Pesquisador da Unicamp desenvolve
nanomateriais que realizam fotossíntese artificial.
Docente desenvolve nanomateriais que realizam
fotossíntese artificial com o objetivo de transformar água e luz solar em fonte
de energia
- Texto:
MANUEL ALVES FILHO
- Fotos:
Antonio Scarpinetti
- Edição
de Imagens:
Diana Melo
Primeiro, compreender a natureza. Depois, tentar
imitá-la. Adotado pelos cientistas há centenas de anos, esse princípio tem sido
responsável por algumas das mais significativas descobertas da ciência ao longo
da história. O preceito também serviu de inspiração ao professor Jackson Dirceu
Megiatto Júnior, do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, que obteve
importantes avanços na sua desafiadora proposta de transformar água e luz solar
em fonte de energia. Baseado na capacidade das plantas de realizar
fotossíntese, o docente desenvolveu nanomateriais com propriedades similares.
“Converter água e luz solar em fonte de combustível é algo que a natureza faz
rotineiramente através da fotossíntese. O que estamos tentando fazer é
reproduzir artificialmente esse processo em nossos laboratórios”, explica.
Megiatto começou a se envolver com o tema da
fotossíntese artificial logo após o seu doutorado, feito na Universidade de São
Paulo (USP). Na época, ele ficou intrigado com a possibilidade de transformar
água e luz em energia. A ideia fisgou o jovem cientista de tal maneira que ele
passou a buscar dados que pudessem orientá-lo sobre que caminho seguir com uma
pesquisa na área. A natureza, claro, foi uma das suas “fontes de inspiração e
informação”. “Comecei a estudar profundamente o processo de transformação de
água em carboidratos (fonte de combustível) realizado pelas plantas diariamente
há bilhões de anos na Terra. Então, passei a me questionar se a Química seria capaz
de sintetizar materiais ou elaborar sistemas que pudessem fazer a mesma coisa”,
conta.
O professor do IQ observa que a fotossíntese
natural é um processo extremamente complexo, constituído por várias etapas.
Algumas delas ainda não são bem compreendidas pela ciência. “O primeiro
desafio, então, foi tentar entender o máximo possível sobre o processo, para em
seguida tentar imitá-lo”, diz. Nessa ocasião, Megiatto teve a oportunidade de
fazer dois pós-doutorados relacionados ao assunto na New York University e na
Arizona State University, nos Estados Unidos. “Lá, eu trabalhei com materiais
que buscavam transformar água e luz solar nos gases oxigênio e hidrogênio,
sendo que o nosso interesse estava obviamente relacionado a este último gás,
que é uma promissora fonte de combustível”, acrescenta.
Após cinco anos de trabalhos, afirma Megiatto, o
grupo do qual fazia parte obteve avanços significativos. Logo depois, ele
trouxe a experiência adquirida nos Estados Unidos para a Unicamp, onde foi
aprovado no concurso para a vaga de docente no IQ. “Meu retorno ao Brasil se
deu principalmente pela chance de trabalhar em uma Universidade de reconhecida
excelência e também porque esse trabalho estava vinculado ao Programa de
Bioenergia da Fapesp [Programa Fapesp de Pesquisa em Bioenergia - Bioen]”,
detalha. Nos estudos que desenvolveu no exterior, o cientista analisou
proteínas e enzimas presentes nas folhas das plantas, para saber como elas
funcionam.
Uma das constatações feita por ele é que as
proteínas apresentam diferentes pigmentos, sendo predominante a clorofila, de
cor verde. Elas é que são responsáveis, durante a fotossíntese, pela absorção
da luz solar, que por sua vez ativará as moléculas de água no interior da
folha. “Quando tentamos extrair seletivamente essas moléculas de clorofila das
proteínas da folha, descobrimos que elas são estáveis somente quando ligadas à
sua estrutura proteica natural. Fora dela, as moléculas se degradam e param de
funcionar. Ou seja, deixam de absorver a luz solar, pois precisam da proteína
para cumprir essa tarefa”.
Como seria impossível, diante dos recursos
oferecidos atualmente pela ciência, sintetizar essas proteínas em laboratório,
o pesquisador e sua equipe recorreram à engenharia molecular em busca de uma
alternativa. “O que nós fizemos inicialmente foi sintetizar moléculas muito
similares às clorofilas, chamadas porfirinas, que dispensam a estrutura
proteica para realizar absorção de luz sem se degradar”, relata Megiatto. A
saída parecia perfeita, até que os cientistas constataram que, a despeito de
serem estáveis durante o processo de absorção de luz, as porfirinas se
degradavam primeiro que as moléculas de água durante o processo artificial de
fotossíntese. Dito de outro modo, elas eram mais estáveis que a clorofila, mas
não o suficiente para a conclusão do processo.
Os cientistas se puseram, então, à procura de uma
solução para o problema. Eles precisavam encontrar um elemento que pudesse
ampliar a estabilidade das porfirinas. Depois de vários testes, descobriram que
o flúor, quando ligado quimicamente a essas moléculas, oferecia o resultado
desejado. Entretanto, como em ciência é comum se enfrentar sucessões de
dificuldades, Megiatto e seus companheiros depararam com mais um entrave, este
ligado à velocidade com que ocorrem dois processos presentes na fotossíntese. O
primeiro deles acontece quando as porfirinas recebem a luz solar, que é
transformada em energia química no interior destas moléculas.
O segundo se dá no momento em que as porfirinas,
já ativadas pela luz, reagem com as moléculas de água, fazendo com que os
átomos desta última se rearranjem em hidrogênio e oxigênio. “Acontece que havia
uma enorme diferença de velocidade entre estes dois processos. Ao receberem
luz, as porfirinas se ativavam. Entretanto, como o processo de transferência de
energia para as moléculas de água é lento, as porfirinas se desativavam antes
de o processo ser concluído. O desafio foi encontrar um intermediário que
tornasse estes dois processos cineticamente compatíveis”.
Nessa etapa, os pesquisadores recorreram
novamente à natureza. “Na natureza, existe uma molécula que promove a
‘conversa’ entre as clorofilas e as moléculas de água, que é um aminoácido do
tipo tirosina, presente na proteína das folhas. A tirosina apresenta um grupo
fenólico em sua estrutura que possui uma propriedade bastante peculiar. Ele é
capaz de receber rapidamente a energia proveniente das clorofilas ativadas e
armazená-la pelo tempo necessário para que as moléculas de água ao seu redor
sejam decompostas em hidrogênio e oxigênio. Moléculas do tipo fenol são
produzidas às toneladas atualmente”, detalha o docente da Unicamp.
A partir dessa informação, os cientistas
conectaram quimicamente as porfirinas a um fenol e conseguiram finalmente
estabelecer uma sintonia entre os dois processos. “Obtivemos um aumento de
eficiência muito significativo. Ao compararmos o processo natural ao
artificial, por meio de análises técnicas corriqueiras, nós constatamos que a
resposta de um é muito similar à do outro. Em outras palavras, nós conseguimos
ficar muito próximos da estrutura da natureza”, assegura Megiatto. Divulgados
para a comunidade científica através de artigos publicados em revistas de alto
impacto, como a Nature, os resultados do estudo tiveram ampla
repercussão, conforme o professor do IQ explica.
Uma das consequências dessa repercussão foi o
interesse da imprensa pelo tema. “Fui procurado por diversos veículos de
comunicação, para os quais dei entrevistas. Foi algo novo, mas muito
interessante para mim. Nós cientistas estamos acostumados a nos comunicar com
nossos pares, mas não com a comunidade leiga. Particularmente, gostei muito da
experiência. Até crianças vieram me fazer perguntas sobre a pesquisa”,
diverte-se Megiatto. O próximo passo do trabalho, antecipa o pesquisador, será
buscar um sistema completo de produção de energia. A proposta é conectar uma
célula solar construída com os nanomateriais que realizam fotossíntese
artificial a uma célula combustível, que reorganiza os átomos de hidrogênio e
oxigênio, gerando água novamente e energia na forma de eletricidade.
Isso já está sendo feito em colaboração com um
grupo de cientistas norte-americanos na Arizona State University. “Vamos ver se
essa conexão funciona bem. Mesmo que funcione, o sistema ainda não será
atrativo do ponto de vista econômico. É que o processo de preparação das
porfirinas é caro. Então, o maior desafio que teremos pela frente será melhorar
as rotas sintéticas, de modo a baratear o custo de produção desses
nanomateriais. Eu tenho convicção de que isso será possível ao longo do tempo.
Essa fase eu pretendo desenvolver aqui na Unicamp, com a colaboração do grupo
de pesquisa que estou formando. Já temos um projeto pré-aprovado pela Fapesp,
na linha Jovem Pesquisador, cujo financiamento gira em torno de R$ 1 milhão,
pelo período de quatro anos. Esses recursos serão utilizados para reformar e
equipar o laboratório no qual trabalharemos”, informa.
Enquanto os recursos não são liberados, o docente
do IQ tem feito contato com estudantes interessados em participar das pesquisas.
Atualmente, ele já conta com dois de iniciação científica, um de mestrado e um
de doutorado. Além desses, um aluno de pós-doutorado italiano também está
chegando para integrar a equipe. “O interessante é que entre esses estudantes
não há só químicos. Temos também um engenheiro químico e uma aluna de
estatística. A união de profissionais de diferentes áreas é fundamental para o
sucesso desse tipo de pesquisa. Somente a Química não daria conta de responder
a todas as perguntas. A abordagem multidisciplinar é uma exigência cada vez
maior para quem quer atuar na fronteira do conhecimento”, considera Megiatto.
Fonte: Jornal da Unicamp Nº 600
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