Pesquisadores desenvolvem técnica
para criação em larga escala de abelhas sem ferrão
Método será testado em lavouras de morango – uma das 30 culturas agrícolas
beneficiadas pela polinização por esse tipo de inseto (FFCLRP/USP)
Abelhas sem ferrão, como a jataí (Tetragonisca
angustula) e a uruçu (Melipona scutellaris), são reconhecidas como
importantes polinizadoras de diversas culturas agrícolas, como berinjela,
morango, tomate e café.
Uma das principais limitações para utilizá-las
para essa finalidade, no entanto, é a dificuldade em produzir colônias em
quantidade suficiente para atender à demanda dos agricultores, uma vez que a
maioria dessas espécies apresenta baixo número de rainhas.
Mas uma nova técnica que pode ajudar a superar
essa limitação foi desenvolvida por um grupo de pesquisadores, que criou in
vitro rainhas de uma dessas espécies de abelha: a Scaptotrigona depilis,
conhecida popularmente no Brasil como mandaguari.
O estudo foi feito por cientistas da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em parceria com colegas da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da
Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal Rural do Semiárido
(Ufersa), campus de Mossoró (RN).
Resultado de um trabalho de doutorado, realizado com Bolsa da FAPESP, a
técnica foi descrita na edição de setembro da revista Apidologie e será
testada em campo nos próximos anos por meio de um projeto realizado com apoio do Programa Pesquisa
Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP.
“Conseguimos desenvolver uma metodologia de
produção artificial de rainhas da espécie Scaptotrigona depilis, que
demonstrou ter uma aplicação fantástica para a criação em larga escala dessa
espécie de abelha, a fim de atender à demanda dos produtores agrícolas”, disse
Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, em Belém (PA), e
autor do estudo, à Agência FAPESP.
De acordo com o pesquisador, que realizou
doutorado na FFCLRP sob orientação da professora Vera Lucia Imperatriz-Fonseca,
a mandaguari está mais presente na região Sudeste do Brasil e pertence a um
gênero de abelhas – o Scaptotrigona – que está sendo revisto e do qual,
além dela, fazem parte mais oito espécies que ocorrem em todo o país e possuem
ferrão atrofiado.
As colônias dessas espécies de abelhas são
compostas, em média, por 10 mil operárias – cada uma com cerca de 5 milímetros
– e são regidas por uma única rainha-mãe, com cerca de 1,5 centímetro e
capacidade de pôr ovos.
A fim de aumentar o número de colônias de
espécies desse gênero de abelha – que, além de polinizadora, também produz mel,
pólen e própolis –, criadores brasileiros têm utilizado uma técnica pela qual
se divide uma colônia ao meio para originar outra com uma nova rainha.
Mas só é possível utilizar o método para
multiplicar as colônias da maioria das espécies de abelhas sem ferrão uma vez
por ano, afirmou Menezes. “Com essa técnica, para produzir 50 mil colônias de
jataí e polinizar cerca de 3,5 mil hectares de morango, seria preciso ter 50
mil abelhas rainhas”, estimou.
“O morango é uma das culturas agrícolas que
dependem de polinização com menor área de cultivo no Brasil. Imagine quantas
abelhas rainhas precisaríamos para polinizar lavouras de tomate, cuja área de
plantação é bem maior”, comparou.
Nova técnica
Para aumentar a produção de rainhas e de colônias
de mandaguari, Menezes desenvolveu durante seu doutorado, realizado entre 2006
e 2010, uma técnica pela qual fornece a larvas recém-nascidas da abelha uma
quantidade seis vezes maior de alimento do que o inseto está acostumado a
ingerir. Dessa forma, todas as abelhas fêmeas superalimentadas se tornam
rainhas.
De acordo com Menezes, 97,9% das abelhas rainhas
produzidas por esse método sobreviveram e foram capazes de pôr ovos e formar
colônias in vitro. O tamanho delas pode ser igual ao de rainhas
“naturais” se receberem quantidades de alimento larval suficiente, apontou.
“Otimizamos essa técnica de produção in vitro
de abelhas rainhas, temos um protocolo muito bem definido e conseguimos
produzir a quantidade de insetos que for necessário”, afirmou.
Atualmente, ele e os demais participantes do
projeto de pesquisa aprimoram o sistema de alimentação artificial das larvas do
inseto, em que usam dieta à base de soja em substituição ao alimento natural,
para alimentar o número de colônias produzidas.
As abelhas são criadas em estufa, com temperatura
controlada, e protegidas de inimigos naturais. “Com o avanço dessas novas
técnicas de produção in vitro de rainhas de abelhas sem ferrão estamos
testando a possibilidade de produzir dez colônias filhas a partir de uma mãe
por ano. Com isso, daríamos origem a um método viável de produção de colônias”,
disse Menezes.
Com o projeto apoiado pelo Programa PIPE, da
FAPESP, os pesquisadores pretendem reunir essas técnicas em um sistema único de
produção de colônias e testá-lo em campo. Em uma segunda fase, eles vão avaliar
qual o efeito dos principais agrotóxicos utilizados hoje na cultura do morango
sobre as abelhas.
Para isso, associaram-se à empresa produtora de
agentes biológicos Promip, situada no município paulista de Engenheiro Coelho,
onde foram construídas cinco estufas climatizadas para plantio de morango.
As abelhas serão introduzidas nessas estufas e
expostas aos dez agrotóxicos mais utilizados para combater pragas que atacam a
cultura do morango, com o intuito de avaliar qual o efeito de cada produto,
individualmente, na sobrevivência das abelhas e na existência das colônias.
A partir dos resultados, os pesquisadores pretendem
elaborar uma lista de recomendações para os agricultores sobre quais cuidados
tomar ao utilizar um determinando agrotóxico, de modo que não mate as abelhas,
ou indicar quais predadores naturais podem ser utilizados no lugar de
agrotóxicos para eliminar pragas que atingem as lavouras de morango, como o
ácaro rajado.
“Queremos ter ao final do projeto uma lista de
recomendações para falar com embasamento e segurança ao agricultor que, se ele
utilizar abelhas para a realização de polinização, não poderá utilizar
determinados agrotóxicos”, disse Menezes.
Testes de eficácia
Os pesquisadores também avaliam o aumento na
produtividade com a introdução de abelhas sem ferrão para a polinização em
diversas culturas agrícolas.
No caso do morango, por exemplo, a medida
aumentou entre 20% e 40% a produtividade agrícola – dependendo da variedade – e
diminuiu em até 80% a má formação de frutos, afirmou Menezes.
Uma inflorescência – com diversas microflores
juntas –, a flor do morango é visitada por diversos grupos de abelhas –
incluindo as com ferrão e espécies “solitárias”. Quando várias abelhas voam e
pousam sobre essa inflorescência, elas realizam a polinização dessas
microflores e fazem com que o fruto seja bem formado, redondo e vistoso.
Já quando poucas abelhas visitam a flor do
morango, elas realizam a polinização de apenas uma parte da inflorescência,
fazendo com que os frutos fiquem deformados, segundo Menezes.
“No passado, esse tipo de má formação do morango
era associado à trips – uma praga que ataca o fruto – e, por essa razão, os
agricultores aplicavam mais pesticida para combatê-la e acabavam matando mais
abelhas e prejudicando a produtividade da cultura agrícola”, contou.
Em princípio os testes em campo serão feitos com
a mandaguari porque ela se mostrou mais resistente à multiplicação. E,
inicialmente, as colônias de mandaguaris serão introduzidas em lavouras de
morango porque é a cultura sobre a qual eles possuem maior conhecimento sobre o
benefícios do uso de abelhas sem ferrão como polinizadoras.
A ideia, no entanto, é expandir a aplicação para
outras culturas, as quais já se sabe que o processo de polinização por abelhas
confere frutos maiores, com mais sementes e sabor e cor mais acentuados. “Há
cerca de 30 culturas agrícolas que sabemos que podem ser beneficiadas pela
polinização das abelhas sem ferrão”, estimou Menezes.
“Já estamos fazendo testes preliminares com
algumas delas, como o tomate, em São Paulo, e com o açaí, em Belém do Pará,
utilizando uma abelha sem ferrão do mesmo gênero da mandaguari, mas de uma
espécie diferente e muito parecida com ela”, contou.
Para introduzir as abelhas nas lavouras da
cultura selecionada, as colônias artificiais são mantidas confinadas, durante
três a seis meses, até que a população seja composta por, no mínimo, 3 mil
abelhas.
Com esse número, a colônia é levada à noite para
a lavoura, com condições de temperatura amenas, e colocada sobre um cavalete
para que os insetos sejam liberados para voar sobre a plantação e realizar a
polinização.
Algumas das vantagens da utilização desse tipo de
abelha para realizar a polinização, segundo Menezes, é que elas possuem raio de
voo menor – de 900 metros, contra 2,5 quilômetros das abelhas com ferrão.
Por isso, têm maior chance de atingir a
cultura-alvo para polinização. “Como o raio de voo das abelhas com ferrão é
maior, se encontrarem outra planta florindo durante sua trajetória elas pousam
nela, em vez de na cultura-alvo”, explicou.
“É mais difícil as abelhas sem ferrão se
dispersarem durante o trajeto”, comparou.
O artigo An advance in the in vitro rearing of
stingless bee queens(doi: 10.1007/s13592-013-0197-6), de Menezes e outros,
pode ser lido por assinantes da revista Apidologie em www.apidologie.org/
ou em
Fonte: Agência FAPESP
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