Sem Copa verde: como Manaus se
prepara para o megaevento.
A arena de futebol custou aos
cofres públicos mais de R$ 600 milhões e ninguém sabe o que será dela depois; a
reforma do porto consumiu R$ 71 milhões de recursos federais (via DNIT) e
teve o processo de licitação contestado – as obras foram há pouco retomadas mas
ainda não se sabe o porto estará pronto antes da Copa. As obras do aeroporto
internacional Eduardo Gomes soterraram um curso d’água e desmataram um área
protegida da capital amazonense. Os centros de treinamento – dois – não têm
data para abertura.
Quando Manaus foi escolhida para sediar quatro
jogos da Copa, a decisão foi saudada pela imprensa local e por políticos e um
clima de euforia reinou na cidade. Uma lista de projetos que fariam parte “do
legado da Copa” entrou nas agendas de discussão dos gestores públicos e passou
a pautar reportagens e debates: obras de mobilidade urbana, incremento da rede
hoteleira, revitalização de áreas degradadas, melhorias no transporte público.
Até mesmo um projeto de geração de energia solar, que seria instalado no
entorno da Arena da Amazônia, foi previsto no pacote.
A maioria dos projetos foi abandonada ao longo do
caminho e a população não esqueceu. Pressionados agora a dar uma resposta à
sociedade, os gestores públicos se empenham em anunciar como “legado”
intervenções de menor porte, planejadas a toque de caixa, na área de segurança
pública, do trânsito urbano.
O desapontamento com o (não) legado da Copa vem
acompanhado pelo desalento trazido pela morte de três operários ao longo da
construção da Arena da Amazônia: foram duas mortes em 2013 e uma nesse início
de fevereiro de 2014. Uma quarta morte, embora não associada diretamente a
acidente de trabalho, também trouxe comoção ao canteiro de obras – um
trabalhador morreu vítima de infarto – e marcou Manaus com a cidade-sede
da Copa com o maior número de acidentes fatais durante os preparativos para o
megaevento. A construtora Andrade Gutierrez – uma das mais beneficiadas pelas
obras da Copa no país – é alvo de uma ação por dano moral coletivo e, em 7 de
fevereiro deste ano, o Ministério Público do Trabalho pediu prioridade no
julgamento dessa ação contra a responsável pela obra, no valor de R$ 20
milhões.
Momento “positivo”
Nem mesmo o gestor da Copa – como é informalmente
conhecido o cargo de coordenador da Unidade Gestora do Projeto Copa em Manaus
(UGP Copa), criado pelo governo do Amazonas – Miguel Capobiango, cita
mais as prometidas obras de mobilidade e revitalização urbana ao falar do
legado da Copa. “O principal legado que a Copa vai deixar para Manaus é a
visibilidade”, ele diz. “E ela trará turistas. Então, é preciso tentar dentro
do projeto da Copa fazer com que este momento de visibilidade se torne um
momento positivo”, incentiva.
Não vai ser fácil mostrar um cenário tão
“positivo” para os visitantes. Embora detenha o sexto PIB do país, segundo o
IBGE de 2010, sobretudo por abrigar o Polo Industrial de Manaus (PIM), a cidade
se destaca por sua elevada desigualdade social. O Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDH) vem melhorando, hoje é de 0,737 (o
máximo é 1), mas o Índice Gini, usado para medir a concentração de renda,
indica que a desigualdade em Manaus vem crescendo: passou de 0,56 em 1991 para
0,61 em 2010 (numericamente, O significa total desigualdade e o 1, completa
desigualdade).
Eliane Nascimento que vive com sua família em um
barco no Igarapé de Educandos.
(Foto: Elaíze Farias)
(Foto: Elaíze Farias)
“Prometeram um legado, mas isso não passou de
discurso. Está muito claro quem está ganhando com a Copa em Manaus: as
construtoras, os organizadores, os dirigentes do Estado e a própria Fifa. Esses
são os que vão lucrar com as grandes somas investidas. Enquanto isso, as
mazelas da cidade estão expostas”, afirma Hamilton Leão, presidente do
Instituto Amazônico de Cidadania (IACi), uma das organizações de Manaus mais
atuantes na cobrança dos gastos públicos na cidade.
“Fazem tantas propagandas sobre a cidade que não
correspondem à realidade. Se quiserem fazer um raio-X da cidade não perguntem
ao empreiteiro, ao empresário, ao homem público. Vá a um bairro da periferia e
consulte o cidadão comum e veja como é o dia-a-dia dele e pergunte se a
Copa está trazendo algum benefício para ele”, completa.
Aposta de risco no turismo
A aposta no crescimento do turismo é um risco:
Manaus tem uma rede de hotelaria pequena para o aumento projetado durante e
depois da Copa. A Unidade Gestora da Copa estima que 18 mil turistas visitarão
Manaus no período da Copa, enquanto Capobiango diz que Manaus tem 14 mil leitos
em hotéis convencionais. Há os chamados “3 mil leitos alternativos”, instalados
em motéis, locações temporárias em residências e até em embarcações localizadas
na orla de Manaus.
O governo do Amazonas reservou um montante de R$
10 milhões para divulgar o turismo pré-Copa em “ações voltadas para workshops
de educação para operadores e jornalistas de turismo, nacionais e
internacionais, dando ênfase aos oito países da Copa e às 11 cidades sedes do
Brasil”, segundo declarações da titular da Amazonastur, Orenir Braga. As ações
incluem também anúncios publicitários em revistas de bordo de companhias aéreas
e revistas especialistas” e participação do órgão em feiras de turismo no
exterior e no Brasil, que deverão começar em março, segundo o cronograma da
Amazonastur.
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Momento “positivo”
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Momento “positivo”
Localizada no centro do maior Estado da Amazônia,
a capital do Amazonas, que conserva 90 % de cobertura florestal, foi escolhida
como cidade-sede em 2009 mesmo sem ter nenhum time de expressão no futebol
brasileiro. A surpreendente vitória contra a outra forte candidata, Belém (PA),
com maior tradição no esporte, pode ser atribuída a uma boa campanha de
marketing: Manaus vendeu a marca “Copa Verde” – a “capital da floresta
amazônica”.
Mas a realidade urbana é bem diferente da imagem
projetada. Manaus é uma cidade com arborização mínima (com exceção das poucas
áreas preservadas por lei), fruto de uma política de urbanização que jamais
valorizou a vegetação nativa (incluindo o próprio entorno da Arena Amazônia,
onde não se vê árvores).
A preservação da arquitetura também não é o forte
da cidade e a Copa parece ter contribuído para uma perda nessa área. Todos
esperavam, por exemplo, que o antigo estádio, o Vivaldo Lima, chamado de
Vivaldão, criado pelo renomado arquiteto Severiano Mário Porto fosse
reformado. Mas, apesar da comoção em muitas pessoas que tentaram impedir sua
derrubada, ele foi demolido. Somente um novo estádio corresponderia às
exigências da Fifa, justificou-se.
O transporte público também é precário e as
prometidas obras de mobilidade foram abandonadas. Entre as mais importantes
estavam uma linha de monotrilho que faria a ligação da Zona Norte (a mais
populosa de Manaus) ao centro da cidade e o corredor exclusivo para ônibus
(chamado de BRT – Bus Rapid Transit). O monotrilho foi orçado em R$ 1,3 bilhão
e o BRT em R$ 200 milhões e ambos seriam bancados com recursos públicos locais
e federais.
Ministério Público do Trabalho vistoriou as obras
no Aeroporto de Manaus
A ausência de dados técnicos fundamentando os
projetos, porém, provocou uma série de questionamentos do Ministério Público
Federal (MPF), do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria Geral da
União (CGU). A sociedade civil também questionou o traçado do monotrilho quando
ele ainda estava no papel pela possibilidade de centenas de desapropriações e
de impactos em área tombada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional) no centro de Manaus.
Em outubro de 2013, acatando a uma ação do MPF, a
Justiça Federal do Amazonas determinou, em liminar, a suspensão das obras do
monotrilho, e orientou a Caixa Econômica Federal a não liberar empréstimos para
o governo do Amazonas. Até o momento, não há informações de que o governo
estadual tenha recorrido da decisão, mas empresas que ganharam a licitação, em
2011, sim. O caso está no Tribunal Regional Federal (TRF1), em Brasília.
Aposta de risco no turismo
Aposta de risco no turismo
O projeto do monotrilho acabou sendo retirado da
Matriz de Responsabilidade da Copa e transferido pelo governo do Amazonas para
o PAC da Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades, mas isso não altera em
nada a ação do MPF, já que as irregularidades permanecem como explica o
Procurador da República Jorge Medeiros, que atua na área do patrimônio público.
“O monotrilho não tem a devida especificação do
que deve ser licitado. Tem rubricas abertas, que constam apenas como ‘verbas´.
Verbas para que? A justificativa que era que apenas depois da licitação é que
seria possível determinar. O que é uma temeridade. A lei exige que o
detalhamento seja prévio. Isso gera problema concreto porque, se não existe
especificação antes, que já é ilegal, no momento posterior, fatalmente vai ter
termos aditivos”, diz o procurador, que aponta ainda outra irregularidade
identificada no projeto: a falta de observância de exigências da lei federal de
2002 que determina que os modais de transporte devam ser inseridos no contexto
do plano diretor da cidade.
A Pública tentou ouvir, diversas vezes, a
Secretária Estadual de Infra-Estrutura (Seinfra), Valdívia Lopes, responsável
pelo projeto do monotrilho, sem sucesso.
Já o BRT foi suspenso e substituído por outro
projeto, o BRS (Sistema Bus Rapid Service), também fora da matriz da Copa.
Orçado em R$ 150 milhões, o BRS começou a ser implantado, de fato, nas últimas
semanas e apesar do pouco tempo de funcionamento, vem sendo questionado pela
população por ter sido criado sem levar em conta o fluxo real do trânsito na
cidade, trazendo mais congestionamentos.
“O BRT foi retirado da Copa porque ele estava
vinculado ao monotrilho. Com os complicadores em relação aos dois, a gente
adotou uma medida mais simples”, explicou Antônio Nelson, diretor de engenharia
da Secretaria Municipal de Infra-Estrutura (Seminf), responsável pela obra. Os
R$ 150 milhões estão sendo bancados pela prefeitura de Manaus, segundo Nelson,
mas a administração municipal espera receber do governo federal um empréstimo a
fundo perdido da Caixa Ecônomica Federal. “O Ministério do Planejamento aprovou
o projeto, mas ele ainda será analisado pela Caixa para ver se o banco libera
R$ 125 milhões. Os outros R$ 25 milhões serão do tesouro da prefeitura”, disse.
Uma arena com o futuro a definir
O governo do Amazonas terá 20 anos para pagar o
empréstimo de R$ 400 milhões ao BNDES destinado à construção da Arena da
Amazônia. O restante dos recursos – cerca de 200 milhões, vêm dos cofres do
governo estadual. Fazem parte do projeto dois centros de treinamento – o CT
Colina e o CT Coroado que custaram R$ 21 milhões e R$ 14 milhões,
respectivamente, ao governo do Amazonas.
As cifras assustam quando se junta a esses gastos
o valor estimado para a manutenção da Arena da Amazônia: R$ 500 mil por mês, de
acordo com os cálculos feitos com base nos custos do Estádio do Engenhão, no Rio
de Janeiro, explica Miguel Capobiango. De onde virá o dinheiro? Isso nenhum
gestor sabe responder. Sem uma equipe de futebol de peso (o time melhor
ranqueado no futebol brasileiro é o Nacional, que está na Série D) e, por
conseguinte, sem atrativo suficiente para chamar público para os 44 mil lugares
do estádio, o futuro da Arena Amazônia virou tema de especulação: já circularam
rumores de que se faria ali um presídio depois da Copa (mera especulação, logo
negada pelo governo) ou um shopping center.
Miguel Capobiango diz que o governo contratou uma
empresa de consultoria “para mapear o que está funcionando no Brasil e no
exterior e assim estudar o mercado” de modo a “enfrentar o desafio de manter a
arena sem que ela onere o poder público”. Uma eventual evolução do futebol
amazonense, atualmente na quarta divisão, também é mencionada: “Com um palco
adequado, o futebol passa a ter visibilidade. Se vai (o futebol amazonense) se
tornar grande, isso vai depender dos operadores do futebol”, diz, evasivo.
Autor de representações no Ministério Público
Federal e Estadual para tentar evitar a demolição do Vivaldão, o engenheiro
industrial Jerônimo Maranhão é mais contundente quando fala no assunto: “A
população vai gastar R$ 150 milhões por cada um dos quatro jogos da Copa. E
depois? O que vai acontecer? Este estádio vai servir apenas para a população
vê-lo todos os dias, quando passar de ônibus em frente a ele”, diz ele.
Segundo os cálculos do engenheiro, uma reforma
com custo máximo de R$ 200 milhões teria preservado o antigo estádio e
poupado recursos públicos. “Se era para atender exigências da Fifa, bastava,
por exemplo, inclinar a arquibancada, rebaixar o gramado, entre outras
intervenções”, afirma, questionando também o valor estimado para a manutenção
do estádio. “Como se chega a esse valor se tudo ali é novo e está na garantia?
Se, por acaso, ocorrer algum problema é a construtora que tem que responder por
pelo menos dois anos”, diz.
Miguel Capobiango, o gestor da Copa, diz que não
é verdade que a nova Arena se tornará um “elefante branco” como se comenta na
cidade. “A Arena vai gerar serviços para a população. Se falava a mesma coisa
quando foi construído o Sambódromo, em Manaus, e hoje ele é usado para caramba.
Ninguém diz que o Sambódromo é um elefante branco”, diz, referindo-se ao Centro
de Convenções de Manaus, mais conhecido como Sambódromo, onde acontecem
atividades culturais e shows musicais.
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Copa Verde
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Copa Verde
Manaus é uma cidade cortada por centenas de
cursos d’água conhecidos localmente como igarapés – microbacias que, juntas,
vão formar um grande rio. No caso de Manaus, o rio Negro, o segundo maior do mundo
em volume de água, atrás apenas do rio Amazonas.
“A importância dos igarapés está na sua atividade
biológica e química. A presença de um igarapé, além de indicar a qualidade do
ambiente, também atesta a qualidade do solo. É esse ambiente que mantém a sustentabilidade
da Amazônia”, explica o pesquisador Sérgio Bringel, da Coordenação de Dinâmica
Ambiental do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) doutor em
Hidrogeoquímica e membro do Conselho de Recursos Hídricos do Amazonas.
A maioria dos igarapés de Manaus estão poluídos
e/ou foram aterrados para obras de urbanização. Os poucos que sobrevivem
estão em áreas de proteção ambiental (APPs). Ainda assim, não tem a vida
garantida: durante as obras de ampliação do Aeroporto Internacional
Eduardo Gomes, por exemplo, uma das nascentes do Igarapé da Água Branca,
localizado no bairro Tarumã, zona Oeste de Manaus, foi soterrada. Áreas de
vegetação nativa também foram suprimidas. A obra faz parte da Matriz de
Responsabilidade da Copa.
Nascente do Igarapé da Água Branca foi soterrado
(Foto: Jó Farrah)
A área impactada é conhecida como APP do
Aeroporto foi atingida com o aval do órgão estadual Instituto de Proteção
Ambiental do Amazonas (Ipaam), que concedeu a licença para a obra. A nascente
que desaguava em um igarapé maior, o Tarumã-Mirim, alcançando então o rio
Negro, não existe mais.
O jornalista Jó Farrah, morador do Tarumã e
ativista em defesa da floresta e da fauna silvestre e dos igarapés que ainda
resistem por ali, denunciou os danos mas já era tarde para salvar a
nascente. “Começamos a fazer denúncia no facebook no perfil do Igarapé da
Água Branca e exibimos fotos. Fizemos a mesma denúncia na comissão ambiental da
Assembleia Legislativa do Amazonas e depois uma visita técnica. Fomos no local
e identificamos que não tem mais jeito. Soterraram tudo”.
A Infraero, responsável pelo Aeroporto Eduardo
Gomes, foi acionada e, segundo Farrah, admitiu que a obra foi feita no local
por opção, já que outro traçado poderia forçar desapropriações de residências,
aumentando os custos. “A Infraero justificou dizendo que só havia aquela área
para fazer a obra. Desapropriar sairia caro. Saiu mais barato destruir a
floresta e impactar o igarapé”, diz o ativista.
Desolado, Jó Farrah diz que o Igarapé da Água
Branca, um dos poucos de Manaus que tem água limpa, perderá volume com o
desaparecimento da nascente. “O igarapé da Água Branca tem água cristalina, e
pura e fria. Abastece e oxigena as águas poluídas da bacia do Tarumã-Mirim. Em
suas águas peixes como matrinxãs, traíras, bagres, carás , sardinhas e jaraquis
crescem até o tamanho certo para migrar para os rios. Sem esse igarapé este
fluxo de vida morre”, diz Jó.
Igarapé Água Branca (Foto: Jó Farrah)
Farrah também conta que durante as obras, o barro
do aterro foi lançado na parte limpa do igarapé e muitos buritizais
(palmeira típica da Amazônia) morreram soterrados pela lama. “Fizemos uma
reunião com a Infraero, que se comprometeu a realizar ações de mitigação. Mas
não sabemos quais serão. Agora, também passaremos a fazer outras cobranças. Com
a ampliação do aeroporto, queremos saber para onde vão os efluentes já que a
demanda de passageiros vai aumentar. Para onde vão jogar os resíduos? Para
outros igarapés, para o rio Negro?”, questiona.
O pesquisador Sérgio Bringel explica que quando
uma microbacia, como um igarapé, é impactada, além do desaparecimento de uma
fonte natural e da vida que ali existia, também ocorrem danos ao solo. Ao ouvir
da Pública o caso da nascente do Igarapé Água Branca, ele não tem dúvidas em
classificar a obra como um crime ambiental. E, se houve licenciamento ambiental
então também houve “falta de responsabilidade do órgão responsável”, ele diz.
A assessoria de imprensa da Infraero informou
que, em janeiro passado, a Infraero obteve do órgão ambiental licença de
instalação e disse que “todos os procedimentos administrativos e técnicos
referentes ao licenciamento foram adotados previamente junto ao órgão ambiental
competente”, e que “aguardará pela manifestação do órgão licenciador sobre possíveis
impactos ambientais”.
Procurada, a assessoria do Ipaam informou que a
obra foi licenciada e que “se houver irregularidades e descumprimento das
condicionais constantes da licença ambiental”, o órgão vai tomar medidas
cabíveis e divulgá-las.
Com um orçamento de R$ 444, 46 milhões, a
ampliação do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes é uma promessa antiga,
ressuscitada pela Copa. Com as obras, a capacidade do aeroporto, atualmente de
6,4 milhões de passageiros ao ano, subirá para 13,5 milhões ao ano, segundo a
assessoria da Infraero.
Mas, além dos prejuízos ambientais, as obras do
aeroporto também foram questionadas por irregularidades trabalhistas. Chegaram
a ser interditadas por determinação judicial em processo movido pelo MPT. No
início de fevereiro, após audiência com o MPT, as obras foram retomadas.
Segundo a assessoria de imprensa a previsão é que ele seja reinaugurado no
final de abril.
Barcos, palafitas e vista do rio Negro
Quem passa apressado pela avenida Lourenço da
Silva Braga, mais conhecida como Manaus Moderna, pouco tempo tem para observar
os detalhes de um dos lugares mais degradados do centro da cidade e, ao mesmo
tempo, um dos que possuem a vista mais bela da capital amazonense – o rio
Negro. Apesar da paisagem, os turistas que visitam Manaus são direcionados para
áreas mais arejadas e elitizadas da cidade, como a região da Ponta Negra, na
zona Centro-Oeste da cidade.
Casas no Igarapé de Educados. (Foto: Valter
Calheiros)
Se um cidadão se dignar a circular na estreita
calçada (com vários trechos quebrados) da artéria permanentemente
congestionada, vai logo perceber porque ali não há turistas. Basta se escorar
na frágil mureta que a circunda e olhar para baixo para uma vista inesquecível:
uma orla suja, cheia de lixo e uma fileira de embarcações atracadas no igarapé
de Educandos, um dos principais e maiores cursos d´água de Manaus.
Um olhar desatento nem imagina que mora gente
ali. Mas é na margem do Igarapé de Educandos, que Eliane Nascimento, 36 anos,
trabalha como vigia de embarcações junto com o marido, Pedro dos Santos, e vive
há cinco anos com os oito filhos em um barco cujo proprietário sumiu. “Eliane,
você acompanha notícias sobre a Copa em Manaus? Sabe o que significa isso?”,
pergunto. “Olha, sei pouco. Dizem que vai trazer coisas boas, mas não sei que
é. Não falam para gente disso. A senhora sabe?”, pergunta de volta Eliane.
“Será que vão melhorar as coisas aqui na época da
Copa?”, entra na conversa Estônia Gomes, 53, comandante de outro barco
ancorado. Estônia trabalha no comando do “timão” do barco transportando
produtos extrativistas de cidades do interior próximas para comercializar em
Manaus. Passa a maior parte do tempo no rio, mas tem residência fixa.
Palafitas do Igarapé de Educandos. (Foto: Elaíze
Farias)
“Seria bonito se limpassem, tirassem essa sujeira
toda que se acumula há anos”, sonha Estônia. “Olha, a gente não tem nem
água limpa para beber. Não tem torneira. Eu compro água do outro lado do rio,
num posto de gasolina e encho várias garrafas de refrigerante PET. Imagine só.
A gente morando na cidade onde tem um rio desse tamanho”, lamenta.
A cerca de 300 metros dos barcos ancorados estão
as palafitas, cujos donos não sabem até quando vão ficar. As moradias erguidas
em estacas de madeira com mais de 30 metros para resistir à cheia do rio, que
davam a Manaus o aspecto de “cidade flutuante”, perderam sua aura romântica
entre o odor do esgoto e o lixo jogado no rio. Os canoeiros continuam a fazer o
transporte entre as orlas e as casas, oferecendo serviços pagos. Foi de uma
canoa, que a Pública conseguiu conversar com alguns moradores, que ainda
sonham com melhorias também na área de Educandos. “Estou aqui há 15
anos. Gostaria de sair, mas para onde vou? Se Deus permitir, eu saio. Ou me
tiram. Mas, pra ser sincera, eu gostaria de ficar. Se ao menos limpassem o
igarapé. Está muito sujo”, diz dona Juraci de Souza, 54 anos.
A comandante de barco Estônia Gomes. (Foto:
Elaíze Farias)
Políticas públicas
A reportagem tentou saber da Prefeitura de Manaus
se a administração tem planos de revitalização, reforma ou melhorias para a
área da Manaus Moderna. Afinal, a atual gestão da prefeitura criou uma pasta,
Secretaria Municipal do Centro, apenas para responder demandas da área. Pela
assessoria de imprensa, porém, soube que aquele trecho não faz parte da atuação
desta secretaria.
A Secretaria Municipal de Infra-Estrutura
(Seminf) sinaliza com um projeto de revitalização do centro, estimado em R$ 1
milhão, que inclui pavimentação, faixa exclusiva para pedestres, balcões com
baias para estacionamento e bilheteria para passageiros que usam barcos para
viajar. Os recursos viriam da Caixa Econômica Federal, mas o banco ainda está
analisando o projeto, segundo Antônio Nelson, diretor de engenharia da Seminf.
“Esperamos que a Caixa libere esse recurso, que são sobras aplicadas em um
outro projeto anterior e que só podem ser investidas no centro”, disse Nelson.
Como política pública para os moradores das
palafitas há o Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus (Prosamim)
que realiza assentamento de famílias, com financiamento do Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID), principalmente quando afetadas por inundações durante
o período de chuva. Essas famílias são reassentadas em unidades residenciais de
baixa renda, e os igarapés canalizados, embora os pesquisadores da área de
recursos hídricos em Manaus afirmem que o ideal seria revitalizar os cursos
d´água e não aterrá-los.
Juraci de Souza, em palafita no Igarapé de
Educandos. (Foto: Elaíze Farias)
Sobre o Igarapé de Educandos, a assessoria de
imprensa do Prosamim disse que ainda não há projeto destinado às
(aproximadamente) 500 casas, e que as melhorias estão sendo realizadas em
outros áreas de igarapés da cidade. A Pública também visitou o Igarapé
dos Franceses, no bairro Alvorada I, próximo ao estádio. Além de residências
humildes, encontrou dois campinhos de futebol, desolados e precários, cercados
por um terreno baldio. Quase nada de área verde. “A maior parte dessa vegetação
é mato. E ainda temos um igarapé poluído, sujo, que tem mau cheiro. E isso
há poucos metros da arena”, disse o comerciante Francisco Gonçalves, de 80
anos, que circulou todo o trecho do Igarapé dos Franceses, um curso d’agua
manso e poluído, com a Pública (mas não aceitou sair na foto).
“Moro aqui perto mas eu nem sei dizer o que penso
sobre isso [a Copa]. Estou preocupado sobre o que vai acontecer com os
moradores durante os jogos. Imagine como vai ficar isso aqui”, diz.
Falta de água na capital da “rain forest”
Há aproximadamente 40 anos, Manaus era uma cidade
com pouco mais de 400 mil habitantes. Hoje, são quase dois milhões, segundo o
Censo do IBGE de 2010, e os bairros que eram considerados como zona Norte já
foram engolidos pela região central. A atual zona Norte forma com a zona Leste
a “periferia” da capital, carregando todos os estigmas sociais dessas áreas.
São bairros nascidos de ocupação irregular que
foram sendo urbanizados (a maioria das vezes de forma precária) por pressão dos
seus moradores. Rraramente aparecem nos anúncios publicitários, com suas ruas
esburacadas e mal iluminadas, tragadas por erosões, sistema de transporte
público caótico, fornecimento de água irregular.
Cano de água exposto na rua do bairro Nova
Floresta. (Foto: Valter Calheiros)
Um exemplo desse microcosmo da periferia de
Manaus é o bairro Jorge Teixeira, localizado na zona Leste e dividido em 13
comunidades. Uma delas se chama João Paulo, formado por três blocos (etapas,
dizem em Manaus).
Salatiel Cordovil dos Reis, 61 anos, é um dos
moradores da etapa 3 e também a principal liderança comunitária. Para respaldar
suas críticas, reclamações e denúncias contra descasos aos moradores, carrega
sempre um exemplar da Constituição de 1988.
Um dos maiores “abusos” cometidos pelas
autoridades, diz, é a cobrança de tarifa de água a que são submetidos há vários
anos os moradores do bairro. A indignação tem um motivo simples: os moradores
nunca tiveram fornecimento de água da concessionária privada Manaus Ambiental
(nome adotado há dois anos, quando até então se chamava Águas do Amazonas).
“Deixei de pagar conta de água há vários anos
pois nunca tive água em casa. Meu nome, assim como de outros moradores, foi
parar no SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), e está lá até hoje. Entramos na
justiça para não pagar”, conta Salatiel, que elenca vários outros problemas da
cidade: transporte público insuficiente, carência de posto de saúde, ausência
de obras de melhorias das vias públicas, etc.
No final do ano passado, após muita pressão
popular, a prefeitura e a concessionária de água firmaram um acordo para levar
abastecimento de água aos moradores da zona Leste e há dois meses, segundo os
moradores, a água começou a chegar, embora ainda sem regularidade e qualidade.
“Vem suja, poluída, com gosto ruim. A gente usa
para lavar louça e tomar banho, mas não para beber. Muita gente daqui de casa
passou mal e voltei a comprar água mineral”, diz a dona de casa Ângela de
Souza, 27, moradora da rua Erva Doce, no Jorge Teixeira. Ângela também está
endividada e com o “nome sujo”. Ela acumula faturas da concessionária de água
cujo valor mensal médio é de R$ 600.
“Nunca tivemos água e continuamos recebendo
faturas com esse valor. Não entendo como eles medem. Por isso decidir nunca
pagar”, diz Ângela, cuja rua exibe várias crateras enlameadas por causa de
vazamentos feitos pela concessionária para supostos consertos.
A Pública visitou outras ruas do
bairro Jorge Teixeira e os bairros Nova Floresta e Grande Vitória, também na
zona leste. Em várias partes dos bairros encontrou tubulações de água expostas
na rua, sem proteção – até pouco tempo os moradores retiravam água de poços
artesianos particulares. No bairro Nova Floresta, um morador foi flagrado
retirando água de um cano quebrado da calçada e se justificou dizendo que ela
vem mais limpa do que a que vai direto para as casas.
Francisca de Souza mostra contas de água. (Foto:
Valter Calheiros)
No bairro Grande Vitória, a aposentada Francisca
de Souza, 74, mostrou várias faturas de água que também nunca pagou: apesar de
prometido, o abastecimento de água ainda não chegou e ela continua tirando água
de um poço artesiano de um vizinho, para quem pagou R$ 700 pelo direito de uso.
Sobre o que acha da Copa em Manaus, Francisca disse: “Se vai trazer
benefícios, de certeza não será para mim, nem para a minha família, nem para o
meu bairro. Para ser sincera, eu nem sei o que significa isso de benefício de
que tanto falam”.
A Manaus Ambiental diz que o fornecimento e a
rede de distribuição de água atende a 98% da população de Manaus e que até
março pretende ampliar a cobertura para 100%. Também disse ter
incorporado 16 mil novas ligações de água ao sistema atual e que vários bairros
das zonas Norte e Leste estão sendo atendidos pelo Programa Águas para Manaus
(PROAMA).
Em relação à qualidade da água, a Manaus
Ambiental informou que a água tratada e distribuída pela concessionária atende
integralmente todas as exigências da Portaria 2914/11 do Ministério da Saúde.
Fonte: A Pública, Agência de Reportagem e
Jornalismo Investigativo, é parceira estratégica do Portal EcoDebate na
socialização da informação.
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