segunda-feira, 2 de junho de 2014

Estudo defende harmonia entre floresta e agricultura sustentável no Brasil.
Para reduzir emissões de CO2 da agricultura, é preciso reorganizar 20% da área nacional de plantio. Aumentar quantidade de raízes no solo é uma das soluções, mas custa caro e enfrenta a resistência dos produtores.
A agricultura brasileira cresce acima da média mundial e o país pode se tornar a principal potência do setor até 2020. Esse aumento na produção impulsiona a mudança do uso da terra e coloca o setor como um dos maiores responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa, tanto na produção agrícola – uso de fertilizantes e manejo das áreas agricultáveis – quanto na pecuária – uso de áreas desmatadas e emissão de metano pelo rebanho bovino.

Ao mesmo tempo, o país quer cumprir as metas de redução nas emissões, acordadas na conferência do clima de Copenhague, em 2009. A tarefa pode ser cumprida até no bioma Amazônia, afirma um estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A pesquisa aponta que é possível equilibrar a equação, mas essa mudança requer grandes esforços.

Só da agricultura, a ambição é eliminar de 133 milhões a 166 milhões de toneladas de carbono equivalente até 2020. A matemática verde tem vários fatores que pedem modelos produtivos mais sustentáveis, como a recuperação de pastagens, a Integração Lavoura Pecuária (ILP) ou a Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF), como aponta o relatório. Esses modelos, conforme explica o Hilton Silveira Pinto, coordenador do estudo dentro da Unicamp, exigem majoritariamente uma reordenação do uso dos espaços agrícolas.

Áreas de pastagem, de plantação e de cultivo de madeira precisam ser organizadas dentro da propriedade para funcionar em sinergia. “As faixas onde se planta eucalipto, por exemplo, podem ser usadas simultaneamente como pastagem dentro de dois ou três anos”, exemplifica. Áreas de cultivo de milho, soja ou outros cereais também podem ser criadas entre os campos de pasto, bloqueando o acesso dos animais.
Solos precisam ser recuperados para reter maior quantidade de carbono

Raízes reduzem emissões

A chave desses sistemas está em aumentar a quantidade de raízes no solo. Elas asseguram uma fixação maior de carbono e, como consequência, reduzem o saldo das emissões. Para testar a eficácia do modelo, a pesquisa colheu amostras nos estados do Acre, Tocantins, Rondônia, Pará e Roraima. O Amazonas ficou de fora por não possuir nenhum projeto conhecido de produção integrada, afirma Silveira Pinto.

No relatório, está claro que entre as 68 amostras colhidas, todas as provenientes de sistemas integrados apresentam uma taxa maior de carbono no solo. Esses números também podem ser interpretados como indicativos da qualidade da terra agricultável: mais carbono significa um solo mais rico.

Segundo a avaliação, a solução mais simples de todas para fixar mais carbono no solo é a recuperação de áreas de pastagem. Pastos de baixa qualidade têm, geralmente, poucas raízes e com isso retém uma menor quantidade de carbono. O agrônomo explica que para cada quilo de massa verde – vegetação – que se acrescenta às pastagens, meio quilo de gás carbônico a menos é lançado na atmosfera.

O custo de ser verde

Embora a solução esteja clara para o pesquisador, ele próprio enxerga as dificuldades para a sua adoção. “As tecnologias não são simples e nem baratas de serem implementadas”, afirma. Embora não tenha números – a análise financeira é o próximo passo da pesquisa –, o cientista estima um aumento de 50% dos custos iniciais de produção na adoção desses modelos mais equilibrados.

O maior desafio seria atingir a dimensão necessária para que esse carbono retido torne a produção mais verde. Pelo menos 11 milhões dos cerca de 50 milhões de hectares usados hoje na produção agrícola teriam que adotar formas de manejo sustentável nos próximos 20 anos. Para o pesquisador, esse não é um processo simples. Por outro lado, a estratégia não só reduziria as emissões, mas também garantiria um aumento da produção.

Desmatamentos evitados

Na conta de José Frutuoso do Vale Júnior, professor do curso de Agronomia da Universidade Federal de Roraima, outro fator precisa ser considerado: técnicas de manejo sustentável ajudam a evitar novos desmatamentos na Amazônia.

Ele conhece os modelos sugeridos pelo estudo e acredita na sua eficácia. Segundo ele, rearranjos assim poderiam recuperar muitas áreas que foram desmatadas para uso na produção agrícola ou pecuária e que, por não apresentarem a produtividade desejada, são abandonadas. Sem terras, os fazendeiros avançam em novas áreas da floresta.

Dados da organização ambiental Greenpeace apontam a pecuária como responsável por 14% do desmatamento anual da Amazônia. A cada 18 segundos, um hectare da floresta estaria sendo convertido em pasto.

O professor de Roraima, que orientou um estudo de qualidade do solo similar ao da Unicamp/Embrapa, observou a qualidade do solo em áreas onde a floresta foi cortada para o uso em pastagem. “A conversão em pasto promove uma queda de até 50% no índice de carbono no solo”, compara. Ele explica que a terra é mais frágil onde a cobertura vegetal é removida.
Remover a floresta reduz em até 50% os níveis de carbono no solo

Mudança de hábitos

Mas o agrônomo acredita na possibilidade de recuperação desses solos empobrecidos e enxerga isso como uma forma de proteger a floresta. Em áreas com alto grau de comprometimento, os custos são de fato elevados. Mas soluções menos dispendiosas para a agricultura familiar também estariam à disposição. Em sua avaliação, o que falta é informação, já que as soluções discutidas por universidades e nos cursos de técnicas agrícolas não chegam aos produtores.

Modelos bem planejados de uso rotativo do solo não são alternativas caras, mas como qualquer mudança, quando chegam a quem trabalha no campo, geram ansiedade e acabam rejeitadas especialmente pelos produtores mais simples. “É preciso vencer essa dificuldade de inovar. E só se chega ao resultado se cada um fizer sua parte”, conclui Vale Junior.

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