segunda-feira, 23 de junho de 2014

Pesquisador da Unicamp desenvolve nanomateriais que realizam fotossíntese artificial.
Docente desenvolve nanomateriais que realizam fotossíntese artificial com o objetivo de transformar água e luz solar em fonte de energia
  • Texto:
MANUEL ALVES FILHO
  • Fotos:
Antonio Scarpinetti
  • Edição de Imagens:
Diana Melo
Primeiro, compreender a natureza. Depois, tentar imitá-la. Adotado pelos cientistas há centenas de anos, esse princípio tem sido responsável por algumas das mais significativas descobertas da ciência ao longo da história. O preceito também serviu de inspiração ao professor Jackson Dirceu Megiatto Júnior, do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, que obteve importantes avanços na sua desafiadora proposta de transformar água e luz solar em fonte de energia. Baseado na capacidade das plantas de realizar fotossíntese, o docente desenvolveu nanomateriais com propriedades similares. “Converter água e luz solar em fonte de combustível é algo que a natureza faz rotineiramente através da fotossíntese. O que estamos tentando fazer é reproduzir artificialmente esse processo em nossos laboratórios”, explica.

Megiatto começou a se envolver com o tema da fotossíntese artificial logo após o seu doutorado, feito na Universidade de São Paulo (USP). Na época, ele ficou intrigado com a possibilidade de transformar água e luz em energia. A ideia fisgou o jovem cientista de tal maneira que ele passou a buscar dados que pudessem orientá-lo sobre que caminho seguir com uma pesquisa na área. A natureza, claro, foi uma das suas “fontes de inspiração e informação”. “Comecei a estudar profundamente o processo de transformação de água em carboidratos (fonte de combustível) realizado pelas plantas diariamente há bilhões de anos na Terra. Então, passei a me questionar se a Química seria capaz de sintetizar materiais ou elaborar sistemas que pudessem fazer a mesma coisa”, conta.

O professor do IQ observa que a fotossíntese natural é um processo extremamente complexo, constituído por várias etapas. Algumas delas ainda não são bem compreendidas pela ciência. “O primeiro desafio, então, foi tentar entender o máximo possível sobre o processo, para em seguida tentar imitá-lo”, diz. Nessa ocasião, Megiatto teve a oportunidade de fazer dois pós-doutorados relacionados ao assunto na New York University e na Arizona State University, nos Estados Unidos. “Lá, eu trabalhei com materiais que buscavam transformar água e luz solar nos gases oxigênio e hidrogênio, sendo que o nosso interesse estava obviamente relacionado a este último gás, que é uma promissora fonte de combustível”, acrescenta.

Após cinco anos de trabalhos, afirma Megiatto, o grupo do qual fazia parte obteve avanços significativos. Logo depois, ele trouxe a experiência adquirida nos Estados Unidos para a Unicamp, onde foi aprovado no concurso para a vaga de docente no IQ. “Meu retorno ao Brasil se deu principalmente pela chance de trabalhar em uma Universidade de reconhecida excelência e também porque esse trabalho estava vinculado ao Programa de Bioenergia da Fapesp [Programa Fapesp de Pesquisa em Bioenergia - Bioen]”, detalha. Nos estudos que desenvolveu no exterior, o cientista analisou proteínas e enzimas presentes nas folhas das plantas, para saber como elas funcionam.

Uma das constatações feita por ele é que as proteínas apresentam diferentes pigmentos, sendo predominante a clorofila, de cor verde. Elas é que são responsáveis, durante a fotossíntese, pela absorção da luz solar, que por sua vez ativará as moléculas de água no interior da folha. “Quando tentamos extrair seletivamente essas moléculas de clorofila das proteínas da folha, descobrimos que elas são estáveis somente quando ligadas à sua estrutura proteica natural. Fora dela, as moléculas se degradam e param de funcionar. Ou seja, deixam de absorver a luz solar, pois precisam da proteína para cumprir essa tarefa”.

Como seria impossível, diante dos recursos oferecidos atualmente pela ciência, sintetizar essas proteínas em laboratório, o pesquisador e sua equipe recorreram à engenharia molecular em busca de uma alternativa. “O que nós fizemos inicialmente foi sintetizar moléculas muito similares às clorofilas, chamadas porfirinas, que dispensam a estrutura proteica para realizar absorção de luz sem se degradar”, relata Megiatto. A saída parecia perfeita, até que os cientistas constataram que, a despeito de serem estáveis durante o processo de absorção de luz, as porfirinas se degradavam primeiro que as moléculas de água durante o processo artificial de fotossíntese. Dito de outro modo, elas eram mais estáveis que a clorofila, mas não o suficiente para a conclusão do processo.
Os cientistas se puseram, então, à procura de uma solução para o problema. Eles precisavam encontrar um elemento que pudesse ampliar a estabilidade das porfirinas. Depois de vários testes, descobriram que o flúor, quando ligado quimicamente a essas moléculas, oferecia o resultado desejado. Entretanto, como em ciência é comum se enfrentar sucessões de dificuldades, Megiatto e seus companheiros depararam com mais um entrave, este ligado à velocidade com que ocorrem dois processos presentes na fotossíntese. O primeiro deles acontece quando as porfirinas recebem a luz solar, que é transformada em energia química no interior destas moléculas.

O segundo se dá no momento em que as porfirinas, já ativadas pela luz, reagem com as moléculas de água, fazendo com que os átomos desta última se rearranjem em hidrogênio e oxigênio. “Acontece que havia uma enorme diferença de velocidade entre estes dois processos. Ao receberem luz, as porfirinas se ativavam. Entretanto, como o processo de transferência de energia para as moléculas de água é lento, as porfirinas se desativavam antes de o processo ser concluído. O desafio foi encontrar um intermediário que tornasse estes dois processos cineticamente compatíveis”.

Nessa etapa, os pesquisadores recorreram novamente à natureza. “Na natureza, existe uma molécula que promove a ‘conversa’ entre as clorofilas e as moléculas de água, que é um aminoácido do tipo tirosina, presente na proteína das folhas. A tirosina apresenta um grupo fenólico em sua estrutura que possui uma propriedade bastante peculiar. Ele é capaz de receber rapidamente a energia proveniente das clorofilas ativadas e armazená-la pelo tempo necessário para que as moléculas de água ao seu redor sejam decompostas em hidrogênio e oxigênio. Moléculas do tipo fenol são produzidas às toneladas atualmente”, detalha o docente da Unicamp.

A partir dessa informação, os cientistas conectaram quimicamente as porfirinas a um fenol e conseguiram finalmente estabelecer uma sintonia entre os dois processos. “Obtivemos um aumento de eficiência muito significativo. Ao compararmos o processo natural ao artificial, por meio de análises técnicas corriqueiras, nós constatamos que a resposta de um é muito similar à do outro. Em outras palavras, nós conseguimos ficar muito próximos da estrutura da natureza”, assegura Megiatto. Divulgados para a comunidade científica através de artigos publicados em revistas de alto impacto, como a Nature, os resultados do estudo tiveram ampla repercussão, conforme o professor do IQ explica.

Uma das consequências dessa repercussão foi o interesse da imprensa pelo tema. “Fui procurado por diversos veículos de comunicação, para os quais dei entrevistas. Foi algo novo, mas muito interessante para mim. Nós cientistas estamos acostumados a nos comunicar com nossos pares, mas não com a comunidade leiga. Particularmente, gostei muito da experiência. Até crianças vieram me fazer perguntas sobre a pesquisa”, diverte-se Megiatto. O próximo passo do trabalho, antecipa o pesquisador, será buscar um sistema completo de produção de energia. A proposta é conectar uma célula solar construída com os nanomateriais que realizam fotossíntese artificial a uma célula combustível, que reorganiza os átomos de hidrogênio e oxigênio, gerando água novamente e energia na forma de eletricidade.

Isso já está sendo feito em colaboração com um grupo de cientistas norte-americanos na Arizona State University. “Vamos ver se essa conexão funciona bem. Mesmo que funcione, o sistema ainda não será atrativo do ponto de vista econômico. É que o processo de preparação das porfirinas é caro. Então, o maior desafio que teremos pela frente será melhorar as rotas sintéticas, de modo a baratear o custo de produção desses nanomateriais. Eu tenho convicção de que isso será possível ao longo do tempo. Essa fase eu pretendo desenvolver aqui na Unicamp, com a colaboração do grupo de pesquisa que estou formando. Já temos um projeto pré-aprovado pela Fapesp, na linha Jovem Pesquisador, cujo financiamento gira em torno de R$ 1 milhão, pelo período de quatro anos. Esses recursos serão utilizados para reformar e equipar o laboratório no qual trabalharemos”, informa.

Enquanto os recursos não são liberados, o docente do IQ tem feito contato com estudantes interessados em participar das pesquisas. Atualmente, ele já conta com dois de iniciação científica, um de mestrado e um de doutorado. Além desses, um aluno de pós-doutorado italiano também está chegando para integrar a equipe. “O interessante é que entre esses estudantes não há só químicos. Temos também um engenheiro químico e uma aluna de estatística. A união de profissionais de diferentes áreas é fundamental para o sucesso desse tipo de pesquisa. Somente a Química não daria conta de responder a todas as perguntas. A abordagem multidisciplinar é uma exigência cada vez maior para quem quer atuar na fronteira do conhecimento”, considera Megiatto.

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