Portaria 3.461/MD, do Ministério
da Defesa: Criminalização das ruas?
Manifestação na Avenida Paulista dia 20 de
junho de 2013. Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Mais grave, porém, na opinião de movimentos
sociais com vistas à Copa, é a decisão do governo no anúncio de Portaria que
classifica manifestações em vias públicas e ocupações de prédios públicos entre
‘principais ameaças’ à manutenção da ordem, sujeitas à repressão militar.
Recentemente publicado, documento do Ministério da Defesa que regulamenta atuação
das Forças Armadas em operações de segurança pública considera movimentos
sociais como “forças oponentes” de Exército, Marinha e Aeronáutica nas
situações em que estas forem acionadas para garantir a lei e a ordem, e iguala
organizações populares a quadrilhas, contrabandistas e facções criminosas.
De acordo com o manual, também podem ser alvo da
repressão militar pessoas, grupos de pessoas ou organizações “infiltrados” em
movimentos, “provocando ou instigando ações radicais e violentas” – termos que
têm sido utilizados pelas autoridades e pela opinião pública para descrever as
atividades de pessoas mascaradas durante manifestações, os chamados black
blocs.
O regulamento considera que todos eles, sem
distinção, devem ser “objeto de atenção e acompanhamento e, possivelmente,
enfrentamento durante a condução das operações” das tropas federais, que agora
estão textualmente autorizadas a atuarem em grandes eventos, como já vinha
ocorrendo desde a Conferência Rio+20 sobre Desenvolvimento Sustentável, em 2012.
Além de elencar características das “forças
oponentes” do Estado brasileiro, o manual enumera as “principais ameaças” à
manutenção da lei e da ordem no país. Entre elas, figuram estratégias comuns de
protesto popular, como “bloqueio de vias públicas de circulação”, “invasão de
propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas” e
“paralisação de atividades produtivas”. Ainda no rol das ameaças, o documento
cita episódios observados nas manifestações do ano passado em algumas capitais,
sobretudo em São Paulo e no Rio de Janeiro, tais como “depredação do patrimônio
público e privado” e “saques de estabelecimentos comerciais”. O termo
“distúrbios urbanos”, utilizado como sinônimo de manifestações públicas em
manuais das polícias militares, também aparece como perigos à ordem.
A normativa passou a vigorar em 19 de dezembro,
após publicação da Portaria 3.461/MD, assinada pelo ministro Celso Amorim.
Na opinião de Antonio Martins, é preocupante a
forma como o governo vem se comportando em relação aos movimentos de ruas.
Segundo ele, “uma retrospectiva permite rastrear sua origem. A partir de
outubro do ano passado, o Palácio do Planalto adotou uma sequência de decisões
que revela tendência a usar a repressão policial contra mobilizações e protestos
– especialmente relacionados à Copa do Mundo”.
O jornalista, editor do sítio Outras Palavras,
destaca que “esta postura é ainda mais chocante porque cessaram os diálogos
abertos com movimentos sociais, após as manifestações de junho. E além de
antidemocrática, do ponto de vista político, é extremamente temerária no que
diz respeito à popularidade da presidente, a suas perspectivas eleitorais e à
própria segurança pública. Porque torna o governo Dilma refém de polícias
estaduais que já demonstraram, além de desrespeito aos direitos humanos,
partidarismo e despreparo, capacidade de converter movimentos pacíficos em atos
explosivos”.
Antonio Martins comenta que “o primeiro marco
visível da ênfase preferencial por reprimir é a reunião que o ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo realizou em Brasília, em 31 de outubro, com os
secretários de Segurança de São Paulo e Rio de Janeiro. Os dois estados estavam
sob impacto das manifestações black blocs, uma das quais resultou na agressão
(nunca suficientemente esclarecida) a um coronel da PM paulista. A mídia
pressionava por uma resposta dura. Mas ao se reunir com os secretários, e ao
definir com eles um conjunto de ações comuns, Cardozo passou por cima de um
fato óbvio, já então. Nos dois Estados, a polícia era parte do problema, não da
solução. Primeiro, por sua brutalidade, registrada, por exemplo, na repressão à
manifestação de 13 de junho contra o aumento das passagens do transporte, em
São Paulo.
Segundo porque, em diversos episódios, a ação policial havia revelado
não apenas despreparo, mas intenção de provocar; de levar os manifestantes a
agir violentamente. Ao ignorar este aspecto, o ministro transmitia, aos
manifestantes, uma clara atitude de cumplicidade do governo federal”.
Alguma das medidas anunciadas, destaca ele,
“sugeriam repressão mais aguda (a criação de um banco de dados sobre
manifestantes, compartilhado entre os governos). Outras, positivas, jamais
foram efetivadas (a criação de fóruns de diálogo entre manifestantes e
autoridades, para relato de abusos). Falou-se na adoção de um ‘protocolo comum’
para orientar a ação policial perante as manifestações, mas nada se informou,
desde então, que tipo de comportamentos ele estimulará ou proibirá. A julgar
pelo comportamento da PM paulista diante dos ‘rolezinhos’, ou o protocolo não
existe, ou é indesejável”.
No início do ano, continua ele, “o governo voltou
à carga. Em entrevista a O Globo, o secretário nacional de segurança para
grandes eventos, delegado (PF) Andrei Augusto Passos Rodrigues, anunciou que a Força
Nacional de Segurança criaria uma tropa de choque de dez mil homens, para
intervir durante a Copa do Mundo. Mais uma vez, falou-se na definição de
protocolos de ação – e de novo eles não foram revelados”.
Por fim, comenta “o Portal Brasil divulgou, há
uma semana, um documento ainda mais amedrontador: um manual produzido pelo
Estado Maior das Forças Armadas para orientar a atuação de militares em
operações de ‘garantia da lei e da ordem’. Aprovado no final do ano passado, e
só agora revelado, o documento é redigido em linguagem que lembra a antiga
Doutrina de Segurança Nacional. Fala em ‘forças oponentes’ e ‘ameaças’ (pág.
15), ‘emprego de inteligência e contra-inteligência’ (p.26), ‘uso progressivo
de força’ (p.26). Inclui, entre as ‘principais ameaças’ (p.29), itens como
‘bloqueio de vias públicas’, ‘distúrbios urbanos’, ‘invasão de propriedades e
instalações rurais e urbanas’ e até mesmo ‘paralisação das atividades
produtivas’”.
Na análise de Adriano Pilatti, “o pogrom
midiático presidencial na virada do ano – com a tríade ‘guerra psicológica’,
‘centrais de flagrância’, ‘10 mil homens pra reprimir protestos na Copa’ – só
produziu um efeito: ampliar nas redes e nas ruas o uso do – e a adesão ao –
‘Não Vai Ter Copa!’ Ao mesmo tempo, projetos de lei liberticidas começam a
tramitar no Congresso, e outros virão, podem escrever, gestados nos piores
gabinetes desta República. Lastimavelmente, muitas críticas e questionamentos
legítimos à escalada repressiva, às remoções de pobres e outros desatinos do
governo e seus aliados têm merecido, de alguns setores petistas, respostas
extremamente agressivas com uso de tons ameaçadores. Se o governo continuar se
encaminhando para o tudo ou nada, estará criando irresponsavelmente a
possibilidade de acirramento dos ânimos e, aí sim, a instalação de uma situação
incontrolável”, destaca ele.
Adriano Pilatti, comenta que “ao mesmo tempo, há
todo um universo de apoiadores do governo e seu partido que têm uma trajetória
de esquerda, defendem com razão as boas políticas distributivas, lutaram contra
a ditadura, mas desde junho se dedicam a um esforço permanente de não ver, não
entender, não aceitar simplesmente a existência das ruas – nunca pisaram lá pra
ver por si mesmos”.
Segundo ele, “ficam indignados com as
arbitrariedades do processo e execução da AP 470 [mensalão], mas não escreveram
uma linha contra a selvagem repressão que há oito meses desaba sobre jovens
(pobres em sua maioria) e pobres em geral que se levantam por direitos. Neste
momento, estão obcecados pelo processo eleitoral, reduzindo tudo ao cálculo do
benefício ou do prejuízo para a reeleição daquela senhora. E o pior é que estão
calculando errado: se continuar ombreando com Cabral, Paes e seus atos de
lesa-pobre, Dilma vai perder a eleição no Rio. O(a)s pobres sabem, a cada
remoção um pouco mais, que a luta dos menino(a)s intrépido(a)s é por ele(a)s”.
A análise da Conjuntura da Semana é uma
(re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A
análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU,
pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT e por
Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.
Fonte: IHU On-line
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