Não é por 0,20, é por 3 bilhões!
artigo de Montserrat Martins.
Charge por Thiago Lucas, no Humor Político
[EcoDebate] A Petrobras comprou em 2006 uma
empresa que valia 42 milhões de dólares no ano anterior e que, após litígio
judicial, acabou custando ao todo 1,18 bilhão de dólares. Estando o dólar em
torno de R$ 2,30, isso significa que o custo chegou a 2,7 bilhões de reais na
cotação oficial, ou seja, quase 3 bilhões de reais por uma empresa que valia
menos de 100 milhões. Uma CPI da Petrobras seria tão importante quanto uma do
BNDES, cujos negócios também são em bilhões e que vão de financiar
investimentos especulativos do Eike Batista a tantos outros mega
empreendimentos de benefício duvidoso, não só no Brasil (Copa do Mundo
incluída), como no exterior.
Os governistas alegam que criar uma CPI da
Petrobras agora tem uma mera motivação partidária, quer dizer, um interesse
menor e não o do país. De fato, só se abrem CPIs com número suficiente de votos
e isso passa pelos partidos. Da CPI sobre o PROER, num governo anterior, a
população pouco se lembra, mas já em 2002 o Banco Central admitiu que perderia
cerca de 10 bilhões com aquele programa de ajuda do governo ao sistema
financeiro, quer dizer, aos bancos privados. Em outubro de 2013 foi feito um
acordo judicial no qual o governo abre mão de mais 12,8 bilhões na dívida, para
que cinco bancos que receberam socorro federal renunciem a ações na Justiça
para reduzir o débito que ainda não quitaram.
Quando esses assuntos vem à tona, grande parte da
população se revolta e seus desabafos expressam a descrença no Estado como um
todo. Mas é impossível mudar qualquer coisa sem ampla divulgação e muita
polêmica. As denúncias sobre o PROER serviram para que a Lei de
Responsabilidade Fiscal proibisse aportes de recursos públicos para saneamento
do Sistema Financeiro Nacional. O governo de então alegava que o saneamento do
sistema financeiro seria ao fim das contas com recursos do próprio sistema, a
CPI demonstrou que era o dinheiro público que estava sanando o rombo. O Banco
Central foi apontado na época como tendo “omissão criminosa” pois os relatórios
internos que apontavam para irregularidades e prenunciavam a crise não foram
devidamente considerados pelas autoridades.
As pessoas mais descrentes dos governos, do
Estado e da política desistem desses assuntos e canalizam seu espírito de luta
para questões que consideram mais próximas de suas vidas. Dirigentes de Inter,
Grêmio, Corinthians, Flamengo, são mais fiscalizados pela população que os do
BNDES, Banco do Brasil ou Petrobras. Há episódios de dirigentes de clubes
ameaçados de morte por torcedores furiosos, que culpam suas diretorias por má
gestão. Nunca ouvimos falar de uma multidão furiosa na frente de nossas
estatais, querendo a cabeça dos maus gestores.
Como o Conselho de Administração da Petrobras,
instituições reguladoras e fiscalizadoras podem ter errado tanto? A cláusula
que o governo alegou desconhecer se chama “pull option” pela qual, em caso de
litígio, uma empresa deveria comprar a parte da outra. Foi assim que em 2006 a
Petrobras pagou 360 milhões de dólares pela metade (de uma empresa em 2005
havia sido comprada por 42 milhões) e depois do litígio teve de pagar outros
820 milhões de dólares pelos 50% restantes.
Por maus negócios assim, que chegam aos bilhões
de reais, toda investigação que fiscalize os governantes – de todos os partidos
– sobre a gestão da coisa pública, deve ser bem vinda. Não é mera questão
partidária nem mesmo só de governo, é questão de Estado, de responsabilidade
pela coisa pública – e assim tem de ser tratada.
Montserrat
Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.
Fonte: EcoDebate
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