Para onde aponta a crise do
clima, artigo de Washington Novaes.
O noticiário recente sobre a mais longa estiagem
no Brasil em seis décadas – e suas graves consequências em vários setores de
atividade no País – traz consigo memórias incômodas e a sensação de despreparo
do poder público e da sociedade para a questão das mudanças do clima. Há muitas
décadas numerosos estudos científicos vêm alertando para a gravidade e o
agravamento progressivo das mudanças, para a necessidade de implantar sem perda
de tempo políticas e programas de “mitigação” e “adaptação” a essas
transformações. Mas têm encontrado pela frente o ceticismo – quando não o
descaso. Ou a crença nas avaliações dos chamados “céticos do clima”.
Para não ter de recuar muito no tempo o autor
destas linhas retorna, por exemplo, ao que escreveu neste mesmo espaço há uma
década (6/3/2004), quando o panorama na área do clima tinha causas opostas às
de hoje: o Nordeste, em janeiro daquele ano, recebera um volume de chuvas sete
vezes maior que sua média histórica; em alguns pontos de Goiás, em 50 dias
chovera tanto quanto em todo o ano anterior; açudes e barragens rompiam-se;
abriam-se comportas para evitar rompimentos e provocavam-se graves inundações a
jusante. Cientistas clamavam por um sistema oficial de informações que
habilitasse a sociedade para programas de adaptação e mitigação – à semelhança
do que a Europa já fazia, devolvendo seus rios ao curso natural, eliminando
barragens, evacuando as margens de rios, instalando sistemas de drenagem
urbana. O então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, advertia: “São visíveis os
sinais de mudanças climáticas, com inundações e secas cada vez mais graves”.
Mas outro artigo (26/3/2004) já acentuava que “no Brasil não se conseguiu ainda
definir regras” nem mesmo para um plano nacional de saneamento básico.
Quem quiser recuar ainda mais no tempo pode ir ao
artigo de 31/7/1998, há mais de 15 anos, que se referia à maior estiagem no Rio
Cuiabá em 65 anos, que ameaçava o fornecimento de água a 1 milhão de pessoas –
ao contrário do que acontecia no Rio Branco, no Acre, com “volumes inéditos de
chuvas” levando a temer que se repetisse por aqui o drama por que passava a
China, com as maiores inundações em 40 anos, 2,5 mil mortos, 1 milhão de
desabrigados. Dizia então o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(Pnud) que de 1967 a 1990 chegara a 3 bilhões o número de pessoas atingidas
pelos desastres climáticos.
Agora São Paulo enfrenta os dias mais quentes
desde fevereiro de 1943. O “sistema Cantareira está à beira do colapso”
(Estado, 8/2) e ameaça reduzir em 45% o suprimento de toda a água na Região
Metropolitana de São Paulo. O volume de água armazenado já caiu 13,7% em
relação ao que era em 1930. Guarulhos sofre com o racionamento dia sim, dia
não. E o panorama se repete praticamente em todo o País, intensificando o
consumo de energia elétrica.
Estudiosos como sir Nicholas Stern dizem que o
aumento da temperatura no mundo será de 4 a 5 graus até o fim do século. James
Lovelock, autor da “teoria Gaia”, chega a prever (Rolling Stone, novembro de
2013) que “a raça humana está condenada” a perder mais de 5 bilhões da
população até 2100, com o Saara invadindo a Europa, Berlim tornando-se mais
quente do que Bagdá. A temperatura subirá 8 graus na América do Norte e na Europa.
Segundo a Organização Mundial de Meteorologia, “não haverá pausa no aumento da
temperatura”; cada década será mais quente.
Michael Bloomberg, o bilionário ex-prefeito de
Nova York, hoje à frente de várias iniciativas “ambientalistas”, sugere o
fechamento imediato de todas as minas de carvão mineral, a maior fonte de
poluição – mas por aqui já pusemos em atividade as nossas termoelétricas a
carvão, as mais poluidoras e mais caras. Enquanto isso, a safra de soja em São
Paulo já se perdeu em 40% (Estado, 7/2), com prejuízo de R$ 744 milhões. Em
Goiás já se foram 15%. E o mundo subsidia o consumo de petróleo.
Não adianta mais exorcizar os que os “céticos”
chamavam de “profetas do Apocalipse”. Nem fechar os olhos à realidade. Temos de
conceber e adotar com muita urgência um plano nacional para o clima. Que inclua
regras rigorosas para a ocupação do solo, impeça o desmatamento, promova a
recuperação de áreas, proteja os recursos hídricos. Obrigue os administradores
públicos a tratar com urgência também do solo urbano e dos planos de drenagem,
além da contenção das emissões de poluentes nos transportes. E que nos imponha
repensar nossa matriz energética. É preciso conferir prioridade absoluta às
fontes de energia “limpas” e renováveis. Avançar com a energia eólica, já
competitiva e ainda desprezada. Estimular os formatos de energia solar, que
avançam a toda a velocidade no mundo. Voltar a conferir preferência às energias
de biomassas, inclusive ao álcool, em que o Brasil foi pioneiro e agora importa
dos Estados Unidos para baixar índices de inflação, com o etanol nas bombas
prejudicado pela política anti-inflação de segurar os preços dos combustíveis.
Não é só. Temos de caminhar sem retardo para
conferir, na matriz energética, prioridade para a microgeração distribuída.
Gerada localmente e consumida também localmente, essa microgeração – que pode
ser, por exemplo, resultante do aproveitamento de biogás proveniente de dejetos
animais, como se está fazendo no Paraná e se começa a fazer em outros lugares –
permite ao produtor rural deixar de pagar contas de energia e ainda vender o
excedente da produção às distribuidoras. Sem “linhões” fantásticos, caríssimos
(já temos mais de 100 mil quilômetros deles), desperdiçadores de energia. Sem
megaprojetos de geração que custam os olhos da cara e exigem juros gigantescos.
Este é o caminho do futuro: o desenvolvimento
local, com microgeração de energia. Sem concentrar a propriedade, sem
concentrar a renda. E se tivermos competência e sorte, reduzindo a emissão de
poluentes e contribuindo para atenuar as mudanças do clima.
*Washington Novaes é jornalista. E-mail:
wlrnovaes@uol.com.br
Fonte: O Estado de S.Paulo
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