O PIB ainda faz sentido?
Crescimento econômico não significa, necessariamente, mais qualidade de vida.
Principal indicador econômico há
quase um século, seria o PIB (Produto Interno Bruto) a melhor forma de medir o
êxito de um país?
Uma conhecida crítica ao PIB diz que ele “mede
tudo, exceto aquilo que faz a vida valer a pena”. A frase ficou famosa com a
declaração de um integrante de um dos principais clãs políticos americanos, o
ex-senador Bobby Kennedy, em 1968.
Em outras palavras, o PIB – que nasceu nos anos
da Grande Depressão (anos 1930) e da Segunda Guerra (1939-1945) para mensurar o
tamanho e a riqueza de uma economia – está irremediavelmente viciado como uma
medida do bem-estar humano. E cada vez mais ele é questionado.
A ONG Social Progress Imperative, liderada pelo
economista Michael Porter, da Universidade de Harvard, sugere uma revisão do
índice. Não se trata de enterrar de vez o PIB, mas de complementá-lo com um
índice que mede tudo, menos o rendimento econômico.
“Se você eliminar os indicadores econômicos”, diz
Michael Green, diretor executivo do grupo, é possível “ver a relação entre o
progresso econômico e social e entendê-lo muito melhor”.
Medindo o progresso social
Green, que por muitos anos estudou o
desenvolvimento internacional, propôs no Fórum Econômico Mundial um novo
índice, juntamente como o diretor do escritório americano da revista britânica The
Economist, Matthew Bishop.
O mecanismo em questão é o Índice de Progresso
Social (SPI, na sigla em inglês), que começou colhendo informações de 54
diferentes indicadores de bem-estar, tais como o acesso às escolas, cuidados de
saúde, um meio ambiente limpo, saneamento e nutrição.
Em termos gerais, todos giram em torno de três
perguntas:
1. O país pode prover as necessidades mais
básicas de seus habitantes?
2. Foram dadas as bases de sustentação para que
pessoas e comunidades consigam melhorar seu bem-estar de forma sustentável?
3. Existem oportunidades para que todos os
indivíduos consigam alcançar seu máximo
Não há muita surpresa no topo da lista que
engloba 132 países. As primeiras dez posições são ocupadas por todos os países
nórdicos, além de democracias liberais, como Nova Zelândia, Austrália e Canadá.
Em seguida, no segundo nível da tabela, estão
cinco membros do G7: Alemanha, Reino Unido, Japão, Estados Unidos e França.
O ponto forte do Japão, por exemplo, está no fato
de o país conseguir prover as necessidades básicas de seus cidadãos. O país, no
entanto, fica abaixo da média de bem-estar e oportunidades e tem baixa
pontuação no quesito tolerância e inclusão.
Já os Estados Unidos ocupam a posição 23 na
categoria de provimento de necessidades básicas, más é o quinto país quando se
fala em oferecer oportunidades. Apesar de ser o país que mais gasta com atenção
médica no mundo, os Estados Unidos também não se saíram bem na categoria
esperança de vida.
O Brasil, por sua vez, está na posição 46 entre
os 132 países. Quando comparado a outros países de renda per capita semelhante (como
Irã, África do Sul, Sérvia, Venezuela, Argentina, Tailândia, entre outros), o
país se sai melhor em quesitos como liberdade de expressão, tolerância e acesso
à saúde básica, mas vai pior nos rankings de violência, saneamento e acesso ao
ensino universitário.
Primavera árabe
Ainda que boa parte da informação coletada ainda
precise ser processada para que se extraiam conclusões mais significativas, o
índice já nos dá algumas lições interessantes sobre a distinção entre
estruturas econômicas e sociais.
“Tomemos como exemplo a primavera árabe”, diz
Green. “Há um grupo de países que estavam indo muito bem economicamente e, de
repente, ocorre um colapso social”, argumenta.
“Claramente uma política baseada apenas no
crescimento econômico não funcionou, a ponto de gerar uma anomia social”, diz.
Mas é só passar o olho no índice SPI para ver que
esse descontentamento poderia ter sido previsto.
“Todos os países da África do Norte tem um
desempenho muito ruim na categoria oportunidades”, avalia Green.
“Não se travam precisamente de necessidades
materiais, mas sim a oportunidade de avançar na vida: direitos, liberdades,
opções, tolerância e inclusão”, diz.
“Liberdade”, disse uma vez o líder trabalhista
inglês Nye Bevan, “é o subproduto do excedente econômico”. O índice SPI, no
entanto, contradiz parcialmente essa teoria.
Ainda que SPI mostre que a pobreza extrema e o
desempenho social deficiente caminhem de mãos dadas, a correlação perde o
sentido quando os países alcançam um determinado nível de prosperidade.
A parte de baixo da tabela está dominada por
economias em aperto, mas países ricos em petróleo como Rússia e Arábia Saudita
também tem desempenho muito precário em termos de desenvolvimento social.
Nova Zelândia e Itália, que estão próximas em
termos de PIB, estão separadas por 29 posições na tabela do SPI.
‘Destino’
Em outras palavras, para Green “o PIB não é o
destino”. Já houve várias tentativas de complementar ou substituir o PIB. A
ONU, por exemplo, desenvolveu o IDH, Índice de Desenvolvimento Humano.
Recentemente, um ex-alto-funcionário britânico,
Gus O’Donnell, publicou um relatório sobre bem-estar e política, investigando
os principais motores econômicos, sociais e pessoais da felicidade.
O ponto forte do SPI, segundo Green, é a
diversidade de indicadores que leva em consideração e o fato de que todos eles,
da tolerância religiosa ao abastecimento elétrico, podem ser comparados com o
crescimento do PIB.
Analisar dentro do SPI os indicadores que têm
relação com o aumento da felicidade poderia dar pistas sobre o desenvolvimento
das nações.
Paraguai
Mas nem todos estão de acordo com a ideia de que
o PIB não mede o bem-estar. Nick Oulton, da London School of Economics,
argumenta que o crescimento econômico pode ser uma boa medida de bem-estar de
um país.
“Não vai resolver todos os problemas, mas o
aumento da riqueza pode levar à queda na mortalidade infantil, ao aumento da
expectativa de vida e a que as pessoas sejam mais saudáveis porque podem comer
mais”, diz.
Oulton vai além e diz que há o risco de o grupo
dos anti-PIB de “incitar políticas intrusivas”. É como se estivessem dizendo:
“Você acha que sabe o que é o melhor para você, mas nós sabemos mais”.
Em última instância, o êxito do SPI será medido
por sua influência na tomada de decisões políticas.
Algum países já estão tomando nota. Em julho do
ano passado o Paraguai se tornou o primeiro país a usar oficialmente o SPI para
fundamentar a tomada de decisões políticas.
Mas a real utilidade do SPI vai se dar quando se
puder compará-lo com outros dados. Comparar o SPI e os gastos públicos, por
exemplo, pode ajudar a resolver o debate sobre o Estado mínimo ou o Estado
grande.
Outra prova da utilidade seria a medição da
desigualdade da renda em comparação ao progresso social para comprovar a
“hipótese da desigualdade”: Mais igualdade de renda significa mais saúde e
felicidade?
Adote-se o SPI ou não, uma coisa e certa: já é um
avanço o fato de o SIP estar disponível e ser possível fazer experiências com
as informações.
Fonte: BBC Brasil
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