Dossiê mostra que perímetros irrigados violam direitos de comunidades rurais.
Um dossiê sobre perímetros irrigados, nome dado a
áreas extensas para a agricultura irrigadas a partir de cursos artificiais de
água, vincula-os a uma série de violações de direitos das comunidades rurais
que convivem com esse tipo de estrutura. Entre os impactos mais graves
apontados pelo estudo está a contaminação da água por agrotóxicos, inclusive a
destinada ao consumo humano. Exames médicos feitos em 545 trabalhadores
de regiões próximas ao perímetro, realizados ao longo de um ano e meio,
mostraram, ainda, que 30,3% tiveram quadros compatíveis com provável
intoxicação aguda.
Professora
Raquel Rigotto alerta para a contaminação da água nos perímetros irrigados.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
“De 24 amostras de água coletada de poços
profundos, superficiais e para consumo humano, todas estavam contaminadas. Em
uma delas, foi detectada contaminação por dez princípios ativos diferentes”,
diz Raquel Rigotto, professora da faculdade de medicina da Universidade Federal
do Ceará (UFC), uma das instituições que participou da elaboração do dossiê.
Os exames médicos feitos em moradores levaram em
conta os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS), ou seja, se o
paciente apresentar três ou mais sintomas 72 horas após a exposição ao agente
químico, a intoxicação é considerada provável, explica Raquel.
“O mais preocupante é que 56,5% desses
trabalhadores [que aapresentaram sintomas] não procuravam assistência médica.
[Os sintomas] dependem muito do ingrediente ativo [do agrotóxico]. Pode ser
prurido [coceira] na pele, dor de cabeça, fraqueza, náusea, vômito.”
Além da ameaça à saúde, a professora critica outras
consequências da implantação de perímetros irrigados, como a desapropriação de
terras para a construção de algumas dessas estruturas. Para ela, embora os
perímetros irrigados, geralmente explorados por grandes empresas do
agronegócio, sejam parte da política do Departamento Nacional de Obras Contra
as Secas (Denocs), vinculado ao Ministério da Integração Nacional, não se trata
de uma estratégia acertada.
“[Quando é o caso de desapropriar] sai um decreto
de desapropriação por interesse público, com uma indenização precária. Algumas
vezes, com intervenção do Ministério Público, acontece um projeto coletivo de
reassentamento por meio de um Termo de Ajuste de Conduta. Mas nem sempre”,
comenta.
O
presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Apodi, Francisco Edson
Neto, diz que 600 famílias serão desalojadas. Foto: Valter Campanato/Agência
Brasil
A questão da desapropriação é vivenciada no momento
por habitantes de comunidades próximas ao perímetro de Santa Cruz do Apodi,
previsto para ser implantado na porção potiguar da Chapada do Apodi, na divisa
entre o Rio Grande do Norte e o Ceará. Já foram publicados decretos anunciando
a desapropriação de moradores. A estimativa do presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Apodi, Francisco Edilson Neto, é que cerca de 600
famílias serão desalojadas de suas terras, de um total de 2,6 mil famílias que
vivem na região.
As comunidades têm lutado contra a construção do
perímetro, iniciada em 2013. Agricultores e representantes do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam o local onde acontecem as obras.
O Ministério Público Federal analisa o caso.
“A barragem de Santa Cruz [de onde virá a água para
o perímetro] não tem água para irrigar 10 mil hectares [como está previsto no
projeto]. Metade [da água da barragem] está comprometida com esse projeto. Além
das desapropriações, haverá diminuição na quantidade de água, contaminação. Por
que não entregar essa água à agricultura familiar?”, questiona ele.
Raquel Rigotto acrescenta que, em comunidades nas
quais os moradores não foram desapropriados e tentaram conviver com os
perímetros, houve problemas de elevação na conta de energia. “Funciona como em
um condomínio, em que as despesas são rateadas. Uma agricultora relatou uma
conta de R$ 1,2 mil”.
De acordo com a professora, a conclusão do dossiê,
que fez estudos de caso sobre os perímetros Baixo Acaraú, Baixo-Açú,
Jaguaribe-Apodi, Santa Cruz do Apodi e Tabuleiro de Russas, é que há violação
de sete direitos das comunidades: direito à terra, à água, ao meio ambiente, ao
trabalho digno, à saúde, à cultura e à participação política.
“O interessante foi que viemos com os seis direitos
violados e eles próprios identificaram o sétimo direito, à participação
política [por não estarem sendo ouvidos quanto à sua opinião sobre os
perímetros]”, conta Raquel.
Além da UFC, participaram do estudo pesquisadores
da Universidade Estadual do Ceará e da Universidade Estadual Vale do Acaraú,
também naquele estado. Contribuíram ainda a Universidade Federal do Rio Grande
do Norte e a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
O dossiê foi apresentado pela primeira vez durante
a terceira edição do Encontro Nacional de Agroecologia, que acontece até
segunda-feira (19) em Juazeiro, na Bahia.
*A repórter viajou a convite da Articulação do
Semiárido Brasileiro (Asa) e Articulação Nacional de Agroecologia (Ana) para
cobertura do III Encontro Nacional de Agroecologia
Fonte: Agência
Brasil
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