Desmatamento eleva em 100 vezes o custo do tratamento da água.
Em locais com vegetação degradada, só cloro não é
suficiente. É preciso usar coagulantes, corretores de pH, flúor, oxidantes,
desinfetantes, algicidas e outras substâncias, encarecendo o custo do processo,
diz o pesquisador José Galizia Tundizi.
Além de alterar o ciclo de chuvas, prejudicar a
recarga de aquíferos subterrâneos e, consequentemente, reduzir os recursos
hídricos disponíveis para o abastecimento humano, o desmate da vegetação que recobre
as bacias hidrográficas tem forte impacto sobre a qualidade da água,
encarecendo em cerca de 100 vezes o tratamento necessário para torná-la
potável.
O alerta foi feito pelo pesquisador José Galizia
Tundisi, do Instituto Internacional de Ecologia (IIE), durante palestra
apresentada no terceiro encontro do Ciclo de Conferências 2014 do programa
BIOTA-FAPESP Educação, realizado no dia 24 de abril, em São Paulo.
“Em áreas com floresta ripária [contígua a
cursos d'água] bem protegida, basta colocar algumas gotas de cloro por
litro e obtemos água de boa qualidade para consumo. Já em locais com vegetação
degradada, como o sistema Baixo Cotia [bacia hidrográfica do rio Cotia, na
Região Metropolitana de São Paulo], é preciso usar coagulantes, corretores
de pH, flúor, oxidantes, desinfetantes, algicidas e substâncias para remover o
gosto e o odor. Todo o serviço de filtragem prestado pela floresta precisa ser
substituído por um sistema artificial e o custo passa de R$ 2 a R$ 3 a cada mil
metros cúbicos para R$ 200 a R$ 300. Essa conta precisa ser relacionada com os
custos do desmatamento”, afirmou Tundisi.
Quando a cobertura vegetal na bacia hidrográfica
é adequada – e isso inclui não apenas as florestas ripárias como também matas
de áreas alagadas e demais mosaicos de vegetação nativa –, a taxa de
evapotranspiração é mais alta, ou seja, uma quantidade maior de água retorna
para a atmosfera e favorece a precipitação.
Além disso, explicou Tundisi, o escoamento da
água das chuvas ocorre mais lentamente, diminuindo o processo erosivo. Parte da
água se infiltra no solo por meio dos troncos e raízes, que funcionam como
biofiltros, recarrega os aquíferos e garante a sustentabilidade dos mananciais.
“Em solos desnudos, o processo de drenagem da
água da chuva ocorre de forma muito mais rápida e há uma perda considerável da
superfície do solo, que tem como destino os corpos d’água. Essa matéria
orgânica em suspensão altera completamente as características químicas da água,
tanto a de superfície como a subterrânea”, explicou Tundisi.
De acordo com o pesquisador, a mudança na
composição química da água é ainda mais acentuada quando há criação de gado ou
uso de fertilizantes e pesticidas nas margens dos rios. Ocorre aumento na
turbidez e na concentração de nitrogênio, fósforo, metais pesados e outros
contaminantes – impactando fortemente a biota aquática.
Tundisi lembrou que, além de garantir água para o
abastecimento humano, os ecossistemas aquáticos oferecem uma série de outros
serviços de grande relevância econômica, como geração de hidroeletricidade,
irrigação, transporte (hidrovia), turismo, recreação e pesca.
A mensuração do valor desses serviços
ecossistêmicos é o objetivo do projeto “Pesquisas ecológicas de longa duração nas bacias
hidrográficas dos rios Itaqueri e Lobo e represa da UHE Carlos Botelho,
Itirapina, SP, Brasil (PelD)”, coordenado por Tundisi com apoio da
FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq).
“São serviços estratégicos e fundamentais para o
desenvolvimento do Estado de São Paulo. Sua valoração é de fundamental
importância para a implantação de projetos de economias verdes, dando ênfase à
conservação dessa estruturas de vegetação e áreas alagadas”, disse.
Ciclo de carbono
Na segunda palestra do encontro, Maria Victoria
Ramos Ballester, pesquisadora do Centro de Energia Nuclear na Agricultura
(Cena) da Universidade de São Paulo (USP), apresentou estudos realizados na
Amazônia com apoio da FAPESP que revelaram a importância dos
rios no balanço de carbono na Bacia Amazônica, incluindo a floresta e os solos.
Parte dos resultados foi divulgada em artigo publicado na revista Nature.
“Sempre se acreditou que quase todo o carbono da
atmosfera absorvido pela Floresta Amazônica ficasse fixado no solo, mas
mostramos que uma parcela significativa vai para os rios na forma de folhas,
galhos e sedimentos. Esse material é decomposto por microrganismos e volta para
a atmosfera”, explicou Ballester.
De acordo com a pesquisadora, as águas fluviais
processam em nível global praticamente a mesma quantidade de carbono estimada
para os sistemas terrestres – algo em torno de 2,8 petagramas (2,8 bilhões de
toneladas) por ano.
Estudos do grupo mostraram que na porção central
da Bacia Amazônica a quantidade de carbono nas águas era cerca de 13 vezes
maior que a descarregada no oceano.
“As análises da composição isotópica mostraram
que o carbono é originário principalmente de plantas jovens, de aproximadamente
5 anos. Ele é metabolizado rapidamente dentro do rio e retorna para a
atmosfera. O metabolismo do carbono ocorre ainda mais rapidamente em rios
pequenos”, contou Ballester.
Mas o intenso processo de ocupação da Amazônia e
a consequente mudança no padrão de uso do solo têm alterado a ciclagem de
nutrientes nos rios – elevando a quantidade de carbono e reduzindo o oxigênio
dissolvido –, alertou a pesquisadora.
“A maior quantidade de matéria orgânica em
suspensão na água, aliada à maior penetração de luz resultante da retirada das
árvores, favorece o crescimento de uma gramínea conhecida como Paspalum,
o que aumenta o consumo de oxigênio e o fluxo de dióxido de carbono (CO2) para
a atmosfera”, contou.
Os efeitos da mudanças no habitat fluvial sobre a
biota foi avaliado em um estudo realizado no âmbito do Projeto Temático “O papel dos sistemas fluviais amazônicos no balanço regional
e global de carbono: evasão de CO2 e interações entre os ambientes terrestres e
aquáticos”, coordenado pelo pesquisador Reynaldo Luiz Victoria.
O grupo do Cena analisou as transferências de
nitrogênio e a biodiversidade de peixes de duas bacias interligadas em
Rondônia, com 800 metros de extensão e as mesmas condições físicas. Uma das
bacias, no entanto, era margeada por áreas de pastagem de gado e a outra
possuía mata ciliar.
Os pesquisadores observaram que o rio que teve
sua cobertura vegetal modificada apresentava apenas uma espécie de peixe,
enquanto o curso da água cuja mata ciliar foi mantida possuía 35 espécies.
Também houve alteração significativa da diversidade de espécies de
invertebrados observada.
A desigualdade no acesso aos abundantes recursos
hídricos existentes no território brasileiro foi tema da terceira e última
palestra do encontro, proferida por Humberto Ribeiro da Rocha, do Instituto de
Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG/USP).
BIOTA EDUCAÇÃO
O ciclo de conferências organizado pelo Programa
de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da
Biodiversidade do Estado de São Paulo em 2014 tem como foco os serviços ecossistêmicos.
Outros dois encontros estão programados para este
semestre, com os temas: “Biodiversidade e mudanças climáticas” (relacionadas à
perda de biodiversidade) e “Biodiversidade e ciclagem de nutrientes” (um
exemplo é a influência da biodiversidade sobre a poluição e o equilíbrio de
dióxido de carbono e oxigênio na atmosfera).
A iniciativa é voltada à melhoria do ensino da
ciência da biodiversidade. Podem participar estudantes, alunos e professores do
ensino médio, alunos de graduação e pesquisadores. Mais informações sobre os
próximos encontros estão disponíveis em www.fapesp.br/8441.
Fonte: Agência
FAPESP
Nenhum comentário:
Postar um comentário