sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Portaria 3.461/MD, do Ministério da Defesa: Criminalização das ruas?
Manifestação na Avenida Paulista dia 20 de junho de 2013. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Mais grave, porém, na opinião de movimentos sociais com vistas à Copa, é a decisão do governo no anúncio de Portaria que classifica manifestações em vias públicas e ocupações de prédios públicos entre ‘principais ameaças’ à manutenção da ordem, sujeitas à repressão militar. Recentemente publicado, documento do Ministério da Defesa que regulamenta atuação das Forças Armadas em operações de segurança pública considera movimentos sociais como “forças oponentes” de Exército, Marinha e Aeronáutica nas situações em que estas forem acionadas para garantir a lei e a ordem, e iguala organizações populares a quadrilhas, contrabandistas e facções criminosas.

De acordo com o manual, também podem ser alvo da repressão militar pessoas, grupos de pessoas ou organizações “infiltrados” em movimentos, “provocando ou instigando ações radicais e violentas” – termos que têm sido utilizados pelas autoridades e pela opinião pública para descrever as atividades de pessoas mascaradas durante manifestações, os chamados black blocs.

O regulamento considera que todos eles, sem distinção, devem ser “objeto de atenção e acompanhamento e, possivelmente, enfrentamento durante a condução das operações” das tropas federais, que agora estão textualmente autorizadas a atuarem em grandes eventos, como já vinha ocorrendo desde a Conferência Rio+20 sobre Desenvolvimento Sustentável, em 2012.

Além de elencar características das “forças oponentes” do Estado brasileiro, o manual enumera as “principais ameaças” à manutenção da lei e da ordem no país. Entre elas, figuram estratégias comuns de protesto popular, como “bloqueio de vias públicas de circulação”, “invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas” e “paralisação de atividades produtivas”. Ainda no rol das ameaças, o documento cita episódios observados nas manifestações do ano passado em algumas capitais, sobretudo em São Paulo e no Rio de Janeiro, tais como “depredação do patrimônio público e privado” e “saques de estabelecimentos comerciais”. O termo “distúrbios urbanos”, utilizado como sinônimo de manifestações públicas em manuais das polícias militares, também aparece como perigos à ordem.

A normativa passou a vigorar em 19 de dezembro, após publicação da Portaria 3.461/MD, assinada pelo ministro Celso Amorim.

Na opinião de Antonio Martins, é preocupante a forma como o governo vem se comportando em relação aos movimentos de ruas. Segundo ele, “uma retrospectiva permite rastrear sua origem. A partir de outubro do ano passado, o Palácio do Planalto adotou uma sequência de decisões que revela tendência a usar a repressão policial contra mobilizações e protestos – especialmente relacionados à Copa do Mundo”.

O jornalista, editor do sítio Outras Palavras, destaca que “esta postura é ainda mais chocante porque cessaram os diálogos abertos com movimentos sociais, após as manifestações de junho. E além de antidemocrática, do ponto de vista político, é extremamente temerária no que diz respeito à popularidade da presidente, a suas perspectivas eleitorais e à própria segurança pública. Porque torna o governo Dilma refém de polícias estaduais que já demonstraram, além de desrespeito aos direitos humanos, partidarismo e despreparo, capacidade de converter movimentos pacíficos em atos explosivos”.

Antonio Martins comenta que “o primeiro marco visível da ênfase preferencial por reprimir é a reunião que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo realizou em Brasília, em 31 de outubro, com os secretários de Segurança de São Paulo e Rio de Janeiro. Os dois estados estavam sob impacto das manifestações black blocs, uma das quais resultou na agressão (nunca suficientemente esclarecida) a um coronel da PM paulista. A mídia pressionava por uma resposta dura. Mas ao se reunir com os secretários, e ao definir com eles um conjunto de ações comuns, Cardozo passou por cima de um fato óbvio, já então. Nos dois Estados, a polícia era parte do problema, não da solução. Primeiro, por sua brutalidade, registrada, por exemplo, na repressão à manifestação de 13 de junho contra o aumento das passagens do transporte, em São Paulo.

Segundo porque, em diversos episódios, a ação policial havia revelado não apenas despreparo, mas intenção de provocar; de levar os manifestantes a agir violentamente. Ao ignorar este aspecto, o ministro transmitia, aos manifestantes, uma clara atitude de cumplicidade do governo federal”.

Alguma das medidas anunciadas, destaca ele, “sugeriam repressão mais aguda (a criação de um banco de dados sobre manifestantes, compartilhado entre os governos). Outras, positivas, jamais foram efetivadas (a criação de fóruns de diálogo entre manifestantes e autoridades, para relato de abusos). Falou-se na adoção de um ‘protocolo comum’ para orientar a ação policial perante as manifestações, mas nada se informou, desde então, que tipo de comportamentos ele estimulará ou proibirá. A julgar pelo comportamento da PM paulista diante dos ‘rolezinhos’, ou o protocolo não existe, ou é indesejável”.

No início do ano, continua ele, “o governo voltou à carga. Em entrevista a O Globo, o secretário nacional de segurança para grandes eventos, delegado (PF) Andrei Augusto Passos Rodrigues, anunciou que a Força Nacional de Segurança criaria uma tropa de choque de dez mil homens, para intervir durante a Copa do Mundo. Mais uma vez, falou-se na definição de protocolos de ação – e de novo eles não foram revelados”.

Por fim, comenta “o Portal Brasil divulgou, há uma semana, um documento ainda mais amedrontador: um manual produzido pelo Estado Maior das Forças Armadas para orientar a atuação de militares em operações de ‘garantia da lei e da ordem’. Aprovado no final do ano passado, e só agora revelado, o documento é redigido em linguagem que lembra a antiga Doutrina de Segurança Nacional. Fala em ‘forças oponentes’ e ‘ameaças’ (pág. 15), ‘emprego de inteligência e contra-inteligência’ (p.26), ‘uso progressivo de força’ (p.26). Inclui, entre as ‘principais ameaças’ (p.29), itens como ‘bloqueio de vias públicas’, ‘distúrbios urbanos’, ‘invasão de propriedades e instalações rurais e urbanas’ e até mesmo ‘paralisação das atividades produtivas’”.

Na análise de Adriano Pilatti, “o pogrom midiático presidencial na virada do ano – com a tríade ‘guerra psicológica’, ‘centrais de flagrância’, ‘10 mil homens pra reprimir protestos na Copa’ – só produziu um efeito: ampliar nas redes e nas ruas o uso do – e a adesão ao – ‘Não Vai Ter Copa!’ Ao mesmo tempo, projetos de lei liberticidas começam a tramitar no Congresso, e outros virão, podem escrever, gestados nos piores gabinetes desta República. Lastimavelmente, muitas críticas e questionamentos legítimos à escalada repressiva, às remoções de pobres e outros desatinos do governo e seus aliados têm merecido, de alguns setores petistas, respostas extremamente agressivas com uso de tons ameaçadores. Se o governo continuar se encaminhando para o tudo ou nada, estará criando irresponsavelmente a possibilidade de acirramento dos ânimos e, aí sim, a instalação de uma situação incontrolável”, destaca ele.

Adriano Pilatti, comenta que “ao mesmo tempo, há todo um universo de apoiadores do governo e seu partido que têm uma trajetória de esquerda, defendem com razão as boas políticas distributivas, lutaram contra a ditadura, mas desde junho se dedicam a um esforço permanente de não ver, não entender, não aceitar simplesmente a existência das ruas – nunca pisaram lá pra ver por si mesmos”.

Segundo ele, “ficam indignados com as arbitrariedades do processo e execução da AP 470 [mensalão], mas não escreveram uma linha contra a selvagem repressão que há oito meses desaba sobre jovens (pobres em sua maioria) e pobres em geral que se levantam por direitos. Neste momento, estão obcecados pelo processo eleitoral, reduzindo tudo ao cálculo do benefício ou do prejuízo para a reeleição daquela senhora. E o pior é que estão calculando errado: se continuar ombreando com Cabral, Paes e seus atos de lesa-pobre, Dilma vai perder a eleição no Rio. O(a)s pobres sabem, a cada remoção um pouco mais, que a luta dos menino(a)s intrépido(a)s é por ele(a)s”.

A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.


Fonte: IHU On-line

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