MPF investiga estudos de impacto
e planos ambientais de usinas hidrelétricas na Amazônia.
Estudos incompletos e planos
ambientais desrespeitando a legislação preocupam. Consequências para povos
indígenas no Xingu, Tapajós e Teles Pires já são trágicas.
Mapa: por Cândido Cunha, em Língua Ferina
O Ministério Público Federal (MPF) acompanha, com
vários procedimentos, as consequências para os povos indígenas dos estudos de
impacto e planos ambientais de usinas hidrelétricas que o governo brasileiro
implanta nas bacias dos rios Xingu (Belo Monte), Teles Pires (Teles Pires,
Sinop e São Manoel) e Tapajós (São Luiz do Tapajós e Jatobá). Em todos esses
casos, problemas na realização dos estudos e deficiências graves nos planos
ambientais provocaram severos danos aos povos indígenas.
No caso dos índios do médio Xingu, afetados pela
usina de Belo Monte, estudos insuficientes deixaram de prever impactos que hoje
se observam. É o caso dos índios Xikrin, do rio Bacajá, que foram completamente
ignorados nos estudos. Apenas dois anos depois do licenciamento de Belo Monte é
que foram realizados estudos de impacto sobre os Xikrin. Para surpresa do MPF,
os estudos constataram poucos impactos e previram condicionantes insuficientes,
o que deixa os indígenas completamente vulneráveis e sem perspectiva de
compensação diante das alterações que já se observam em seu modo de vida.
Mesmo para os povos indígenas onde houve previsão
de impactos, a realização do Plano Básico Ambiental (PBA) ficou comprometida
pelo atraso do empreendedor Norte Energia S.A e, em 2011, diante de impactos
iminentes, foi criado um Plano Emergencial em substituição aos programas do
PBA. O Plano Emergencial deveria fortalecer a presença da Fundação Nacional do
Índio (Funai), garantir a proteção das terras indígenas contra invasões e
realizar ações de etnodesenvolvimento. Nada disso foi implementado. Os recursos
foram desviados para uma política anômala em que os indígenas eram obrigados a
negociar mercadorias nos balcões da empresa.
O repasse mensal de valores diretamente do
empreendedor para as aldeias atingidas desorganizou completamente os modos de
vida dos Araweté, Assurini, Juruna, Arara, Xikrin, Parakanã, Xipaya e Curuaya
que deveriam ter sido protegidos. “Hoje, a não implementação das ações
mitigatórias condicionantes da obra, somada às ações ilegais do empreendedor,
gerou um cenário novo, em que os indígenas se aproximaram do núcleo urbano,
perderam a capacidade de auto-subsistência e modificaram seus hábitos
alimentares, com as terras absolutamente vulneráveis”, analisa a procuradora da
República Thais Santi, que acompanha em Altamira a situação dos índios afetados
por Belo Monte.
No rio Teles Pires, mil quilômetros distante de
Altamira, a situação não é muito melhor. Atingidos pelas usinas Teles Pires (em
construção) e São Manoel (em fase de Licença Prévia), índios Kayabi, Apiaká e
Munduruku já sofrem as consequências das intervenções no rio e da presença de
pesquisadores, engenheiros e operários em suas terras. Em recente visita à
aldeia do Kururuzinho, procuradores da República do Pará e Mato Grosso, junto
com a sub-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, receberam várias
denúncias, inclusive contra ações dos pesquisadores contratados pelas usinas.
Na implantação do Plano Básico Ambiental Indígena
para os Kayabi, os indígenas foram obrigados a constituir um conselho com dez
representantes para tomar decisões relativas ao PBA, o que viola as tradições
políticas deles, impondo maneira de organização própria dos não-índios. Além
disso, os programas previstos no PBA não contemplam diversos impactos. Chamou
atenção do MPF a existência de programas de educação ambiental e de comunicação
e a ausência de compensações concretas por danos ambientais.
A política de assimilação, apesar de ultrapassada
por convenções internacionais e pela própria Constituição brasileira, continua
muito presente nas ações governamentais para a implantação de usinas
hidrelétricas, alerta o procurador Felício Pontes Jr, de Belém, que esteve na
aldeia do Kururuzinho. “Todas as nossas necessidades ficam para depois. Somem
os peixes e o programa que eles trazem no PBA é monitoramento de peixes. Como
isso vai resolver?”, perguntou Valdenir Munduruku, de uma das aldeias afetadas
pelas usinas no Teles Pires. A sub-procuradora-geral da República Deborah
Duprat informou que os PBAs do rio Teles Pires serão analisados pelo MPF.
Várias lideranças indígenas denunciaram ao MPF a
empresa Documenta, de arqueologia, pela retirada de urnas funerárias Munduruku
e Kayabi durante os estudos para as usinas. Os indígenas foram convidados a
visitar o escritório da empresa em Alta Floresta e se surpreenderam com a
existência de artefatos retirados de seus cemitérios ancestrais. O assunto já é
objeto de investigação na Procuradoria da República em Santarém.
Em estágio menos avançado de licenciamento estão
as usinas do rio Tapajós, Jatobá e São Luiz do Tapajós, em Jacareacanga e
Itaituba no Pará. Como em todas as outras usinas, não foi realizada a Consulta
Prévia, Livre e Informada nos moldes do que determina a Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho. Para realizar os estudos de impacto
ambiental, o governo federal, em vez de consulta, enviou tropas da Força
Nacional para a região em 2012, causando grande revolta nos índios Munduruku.
Foram realizados poucos meses de levantamento de campo, um forte indício de que
os estudos mais uma vez podem subdimensionar impactos. No último mês de
fevereiro chegaram à região de Itatuba pesquisadores contratados para fazer o
componente indígena dos estudos. Até agora apenas pesquisas sobre os meios
físico e biótico foram realizadas. Com a tensão existente entre indígenas e
governo, os pesquisadores não tiveram até agora permissão para entrar na Terra
Indígena Munduruku. Uma investigação sobre os estudos indígenas das usinas do
Tapajós já foi iniciada, em Belém.
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