A ideia de desenvolvimento nega a
identidade dos povos, diz Mia Couto na bienal.
A utopia do desenvolvimento sustentável foi o
tema do debate que reuniu cientistas, escritores e até presidente da República
na 2ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura, ontem (16), em Brasília. O escritor
moçambicano Mia Couto criticou a ideia de que a natureza pode ser “controlada,
administrada”. Para ele, é preciso localizar as razões pelas quais o mundo
enfrenta, hoje, uma crise ambiental profunda: “Esse sistema não está mal porque
não anda bem. Está mal porque produz miséria, desigualdade, causa ruptura em
modos que vida que aí, sim, poderiam ser sustentáveis”.
Crítico da ideia de desenvolvimento sustentável,
o escritor e também biólogo avalia que a ideia de desenvolver traz uma negação.
“Estamos retirando o núcleo central, o ambiente. E essa negação é a negação da
identidade cultural dos povos que foram expropriados”. Povos cujos modos de
vida poderiam inspirar uma relação do homem com a natureza, que seja baseada no
respeito e não na compreensão “de que a natureza pode ser vista como um recurso
natural”, segundo Mia Couto.
Integrante do Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas, ligado às Organizações das Nações Unidas (ONU), o
cientista Carlos Nobre defendeu a ideia de desenvolvimento sustentável. A
sustentabilidade, para ele, deixaria de ser um adjetivo do desenvolvimento para
transformar-se em substantivo que explica a relação com o mundo ou desejos,
como felicidade, equidade e justiça. Ele destacou a gravidade das mudanças
climáticas e os impactos ambientais decorrentes delas: “Os riscos que estamos
colocando para o planeta, nas próximas décadas, séculos e milênios, são
enormes. Nós estamos conduzindo a biologia do planeta à sexta grande extinção.
Nós estamos produzindo, por ações humanas, a extinção de até 40% das espécies”.
O presidente de Gana, Dramani Mahama, que é
historiador e especialista em uso de tecnologia para a agricultura, alertou
para a necessária mudança no comportamento dos seres humanos. “Se não criarmos
uma teoria que nos ajude a sustentar a raça humana no mundo e continuarmos com
essas taxas de consumo, o que vai acontecer com a raça humana?”, questionou, ao
destacar que a população despeja diariamente a mesma quantidade de alimento que
consome, e que, por outro lado, falta alimento a parte da população. “Nós
precisamos aprender a existir com todas as espécies em nosso planeta, que é o
único que temos. E nós só vamos aprender se mudarmos nosso conceito de
felicidade e de bem-estar”, sentenciou.
A mudança de paradigma, que conduza a outra
relação com a natureza, para os debatedores, deve começar desde já. A
tecnologia e a inteligência humana devem ser usadas como ferramentas para a
superação da crise atual, e a literatura deve ser capaz de despertar sensibilidades
e reflexões. Para a Agência Brasil, Mia Couto disse que a
literatura pode, desde já, “mostrar que o ambiente não é assim como nós o
arrumamos; mas é tudo; não está fora de nós; está dentro de nós. A literatura
pode fazer, e deve fazer essa denúncia daquilo que é uma espécie de fabricação
permanente da desigualdade e da miséria”, afirmou. Crítico da situação atual, o
escritor alertou: “Nós estamos falando de uma situação que poderá ser
catastrófica. Mas para dois terços da humanidade, essa catástrofe já está aqui
e vem por causa da fome, da guerra”.
Fonte: Agência Brasil
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