Base Econômica Extrativista
Engessa o Desenvolvimento da Amazônia, artigo de Raimundo Nonato Brabo Alves.
Foto: Rios Vivos
Na Amazônia quase tudo é mero
extrativismo, menos na força intelectual de seu povo.
A
Amazônia Legal com 5.217.423 Km2, correspondente a 61% do território
brasileiro, com 12,32% da população (IBGE, 2004). Originado em maior expressão
pela mineração, atividade madeireira e agronegócio, neste com maior relevância
para a pecuária e agricultura industrial, foi divulgado festivamente pela mídia
em 2008 que o PIB regional cresceu 22,4%, duas vezes mais que a média nacional,
enquanto o PIB brasileiro acumulava crescimento de 10%. Contudo a riqueza
gerada na região contribuía com menos de 8% no PIB nacional, de acordo com os
últimos dados disponíveis (IBGE, 2005). Seria essa dicotomia consequência da
base econômica da região, que tem como lastro a exportação de matéria-prima não
elaborada, com a predominância no volume de recursos minerais?
Respeitando
o clássico extrativismo, aquele praticado há séculos por populações
tradicionais da Amazônia em equilíbrio com o meio ambiente, a atividade
proporciona a mera sobrevivência das comunidades coletoras, mesmo que alguns
produtos gerem riquezas para grupos empresariais que as transformam. A maioria das
atividades econômicas da região poderia ser denominada de “extrativista
produtivista”, cuja escala e velocidade de exploração sem reposição, não
respeita a capacidade de regeneração da natureza.
A
mineração como geradora de maior parcela do PIB da Amazônia, tem no ferro o
produto de maior volume de exploração colocando o Brasil como segundo maior
produtor com 390 milhões de toneladas em 2011 (IBRAM, 2012), impondo uma pressão enorme no extrativismo
do recurso florestal para transformação em carvão, usado na fabricação de ferro
guza para exportação. Tanto que a pressão dos órgãos de fiscalização sobre o
extrativismo ilegal de madeira pelas carvoarias que destinam o carvão para a
atividade mineral, mais a necessidade de competir com o ferro da Ucrânia que
chega ao mercado internacional a U$ 400 a tonelada, resultou recentemente no
fechamento de sete das 10 guzeiras instaladas em Marabá, no estado do Pará,
causando desemprego e caos social no sudeste paraense.
Representantes
do setor se mobilizam para a reativação das guzeiras, na esperança de obter o
ferro bruto a preço mais baixo das mineradoras, a ponto de obter preço
competitivo no mercado internacional e segundo afirmam, recomeçar com novo
enfoque de sustentabilidade da produção, com as empresas apresentando seus
ativos florestais e seus planos de manejo.
O
extrativismo mineral agrava mais ainda a realidade regional pela proteção da
Lei Kandir que isenta a atividade mineradora de recolher os impostos tão
necessários aos investimentos na Amazônia, apesar de ser a atividade mais
expressiva em exportação. A necessidade de verticalização do setor na região é
imperiosa. Lamenta-se que no Estado do Pará não existe sequer uma fábrica de
pregos, mesmo sendo o estado mais rico em minerais do Brasil. O que se
quantifica na região são os problemas ambientais decorrentes da atividade,
principalmente quanto aos seus rejeitos tóxicos.
A
atividade madeireira é puro extrativismo. Quase toda a madeira serrada na
Amazônia é de floresta nativa e pelo menos 70% foi considerada de extração
ilegal, isto é, de áreas sem projeto de manejo florestal. De atividade
extrativa oriunda de floresta nativa, dos 34,3 milhões de m3 de lenha
produzidos no Brasil, a região Norte contribuiu com 18,47% (6,34 milhões de
m3). Dos 14,92 milhões de m3 de madeira em tora oriunda de floresta nativa, a
região Norte contribuiu com 62,52% (9,33 milhões de m3) (IBGE 2012).
De
1,159 milhão de toneladas de carvão oriundo de floresta nativa no Brasil, foi
contabilizado para a região Norte apenas 7,4% (85.949 toneladas) (IBGE 2012),
provavelmente pela dificuldade de quantificação do produto, principalmente que
grande parte é de origem clandestina e ilegal, montante que não condiz com as
taxas de desflorestamento. O carvão vegetal altamente demandado na região ainda
é produzido em carvoarias arcaicas e de baixo rendimento (fornos tipo rabo
quente), que poluem o ambiente, com perdas importantes de subprodutos como o
ácido pirolenhoso e alcatrão e submete seus operadores a trabalho degradante.
Na
atividade de silvicultura, dos 56, 7 milhões de m3 de lenha produzidas no
Brasil de floresta cultivada em 2012, não há registro de produção para a região
Norte. De 5,09 milhões de toneladas de carvão oriundo de floresta cultivada, a
região Norte produziu menos de 1% (858 toneladas), a despeito da forte demanda
de carvão para a siderurgia. Dos 131,8 milhões de m3 de madeira em tora oriunda
de floresta cultivada, a região Norte produziu apenas 2,92% (3,8 milhões de m3)
(IBGE 2012). O reflorestamento é incipiente na Amazônia e nem começou a ser
quantificado como atividade econômica pelo IBGE, a despeito de importante
demanda de florestas energéticas. No entanto mensalmente as taxas de
desflorestamento são anunciadas, enquanto necessitamos urgentemente quantificar
taxas crescentes de reflorestamento na Amazônia.
A
pecuária é responsável por expressivo percentual de desflorestamento. O
crescimento dos rebanhos está diretamente correlacionado com o aumento do desmatamento
na região, problema que vem sendo apontado de maneira detalhada por
organizações ambientais há anos e órgãos do próprio Governo Federal. Em 2008, o
Greenpeace apresentou o relatório “A Farra do Boi na Amazônia”, que relaciona a derrubada da
floresta com a abertura de novos pastos. No mesmo ano, o Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais, apresentou um levantamento detalhado feito com
base em imagens de satélite indicando que 62,2% dos quase 720 mil km2 desmatados na
Amazônia até então haviam sido ocupados por pastos. A pecuária é a
atividade imediatamente seguinte à retirada da floresta, de caráter
especulativo para assegurar a posse da terra. Com exceções, a formação dos
pastos na Amazônia não é feita e nem mantida com fertilização dos solos,
resultando em aproximadamente 11,9 milhões de hectares de pastos degradados (Terraclass, 2011).
Poucas
culturas industriais como a palma de óleo e a soja utilizam insumos para
reposição da fertilidade dos solos cultivados. As demais culturas e a pecuária,
com raras exceções, se instalam utilizando o sistema de derruba e queima das
florestas ou capoeiras de segundo ciclo. Não seria exagero afirmar que o
principal insumo na Amazônia são as cinzas da biomassa das florestas e
capoeiras. Tanto que se utiliza na Região Amazônia menos de 2% de todo o
fertilizante consumido no Brasil (24,5 milhões de toneladas) (ANDA, 2010). A
exploração de culturas e pastagens sem a reposição da fertilidade do solo
configura-se em uma atividade extrativista, de “garimpagem” de nutrientes,
resultando em um balanço negativo, isto é, as culturas e pastagens retiram mais
nutrientes com as colheitas que o resíduo que fica no solo, resultando nas
indesejáveis áreas degradadas.
A
produção de energia elétrica baseada em construção de barragens com a mera
exportação de energia para o sul e sudeste do país somada à exportação para o
exterior de energia embutida na transformação eletrointensiva de minerais para
ferro guza e alumina, sem a verticalização desses produtos na região, que gere
emprego e renda e melhore as condições econômicas e sociais da população, pode
configurar-se também como um mero extrativismo.
Pesquisas
comprovam que metade das emissões de gazes de efeito estufa gerados na
Amazônia, são oriundos da demanda de produtos consumidos fora da região, isto
é, no sul e sudeste ou para exportação. De acordo com dados obtidos do segundo
Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa (publicado no final
de 2010, abrangendo o período de 1990 a 2005), o Brasil emitiu mais de 2,1 gigatoneladas
de gás carbônico equivalente (CO2e) em 2005. A Amazônia contribui com mais
de 50% das emissões de GEE do país.
A
Amazônia necessita urgentemente mudar sua base econômica desse “extrativismo
produtivista” para uma economia de verticalização da produção. Polos
industriais devem ser planejados e implantados em regiões estratégicas da
Amazônia para agregar valor a essa gama de matérias primas disponíveis e tirar
a região da condição de “almoxarifado” do mundo. A Amazônia carece de uma
agência de planejamento que possa gestar projetos estruturantes, necessários à
modernização da logística regional, minimizando o planejamento exógeno.
Valorizar o seu capital social, com investimento em educação e
profissionalização, desacelerando o extrativismo de seus recursos naturais e
intensificando a “garimpagem” intelectual de seu povo. Só assim haverá elevação
do PIB da Amazônia elevando sua participação na economia nacional, com geração
de emprego e renda e agregação de valores aos produtos de exportação e agronegócio.
Raimundo
Nonato Brabo Alves é Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental
Fonte: EcoDebate
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