segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Resíduos plásticos e agrícolas estão transformando os oceanos em lixões invisíveis
Foto: Sanibel Sea School

Os cientistas ficaram horrorizados ao entrar no chuveiro e encontrar pequenas bolinhas coloridas, de 2 a 3 mm de diâmetro, misturadas ao sabonete líquido oferecido pelo hotel. Era o prenúncio de uma crise no início da conferência sobre poluição nos oceanos promovida pelas Nações Unidas em Montego Bay, na Jamaica, no fim de 2013, e que acontecia no mesmo lugar onde todos os 250 participantes estavam hospedados.

A reportagem é de Daniela Chiaretti, publicada pelo jornal Valor, 20-01-2014.

A suspeita dos pesquisadores era de que o sabonete fosse um daqueles produtos de higiene pessoal que vêm com microesferas de plástico. Elas vêm sendo usadas nos últimos 10 anos pelos fabricantes de cremes de barbear, xampus, esfoliantes e outros cosméticos. As estações de tratamento de água não foram projetadas para reter partículas tão pequenas e as bolinhas acabam indo da pia direto para os mares. Plásticos são um grande desastre para os oceanos e ecossistemas costeiros, e quanto menores, pior o estrago. Microesferas plásticas são encontradas em ostras, mariscos e até baleias.

A conferência promovida pelo governo da Jamaica e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) debatia justamente os elos entre as atividades terrestres e seu impacto no mar. O cenário não é animador: esgotos, produtos químicos e plásticos estão transformando as costas em lixões, reduzindo a biodiversidade marinha e aumentando as zonas mortas em todos os oceanos.

“Resíduos plásticos são um problema transfronteiriço clássico”, diz estudo do Pnuma. “É possível recuperar uma parte através da limpeza das costas, mas há muito mais em áreas não visíveis do oceano, tanto na superfície como no fundo”, continua. “Os oceanos estão sofrendo e as soluções não podem vir de um único país”, disse Elizabeth Maruma Mrema, vice-diretora do Departamento de Políticas Ambientais do Pnuma. “Temos que buscar parcerias, dividir as melhores práticas e o setor privado têm que estar a bordo”, continuou.

É difícil quantificar o volume de lixo que chega aos mares do mundo, só é possível fazer estimativas. Em 1997, a Academia de Ciências dos Estados Unidos estimou o volume em 6,4 milhões de toneladas anuais. Outros cálculos projetam que 8 milhões de itens de lixo vão para os oceanos todos os dias. Os navios seriam responsáveis por 5 milhões disso, segundo o Pnuma.

Outras análises falam em 13 mil pedaços de lixo plástico flutuando em cada quilômetro quadrado de superfície oceânica. Estima-se que 90% dos esgotos dos países em desenvolvimento cheguem aos rios, lagos e mares sem tratamento, sem falar no excedente dos produtos químicos usados na agricultura – um fenômeno conhecido como ciclo do fósforo e do nitrogênio. Segundo a Global Partnership for Oceans, aliança internacional de governos, ONGs e empresas, existem atualmente 405 zonas mortas nos oceanos – lugares onde a vida marinha não pode sobreviver.

Neste panorama, as microesferas de plástico aumentam o desastre. “Há dois problemas complexos relacionados aos microplásticos: o físico, do plástico que não degrada, e o químico, que tem a ver com o produto que está dentro das microesferas”, diz o britânico Peter J. Kershaw, especialista em ecossistemas marinhos. O pesquisador, que representa o Gesamp (grupo de especialistas em oceanos que assessora agências da ONU), explica que os microplásticos foram usados há vários anos como abrasivos na limpeza de prédios, e só mais recentemente chegaram à indústria de cosméticos.

“Os grandes plásticos se quebram no mar e a limpeza fica cada vez mais complicada, mas eles são visíveis, chegam às praias. Mas e o que não vemos? E o que está no leito do mar?”, questiona. “Sabemos que os microplásticos afetam a saúde de organismos marinhos. Foram encontrados em moluscos, terão efeito na pesca. Têm um risco em potencial, que ainda não conseguimos detectar claramente.”

Em 2011, a pequena ONG holandesa North Sea Foundation começou uma campanha pedindo às empresas que parassem de usar microesferas plásticas assim que possível. Outra organização, a Plastic Soup Foundation, juntou-se ao esforço. “Há lugares em que a concentração de plásticos no mar é 20 vezes superior à de plâncton”, diz a ambientalista Maria Westerbos, diretora da Plastic Soup. As duas ONGs lançaram um aplicativo para celulares que funciona na Holanda e permite aos consumidores escanearem produtos de higiene pessoal para ver se têm ou não microesferas plásticas.

Fizeram mais que isso: pediram às pessoas que participassem de um “tuitaço” solicitando à Unilever que deixasse de usar microesferas em seus artigos. O esforço deu resultado imediato, diz Westerbos. A Unilever anunciou que todos os seus produtos ao redor do mundo não teriam mais microesferas plásticas até 2015. Outros grandes nomes do setor também informaram que estavam parando de usar, algumas pedindo prazos maiores. “Miramos os cosméticos, mas estou convencido que há microesferas em muitos produtos que usamos”, diz Jeroen Dagevos, gerente da North Sea. “Não há legislação sobre isso ainda.”

No Brasil, nenhum executivo da Unilever quis falar sobre o assunto com a reportagem do Valor. A assessoria de imprensa enviou um comunicado da empresa no exterior. Ali se lê que a Unilever utiliza hoje microesferas apenas em produtos esfoliantes, pela sua característica de eliminar células mortas da pele, e confirma a decisão de abandonar o material, em resposta à preocupação de stakeholders. Diz ainda que estão sendo pesquisados substitutos naturais.

Algumas estatísticas calculam que plásticos respondem por 90% da poluição marinha. “Nosso foco é a poluição por plásticos. As pessoas jogam fora, porque é um material feito para jogar fora”, diz Daniella Russo, diretora-executiva da Plastic Pollution Coalition, uma rede de indíviduos, organizações e empresas. “É um produto difícil de fazer, muitos não são recicláveis. As pessoas começam a entender que suas atitudes têm que mudar”, continua. A organização está buscando sensibilizar os jovens para o problema. “Trabalhamos em 120 campi universitários no mundo que estão reduzindo seu uso de plástico. Todos podem trazer de casa sua própria xícara e reutilizar a garrafinha de água.”

A ambientalista aposta que alguns produtos têm seus dias contados. “Canudinhos? Pode-se viver sem, acho. Banir o uso de sacolas plásticas no mundo é algo que, definitivamente, vai acontecer um dia”, diz ela. “E a razão disso é econômica, não ambiental: é caro para as prefeituras se livrar das sacolas de plástico.”

Os ecossistemas costeiros contribuem com 38% do PIB mundial, diz Elizabeth Mrema, e as áreas de mar aberto, por outros 25%. Nas estimativas da Global Partnership for Oceans, as perdas globais pela má exploração dos estoques pesqueiros foram de US$ 2,2 trilhões nas últimas três décadas.

A pressão sobre os oceanos tende a aumentar. Em 2015, as estimativas projetam que um quinto da população mundial viverá em áreas costeiras. Em 2030 perto de 5 bilhões de pessoas viverão em cidades, muitas a menos de 60 quilômetros do mar. “Algumas destas tendências são inevitáveis. Mas o mundo pode ainda determinar a quantidade e a qualidade dos efluentes que chegam aos rios e mares se conseguir criar elos sustentáveis entre cidades, áreas rurais e os ecossistemas ao redor”, diz material do Pnuma.

O desafio de proteger os oceanos não é simples. Se a meta for preservar a biodiversidade marinha, os procedimentos são diferentes daqueles dos ecossistemas terrestres. “A proteção da biodiversidade marinha é complexa”, diz o professor Richard Kenchington, do Australian National Centre for Ocean Resources & Security (Ancors). “Em terra, quando um sistema está ameaçado, é comum criar um parque para protegê-lo. No mar, criar áreas protegidas é útil, mas complicado. É preciso ter um conceito mais global.”

O australiano diz que aumentar a consciência ambiental sobre a necessidade de se proteger as barreiras dos corais foi útil porque é algo que as pessoas podiam identificar. “Os corais são como bonitos jardins do mar, têm impacto visual, são um símbolo. Mas são tão importantes quanto outros ecossistemas marinhos que são vistos apenas por quem mergulha.”

A conferência na Jamaica terminou com os participantes reforçando a necessidade de se criar parcerias para lidar com a poluição marinha. E com um alívio: as bolinhas do sabonete líquido do chuveiro eram de material gelatinoso totalmente degradável.

Cor do mar jamaicano reflete o uso excessivo de fertilizantes agrícolas

A água do parque marinho de Montego Bay é muito verde, mas de perto a ilusão se desfaz: o mar do Caribe, naquele ponto, não é o paraíso que se imagina. A água é turva e cheira estranho. É só o barco se afastar da orla, dos esgotos e dos riachos para a água ficar cristalina e exibir corais e cardumes. “Água verde é excesso de nutrientes”, diz o guia Wrenford Whittingham. “Isso não é bom.”

“Nutrientes” são nitrogênio, fósforo e potássio, além de outros elementos essenciais para o crescimento das plantas e a produção alimentar. A fertilização dos solos procura corrigir as carências, a questão é encontrar o equilíbrio. A escassez, como acontece em países africanos, empobrece solo e colheita. O excesso também é problema: não aumenta a produtividade e contamina terra, água e ar, além de causar impacto nos oceanos.

“O uso excessivo de nitrogênio e fósforo na agricultura chega aos ambientes marinhos, causa a proliferação de algas e a consequente falta de oxigênio na água e zonas mortas”, diz Christopher Corbin, responsável pelo programa de política ambiental do Pnuma no Caribe. “O desafio é usar estes produtos de forma eficiente em terra e diminuir o impacto no mar.”

O uso de produtos à base de fósforo e nitrogênio dobrou nas últimas décadas, embora em alguns países continue deficiente e em outros, exagerado. “Cerca de 20 milhões de toneladas de fósforo são extraídas ao ano e quase a metade chega aos oceanos, o que representa oito vezes a taxa natural”, diz Elizabeth Mrema, vice-diretora da divisão de Implementação de Políticas Ambientais do Pnuma. “Temos que ter melhores políticas ou em dez anos vamos acabar com recursos dos oceanos.”

“A menos que alguma ação urgente seja tomada, o aumento da população e do consumo per capita de energia e de produtos de origem animal irá exacerbar as perdas de nutrientes, os níveis de poluição e a degradação da terra”, diz o relatório do Pnuma “Our Nutrient World”. O estudo foi feito pela Parceria Global no Manejo de Nutrientes (GPNM, em inglês), uma aliança entre governos, indústria, universidades, ONGs e agências das Nações Unidas.

“É preciso aumentar a eficiência no uso de nutrientes”, diz Mark Sutton, do Centro de Ecologia e Hidrologia do Reino Unido, um dos coordenadores do estudo. Se a eficiência no uso de nitrogênio aumentar em 20% em 2020, pode-se economizar 20 milhões de toneladas e ter melhoras na saúde, no clima e na biodiversidade, diz ele.

O exemplo holandês mostra que é possível. O país chegou a usar 1000 kg de nitrogênio por hectare para fertilizar, diz Jan Willem Erisman, do Louis Bolk Institute. “As algas proliferaram no Mar do Norte, piorou a qualidade do ar e da água”, lembra. O governo limitou o uso e educou os agricultores sobre o desperdício. “O consumo foi reduzido para menos de 400 kg por hectare sem nenhuma perda na produção.”


Fonte: IHU On-line

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