Alimento saudável versus produção
mercantil do agronegócio, por Guilherme C. Delgado.
Em geral, nos artigos de conjuntura analisamos
fatos e situações devidamente contextualizados. Neste, o objeto principal são
duas graves omissões ao conhecimento público que abordaremos, na expectativa de
contribuir em algo para superá-las.
Duas questões de utilidade pública e forte
interesse social estão no momento merecendo vir à tona, relacionadas à produção
e consumo de alimentos oriundos da agricultura e das cadeias agroindustriais
conexas.
No primeiro caso, restrito ao Brasil,
indagaríamos à ANVISA por que desapareceram do seu ‘site’, desde julho de 2012,
as pesquisas semestrais que realizava sobre contaminação por agrotóxicos de
frutas e verduras, em praticamente todos os estados do país.
A pesquisa, realizada com a maior seriedade
técnica, com base em amostras de varejo de cerca de 20 produtos – frutas e
verduras de largo consumo da população –, por três laboratórios independentes
em cada estado pesquisado, orientavam o consumidor para os riscos de
contaminação de determinados alimentos. Mas foram suspensas, não renovadas e as
que hoje ainda estão na ‘internet’ referem-se a amostras coletadas entre 2010 e
2012.
O leitor deve indagar o porquê de tal omissão,
quando se trata de informação da maior relevância aos direitos de cidadania e
mais especificamente à liberdade de informação, dos quais o cidadão é o
principal titular. Há notícias variadas sobre pressões de vários segmentos
ruralistas e um resultado nada satisfatório – silêncio obsequioso da ANVISA e
nenhuma denúncia ou investigação da situação pela grande imprensa, que antes
noticiava até com certo sensacionalismo essas informações de contaminação dos
alimentos.
Ora, se alimentos ‘in natura’ já não são
confiáveis em pouco mais de 1/3 das amostras levantadas nessa pesquisa,
poderíamos confiar plenamente nos alimentos que saem da indústria alimentar?
Esta segunda indagação tem sido objeto de preocupação, não só no Brasil, como
no mundo inteiro, dos órgãos de saúde pública, especialmente da Organização
Mundial de Saúde.
Alertam-nos para o relativo descontrole da
indústria, seja por razões técnicas, seja por estratégia mercantil, para o uso
excessivo de sal, açúcar, gorduras e conservantes, adicionados invisivelmente aos
bens de consumo de massa. Esses aditivos estariam na linha de causalidade de
várias doenças crônico-degenerativas que afetam a saúde pública (renais,
circulatórias, hepáticas, pulmonares etc.) e que são atribuídas aos hábitos
alimentares induzidos pelo sistema agroindustrial.
O grave da situação de omissão a que estamos nos
reportando é o fato de que há um regime alimentar sendo vendido em prosa e
verso como de grande modernidade e liderança do Brasil em várias cadeias
agroindustriais (carnes, açúcares, rações etc.), mas não se detém um controle
público e uma informação transparente sobre as consequências dos alimentos
consumidos sobre a vida das pessoas.
É muito forte a suspeita de captura
político-ideológica, seja dos órgãos reguladores sobre a produção primária –
Defesa Sanitária (Ministério da Agricultura) e ANVISA (Ministério da Saúde) –,
seja de parte da mídia, pelas pressões dos complexos agroindustriais. E sem a
restituição ao Estado e à imprensa, respectivamente, o exercício de uma efetiva
função de regulação e da informação sobre assuntos de alto interesse da esfera
pública, não se avançará sobre a produção dos alimentos saudáveis no Brasil.
De imediato, cabe uma palavra de esclarecimento
da ANVISA sobre as razões de ter deixado de produzir matéria de alto interesse
à segurança alimentar da população, como vinha fazendo há alguns anos. E sobre
o consumo de alimentos industrializados, tudo o que sabemos é muito precário.
Afinal, não se pode onerar ainda mais o indivíduo com toda a responsabilidade sobre
a própria saúde, desonerando o Estado de uma firme função regulatória e as
mídias do legítimo exercício da liberdade de imprensa sobre questões de alta
utilidade pública.
Guilherme Costa Delgado é doutor em economia
pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
Fonte: Correio da Cidadania
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