domingo, 4 de maio de 2014

CSA tem autorização para operar renovada, apesar de apesar de pendências ambientais.
Unidade siderúrgica da alemã Thyssenkrupp na Zona Oeste do Rio gera incômodo na vizinhança
Sueli Barreto em sua casa, em frente à siderúrgica, inaugurada em 2010: a “chuva de prata” ainda assusta moradores Leo Martins

RIO - Em junho de 2010, os alto-fornos da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), localizada em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio, foram acionados. O empreendimento que prometia levar desenvolvimento à região acabou se transformando em um pesadelo para os moradores, que ainda se queixam de problemas respiratórios e oftalmológicos. No último dia 16, a siderúrgica teve seu Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) renovado por mais 24 meses, com uma série de pendências.

Na prática, a usina está funcionando há quase quatro anos com o status de pré-operação e assim seguirá por mais dois anos, pois ainda não conseguiu atender exigências mínimas para obter o aval definitivo dos órgãos ambientais para seu funcionamento.

O primeiro TAC da TKCSA (controlada pela alemã ThyssenKrupp e que tem como sócia a mineradora Vale) foi assinado em 30 de março de 2012 e tinha validade de 24 meses. O documento previa ajustes e melhorias no processo de produção do aço, com o objetivo principal de evitar novas ocorrências da chamada “chuva de prata”, um pó prateado emitido a partir da usina que pode estar associado a problemas de saúde dos moradores — até hoje não se sabe ao certo se há relação entre as emissões da siderúrgica e as queixas.

A empresa admite que o pó prateado invadiu as casas do entorno da usina em 2010 e em 2012. Mas moradores dizem que ele ainda cai sobre suas residências. A TKCSA insiste em classificar o pó de grafite, um material que não causa danos à saúde.

Dos 134 itens que constavam do TAC, 44 (ou cerca de um terço do total) não foram atendidos, foram atendidos parcialmente ou ainda estão em execução. “A TKCSA realizou ações contidas no TAC, que ao final, não obtiveram a eficiência esperada pela equipe técnica do Inea (Instituto Estadual do Ambiente), como, por exemplo, o despoeiramento da casa de corrida dos alto-fornos.

A TKCSA realizou melhorias, mas não foram suficientes para controlar toda emissão fugitiva de material particulado dos alto-fornos, embora o material tenha ficado contido no interior da usina e não mais ultrapassado para a vizinhança”, disse o Inea em nota. O Inea, ao lado da Secretaria do Ambiente e da Comissão Estadual de Controle Ambiental, assina o TAC em nome do governo estadual.

Uma das ações previstas no novo TAC diz respeito justamente ao despoeiramento, cujo sistema terá de ser aprimorado. A siderúrgica também terá que dar suporte financeiro aos estudos técnicos que vão apontar se há “contribuição das emissões do complexo siderúrgico na composição de partículas inaláveis no ar de Santa Cruz”. Mas os moradores terão de esperar até janeiro de 2016 — prazo estipulado no TAC — para ver a conclusão desses estudos.

Moradores convivem com emissão

A dona de casa Sueli Barreto, que mora em frente à usina, é uma das que ainda se queixam da “chuva de prata”. Ela, que reside ali há 58 anos, diz ter desenvolvido rinite alérgica após a chegada da siderúrgica e sofre com dor de cabeça toda vez que varre a casa. A dona de casa teme ainda pela saúde da filha, que, por ser cega e sofrer de problemas mentais, praticamente não sai de casa.

— Todo dia tenho que limpar a casa com um pano úmido porque, se uso a vassoura, o pó sobe e eu começo a ter dor de cabeça — diz Sueli, mostrando as mãos com um pó preto e pequenos pontos brilhantes, após passá-las sobre o parapeito da casa.

A também dona de casa Rosimeri Almeida, moradora da região há 17 anos, guarda uma série de receitas médicas com os remédios prescritos para atenuar inflamações na pele, nos olhos e nos ouvidos que começaram a pipocar após o funcionamento da TKCSA. No pico das queixas, ela chegou a tomar oito medicamentos. Ela admite que a quantidade de pó emitida pela usina diminuiu de uns tempos para cá, mas afirma que ainda sofre com os problemas:

— Eu choro de tristeza. A empresa só vai sentir na pele o que estamos passando quando esses empresários morarem aqui — diz Rosimeri, que ainda guarda num vidro o pó recolhido dos móveis de sua casa.

Quando a TKCSA foi inaugurada, em junho de 2010, os executivos da ThyssenKrupp frisavam que a usina fora concebida com um novo conceito. Suas paredes coloridas buscavam harmonia com a natureza, em contraponto às tradicionais usinas cinzentas.

O empreendimento, que era o maior investimento privado no país na época (€ 5 bilhões), recebeu benefícios fiscais do governo estadual, mas logo enfrentou uma série de problemas, que levaram o Inea a multar a empresa em R$ 28,5 milhões. Deste montante, metade foi convertido em ações em benefício da comunidade. O restante ainda está em contestação.

Em nota, a Thyssen diz que, para mitigar a emissão do pó que atingiu as casas do entorno, investiu R$ 33 milhões em equipamentos, como previsto no primeiro TAC. Diz ainda que “a assinatura do aditivo (do TAC) confirma que a TKCSA opera as unidades que integram seu complexo siderúrgico com segurança e respeito às normas ambientais”.

Imbróglio envolve o TAC

A renovação do TAC acontece em meio a um disse-me-disse envolvendo a Fiocruz, a Fundacentro (órgão ligado ao Ministério do Trabalho), a TKCSA e os órgãos ambientais. A Fiocruz integra o grupo de trabalho formado pela Secretaria do Ambiente em 2011 para avaliar as condições de saúde dos trabalhadores da usina e dos moradores do entorno e identificar se as queixas têm relação com a “chuva de prata”.

No último 27 de março, a TKCSA realizou uma audiência pública para prestar contas do primeiro TAC. Na ocasião, distribuiu um material em que afirma que foi feita uma auditoria de saúde e que “não foi possível identificar relação de causalidade entre as condições de saúde da população e as emissões de 2010 da TKCSA”.

A Fiocruz contesta a informação de que uma auditoria de saúde foi realizada e salienta que não corrobora o relatório técnico do grupo de trabalho. Embora um de seus representantes tenha inicialmente assinado o relatório – datado de agosto de 2012 –, a instituição pediu a retirada da assinatura três meses depois alegando que “nas considerações finais do relatório não considera o agravamento do quadro clínico de moradores registrados no próprio documento como evidência de agravo à saúde sob responsabilidade da empresa”.

Fonte: O GLOBO ECONOMIA

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