Lúcio Flávio Pinto: Governo
deveria assumir realização de EIA/Rima para grandes obras na Amazônia.
Lúcio
Flávio Pinto, principal referência sobre a Amazônia na imprensa brasileira.
(Foto: Miguel Chikaoka)
Para o jornalista Lúcio Flávio Pinto, Belo Monte não
é uma obra sustentável, assim como todas as grandes obras na Amazônia que
promovem a “sucção de riquezas naturais e sua transferência para mercados
externos”. O problema com esses empreendimentos, segundo ele, é político:
“falta força – e, por vezes, consciência – para adotar um modelo voltado para
dentro”. Principal referência sobre a Amazônia na imprensa brasileira, Lúcio
Flávio ganhou prêmios nacionais e internacionais com suas análises sobre a
região. Trabalhou em vários jornais, entre as quais O Estado de S. Paulo,
até criar o Jornal Pessoal (www.lucioflaviopinto.com.br/),
publicação quinzenal alternativa com a qual traz informações a análises
independentes sobre a Amazônia desde 1987. Essa independência tem custado caro
ao jornalista, que já sofreu 33 processos na justiça do Pará e foi condenado
quatro vezes, sem deixar que as intimidações o calassem.
Clima e Floresta – Belo Monte é hoje a maior obra
em construção no Brasil, com orçamento de quase 30 bilhões de reais. O impacto
da obra já é sentido nos municípios do entorno, com aumento de população,
aumento de preços (sobretudo de imóveis e aluguéis) e sobrecarga nos serviços
públicos. Quais os principais impactos que uma obra dessa magnitude traz para o
futuro sustentável da Amazônia, pensando não apenas na biodiversidade, mas
também em sua população?
Lúcio Flávio Pinto - Não é uma obra sustentável, por
muitos motivos, sem tocar no mais óbvio: a alteração das condições naturais.
Quando em operação, a usina empregará apenas uma fração das pessoas que
utilizará durante a sua construção. Isso, quanto aos empregos diretos. Mas seu
efeito indireto é muito maior. Imigrantes atraídos pela hidrelétrica sem
qualificação ficarão onde? Em Tucuruí, de cada 10 pessoas que chegavam, apenas
uma ou duas eram aproveitadas na obra. Poucas se fixavam em atividades
paralelas, por falta de qualificação. A maioria prosseguia na sua rota
migratória compulsória. Além disso, há um problema grave: a maior parte da
energia será transferida na forma bruta, sem induzir investimentos locais. O
Pará, que já é o terceiro estado brasileiro que mais transfere energia bruta,
deverá se tornar o segundo, passando Minas, ou mesmo o primeiro, ultrapassando
o Paraná.
“Construir uma grande hidrelétrica na Amazônia é
tarefa que excede em muito a esfera da jurisdição privada: é uma questão de
Estado, de governo, do mais alto interesse público.”
Clima e Floresta – Organizações que atuam na
região, como o Instituto Socioambiental, vêm alertando para o não cumprimento
das condicionantes no canteiro de obras de Belo Monte, além da falta de
implantação de saneamento básico, programas de saúde para índios entre outras
medidas que foram acordadas para a sua realização. Estas questões podem agravar
os impactos da obra?
Lúcio Flávio Pinto – Sim. Mas aí estamos num ciclo
vicioso. Poucas dessas condicionantes têm atendimento prévio, como devia ser. A
empresa só começa a executá-las depois que obtém do Ibama a licença de
instalação e outras só mesmo depois da licença de operação, o que é até natural
da ótica empresarial. Construir uma grande hidrelétrica na Amazônia é tarefa
que excede em muito a esfera da jurisdição privada: é uma questão de Estado, de
governo, do mais alto interesse público. Há anos defendo uma mudança radical
nesse processo. O governo é que devia fazer os estudos e relatórios de impacto
ambiental da hidrelétrica, utilizando a rede de universidades públicas, ao
mesmo tempo em que definiria a viabilidade – econômica, social e ambiental – da
obra, no contexto de um plano de desenvolvimento do vale, na forma de lei
federal, e em acordo com o zoneamento ecológico e econômico. O pacote devia
estar pronto, com obras de antecipação incluídas, quando do leilão da
concessão. E quem vencesse o leilão devia incluir na sua proposta o
ressarcimento dos gastos realizados, nos quais já estariam ações sociais de
antecipação da chegada dos imigrantes, da empresa e dos seus empregados.
Clima e Floresta – Dos grandes projetos já
implantados na região (estradas, hidrelétricas, mineração), quais causaram
maior impacto negativo para a Amazônia e sua população? Quais eram realmente
necessários e condizentes com a região?
Lúcio Flávio Pinto - Não tenho dúvida que foram as
estradas de rodagem e os empreendimentos que elas atraíram para as suas
margens, principalmente as fazendas de gado. As estradas foram o maior marco da
história da Amazônia, uma adaga enfiada no seu coração, que até hoje sangra, na
forma de desmatamento descontrolado, conflitos sociais, dilapidação dos
recursos naturais e toda uma série de efeitos nocivos. Economicamente, contudo,
são as mineradoras que agora provocam autêntica hemorragia na região, ao
exportar volumes cada vez maiores de minérios in natura, sobretudo o minério de
ferro, hoje o principal item do comércio exterior brasileiro. O caso do minério
de Carajás é autêntica lesa-pátria. Para expandir a mineração, a Vale executa o
maior investimento em curso no mundo. Mas, em 40 anos, o melhor minério de
ferro do planeta não existirá mais. É um crime.
“As estradas foram o maior marco da história da
Amazônia, uma adaga enfiada no seu coração, que até hoje sangra, na forma de
desmatamento descontrolado, conflitos sociais, dilapidação dos recursos
naturais e toda uma série de efeitos nocivos.”
Clima e Floresta – Além de Belo Monte, já em
construção, quais outros projetos em andamento ou projetados podem trazer
impactos negativos para a Amazônia? Há maneiras de minimizar esses impactos?
Lúcio Flávio Pinto - As hidrelétricas do rio Madeira,
em Rondônia, Jirau e Santo Antônio, trouxeram uma novidade importante para a
Amazônia: as turbinas bulbo de maior potência, em grande quantidade. Essas
turbinas não precisam de grande desnível de água. Produzem na horizontal,
enquanto as turbinas convencionais são verticais. Em Tucuruí, para alcançarem a
plena potência, o desnível foi de 70 metros. Não se deve mais admitir barragens
de alta queda na Amazônia. Elas provocam a inundação de áreas extensas. Deve-se
adotar, se conveniente a geração hidráulica, adotar as bulbo. Mas conhece-se
pouco da tecnologia que está sendo empregada no Madeira, por falta de atenção
ou conveniência. O que é um erro.
Clima e Floresta – Finalmente, é possível a
realização de grandes obras de infraestrutura na Amazônia que sejam benéficas
para sustentabilidade econômica, do meio ambiente e de sua população? Que tipo
de projetos deveria ser pensado para a região?
Lúcio Flávio Pinto - Se o objetivo no Xingu fosse
atender às necessidades da região de influência de Altamira, bastavam as oito
turbinas bulbo no vertedouro do sítio Pimental. O impacto ecológico e humano
seria mínimo. Como o que se pretende é transferir grandes blocos de energia (em
tensão recorde, de 800 mil volts), vai-se fazer a casa de força principal, com
as gigantescas turbinas verticais. Assim, expandem-se as linhas de transmissão,
que têm apresentado problemas num país que não as monitora adequadamente e
investe pouco na manutenção e conservação dos ativos (sempre a busca é por
novas obras). O problema de inverter essa estratégia de grandes obras de sucção
de riquezas naturais e sua transferência para mercados externos é político:
falta força – e, por vezes, consciência – para adotar um modelo voltado para
dentro.
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