá-las; por outro
lado, podemos ter cronogramas muito longos, prazos muito estendidos para fazer
implantações do sistema.
A maior parte do dinheiro que financiará os planos
será oriunda do governo federal, do PAC e de bancos federais, como o BNDES
e a Caixa Federal. O estado do Rio Grande do Sul tem seus
investimentos em cima da Corsan, para os mais de 300 municípios que ela
atende.
IHU On-Line – Quais são as metas e as expectativas
em relação à implementação do Plano Nacional no RS?
Rafael Volquid – A meta é conseguir a universalização do saneamento
básico, ou seja, dar acesso, para a maior parte da população, a condições
mínimas de saneamento básico. A meta nacional do plano trabalha nessa linha com
o objetivo de oferecer praticamente 100% de abastecimento de água, mais de 90%
de esgotamento sanitário, próximo de 100% de coleta de resíduos, e zerar
a quantidade de municípios que tenham problemas de inundação. A expectativa em
relação a isso vai depender da capacidade de investimento dos municípios e da
capacidade administrativa de fazer esses empreendimentos entrar em operação de
forma adequada. Quem não tiver o plano diretor e o Plano de Saneamento
não poderá concorrer a verbas públicas federais, então há um incentivo muito
forte para que os municípios façam o quanto antes os seus planos. Tendo o plano
na mão, já é meio caminho andado para fazer o projeto final e a implantação na
obra para poder brigar por algum financiamento e fazer as obras.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Rafael Volquid – Devemos trabalhar, associado ao Plano Nacional
de Saneamento, a questão da educação ambiental. Não a educação ambiental de
proteger as águas, os animais, cuidar de flora e fauna, mas a questão da
educação ambiental de saber utilizar esses equipamentos de saneamento que nós
dispomos ou que vamos dispor: como tem de ser tratado, que resíduo pode ser
conduzido ao aterro sanitário e qual pode ser reciclado, como deve ser
utilizado corretamente o vaso sanitário. Muitas pessoas colocam diversos tipos
de dejetos, resíduos sólidos no vaso, os quais não podem ser colocados ali e
acabam prejudicando e encarecendo o tratamento. Então, é muito importante que
se tenha um trabalho de educação associado à implantação desses equipamentos,
para que a população saiba melhor utilizar e melhor ter proveito nesse tipo de
ação que está sendo tomada pelo governo.
Fonte: IHU On-line
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