Desigualdade, pobreza e os mais
ricos, artigo de Junior Garcia.
Charge por Cazo para o Comércio do Jahu
cedido ao Humor Político
O relatório das Organização das Nações Unidas (ONU) mostra a
Humanidade dividida: confrontando a desigualdade nos países em desenvolvimento
mostra que 1% da população mais rica concentra mais de 40% da riqueza global, e
que mais da metade da população pobre detém apenas 1% dos recursos. Os dados do
Banco Mundial mostram que 20,6% da população mundial era pobre em 2010 – ou
seja, 1,2 bilhão de pessoas. Essa realidade é reflexo da manutenção da
desigualdade e da população pobre no mundo.
Neste contexto, desigualdade e pobreza têm sido
discutidos como importantes problemas globais a serem enfrentados, ocupando,
por exemplo, o centro da agenda de discussões do Fórum Econômico Mundial,
realizado em Davos, Suíça. O interessante é que a solução proposta por governos
e órgãos multilaterais tanto para a redução da desigualdade como para o
enfrentamento da pobreza é a mesma: crescimento econômico.
Existe, sim, uma relação entre desigualdade,
pobreza e crescimento econômico, mas não é determinística. Em determinadas
situações, apenas o crescimento econômico não é suficiente. Isso ocorre porque
desigualdade diz respeito à distribuição da renda ou da riqueza entre a
população. Por sua vez, a pobreza corresponde à carência de recursos para que a
população tenha acesso aos meios para uma vida saudável, que não inclui apenas
alimento, mas também moradia, educação, saúde, cultura etc.
O relatório da ONU mostra ainda que a
desigualdade de renda aumentou entre 1990 e 2010, embora a economia global
tenha crescido. Isso significa que o crescimento não contribuiu para a redução
da desigualdade de renda ou mesmo da pobreza; logo, como o crescimento pode ser
a solução? Recorde-se que o crescimento no contexto atual contribui para elevar
o grau de degradação dos ecossistemas, seja na extração de recursos naturais,
seja no aumento da poluição.
Na verdade, a redução da desigualdade e da
pobreza demanda outros instrumentos. Para reduzir a desigualdade, os governos
deveriam implementar políticas de redistribuição da renda e da riqueza não
restritos apenas aos programas de transferência direta (como o Bolsa Família)
que afetam apenas a pobreza, mas, por exemplo, adotar impostos sobre a renda e
a riqueza progressivos, reduzir impostos sobre o consumo de bens básicos e
elevar a tributação sobre bens posicionais e de luxo. O problema é que os 1% ou
10% mais ricos são contrários, embora eles reconheçam que a pobreza seja um
importante problema a ser enfrentado. Para os mais ricos, o que incomoda não é
a desigualdade na distribuição da renda e da riqueza, mas a situação de pobreza
das pessoas.
Nesse sentido, o apoio dos mais ricos se
restringe a ações de curto prazo, como doações, campanhas de arrecadação de
alimentos etc., que apenas aliviarão a situação de pobreza momentânea da população,
sem enfrentar realmente as questões estruturais, tais como reduzir o imenso
abismo entre os rendimentos, responsável tanto pela desigualdade como pela
pobreza. No entanto, a solução passa por uma mudança cultural e de valores, que
implica a aceitação de que pessoas com baixa qualificação também tenham direito
a um salário digno. É justo que 30 milhões de brasileiros tenham renda média de
R$ 139,58? Essa proposta implica que os mais ricos repartam sua fatia do bolo;
será que eles estão dispostos?
Junior Garcia, doutor em Desenvolvimento
Econômico, Espaço e Meio Ambiente pelo Instituto de Economia da Unicamp, é
professor do programa de pós-graduação em Desenvolvimento Econômico do
Departamento de Economia da UFPR.
Fonte: Gazeta do Povo
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