Com lucro milionário, Fifa tem
programa de voluntários questionado pelo MPT.
MPT do Rio argumenta
que trabalho não remunerado só pode ser exercido em benefício de órgão público
ou entidade sem fins lucrativos. Fifa teve lucro recorde em 2013.
Cerca de 14 mil pessoas passaram por várias
etapas de treinamento para atuar como voluntários durante a Copa do Mundo no
Brasil, divididos entre dois programas, um administrado pelo Comitê Organizador
Local da Fifa (COL) e o outro, pelo Ministério dos Esportes. Mas o já
tradicional formato de atuação dos voluntários em Mundiais está enfrentando uma
ação na Justiça do Trabalho, que vai julgar a legalidade do programa.
A ação civil pública, iniciada pelo Ministério
Público do Trabalho (MPT) do Rio de Janeiro, alega que o programa de
voluntários da Fifa fere a legislação nacional que trata do trabalho voluntário
e pede a assinatura das carteiras de trabalho de quem vai trabalhar como
voluntário no torneio, além do pagamento de indenização no valor de 20 milhões
de reais. Pela lei brasileira, o voluntariado só pode ser exercido em entidades
públicas, associações e outras instituições sem fins lucrativos.
“A Fifa é uma entidade com finalidade lucrativa,
com sócios definidos, com uma cláusula no seu contrato social que diz que os
lucros serão distribuídos de acordo com a deliberação desses sócios”, argumenta
a procuradora do trabalho Carina Rodrigues Bicalho, ao explicar a posição do
MPT.
Em 2013, segundo o relatório financeiro anual da
entidade, a Fifa arrecadou 1,386 bilhão de dólares, com lucro recorde de 72
milhões de dólares. “De maneira geral, a venda dos direitos da Copa do Mundo da
Fifa Brasil 2014, particularmente na área de marketing, gerou receita maior do
que na Copa do Mundo da Fifa África do Sul 2010″, diz um trecho do relatório.
Questionamentos legais
Os voluntários estarão distribuídos nas
cidades-sede e atuarão em setores como mobilidade, aeroportos, entorno dos
estádios, centros abertos de mídia e centros de treinamento, dando apoio no
atendimento aos turistas, à imprensa e às equipes de futebol. No programa
gerenciado pelo COL, os voluntários devem estar disponíveis durante 20 dias
corridos, cumprir jornada diária de até 10 horas, além de atender a outras
determinações.
Num documento de esclarecimento sobre o programa,
por exemplo, a resposta à pergunta “Os voluntários poderão assistir aos jogos?”
diz que “não serão disponibilizados assentos para os voluntários” e, além
disso, alega que “é importante lembrar que estarão trabalhando e, por isso, não
deverão ter tempo para assistir aos jogos”, exceção feita aos intervalos do
horário de trabalho, no Centro de Voluntários.
Essas e outras determinações da Fifa fazem parte
da ação do MPT. Na última semana, entretanto, a Justiça do Rio negou o pedido
de liminar, o que impede o cumprimento imediato do que pedia o MP. Apesar
disso, o processo está tramitando na Justiça do Trabalho.
“O processo não perde o sentido com o
indeferimento da liminar porque todo o trabalho prestado é pago após a
prestação do serviço”, diz a procuradora Bicalho. Uma audiência na Justiça do
Trabalho do Rio está marcada para 10 de julho.
Para a procuradora, o argumento da Fifa de que
milhares de brasileiros demonstraram interesse em participar como voluntários
do evento não é suficiente. “Posso abrir mão de receber salário porque quero
estar perto do meu ídolo?”, indaga a procuradora. “O fato de ele [o voluntário]
receber salário não o impediria de trabalhar próximo ao ídolo”, argumenta.
Lei Geral da Copa
Em contrapartida, o COL alega, em nota, que a ação
“não tem fundamento jurídico” e que “o trabalho voluntário em grandes eventos
esportivos sempre ocorreu e é motivo de grande alegria para todos os
envolvidos”.
O COL diz, ainda, que atua de acordo com o
previsto pela Lei Geral da Copa, aprovada em 2012 e que regula diversas
atividades do Mundial. Para o Ministério Público, entretanto, a legislação
brasileira deve prevalecer, e não a exceção estabelecida pela Lei da Copa.
A opinião também é compartilhada pela Associação
Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat) que – junto com outras
instituições, como a OAB, especialistas e universidades – assinou, em março, um
manifesto questionando a legalidade do programa de voluntários da Fifa.
Para o presidente em exercício da Abrat, Nilton
Correia, a Lei Geral da Copa rege a organização do evento, desde que não afete
os direitos do cidadão. “No momento em que afeta, prevalece a legislação
nacional, e isso é dito pelas normas internacionais que não permitem trabalho
mercantil desonerado. Só é permitido o trabalho verdadeiramente voluntarioso,
que não é o caso”, defende.
COL demonstra surpresa
Na nota de resposta, o COL disse ter ficado
surpreso com a ação, “especialmente por ter sido apresentada a menos de dez
dias do início do torneio”. E complementou: “Lembramos que a Copa do Mundo da
Fifa vem sendo planejada há mais de seis anos, e que os voluntários atuaram
normalmente durante a Copa das Confederações da Fifa no ano passado, sem que
qualquer contestação tivesse sido apresentada”.
Segundo a procuradora do MPT, o órgão recebeu uma
denúncia em março e seguiu os trâmites e prazos estabelecidos pela lei
nacional. “Chegou uma denúncia, e o MP tem que responder”, explicou Bicalho,
que disse ter iniciado a ação somente após análise de documentos, coleta de
depoimentos e audiência com representantes da Fifa.
Para o presidente da Abrat, não há oportunismo
nem motivação política, tampouco intenção de interromper o Mundial. Segundo o
advogado, o caso ganhou evidência agora pela dimensão do evento. “Isso pode ser
resolvido depois da Copa”, disse. “Os eventos devem acontecer e ser
valorizados, mas também as pessoas devem ser valorizadas, e a legislação
brasileira deve ser correspondida.”
Correia reitera ainda que possíveis violações de
leis trabalhistas devem sempre ser denunciadas, mesmo nos casos em que o
cidadão, voluntariamente, tenha se submetido a uma situação ilegal.
Fonte: Deutsche Welle
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