Mudanças climáticas ameaçam produção de alimentos
JUSTIN GILLIS
DO 'NEW YORK
TIMES'
Para ter uma visão do que a
mudança climática poderá causar ao suprimento alimentar no mundo, considere o
que aconteceu na Europa em 2003, depois que uma onda de calor cortou a produção
de algumas colheitas em até 30% e fez os preços dispararem.
Vários pesquisadores concluíram
que a onda de calor europeia se tornou mais provável devido à mudança climática
causada pelos seres humanos. Os cientistas ainda discutem sobre um período de
calor e seca em 2012 nos EUA que reduziu a safra de milho. Sejam quais forem
suas origens, ondas de calor como essas nos dão uma prova do que pode nos
aguardar no futuro com o aquecimento global.
Entre os que estão ficando
nervosos, há pessoas que passam a vida pensando de onde virá nossa comida.
"Os impactos negativos da mudança climática global sobre a agricultura só
deverão piorar", disse um relatório feito no início deste ano por
pesquisadores da Escola de Economia de Londres e um grupo de pensadores de
Washington, a Fundação para a Tecnologia da Informação e Inovação.
O relatório citou a necessidade
de "colheitas e sistemas de produção agrícola mais resistentes do que os
que possuímos hoje no mundo".
Esse talvez seja o maior temor isolado
em relação ao aquecimento global: que a mudança climática possa desestabilizar
de tal modo o sistema alimentar do mundo que haja o aumento da fome ou até a
penúria em massa.
O esboço de um relatório vazado
da comissão do clima da ONU, conhecida como Painel Intergovernamental sobre a
Mudança Climática, sugeriu que as preocupações do grupo aumentaram e que esse
relatório, marcado para lançamento em março em Yokohama, Japão, provavelmente
incluirá uma firme advertência sobre os riscos ao abastecimento alimentar.
O tom é notadamente diferente
do de um relatório do mesmo grupo de 2007, que discutia alguns riscos, mas via
o aquecimento global como algo que provavelmente beneficiaria a agricultura em
importantes regiões de plantio.
Desde então, novas pesquisas
contiveram essas suposições.
Um grupo de cientistas
desenvolveu maneiras mais sofisticadas de analisar a relação entre a
agricultura e o clima. Seu trabalho sugere que o aumento do calor em algumas
áreas de plantação já está causando uma redução da produção, e cresce a
possibilidade de efeitos muito mais sérios conforme o aquecimento global
continua.
Os cientistas há muito tempo
esperavam que o efeito do calor e da água sobre as colheitas pudesse ser
compensado pelo o que gera o aquecimento global: o aumento acentuado de dióxido
de carbono no ar. Esse gás é o principal suprimento alimentar para as plantas,
e um grande corpo de evidências sugeria que o aumento atual de CO2 poderia incentivar a produção das
colheitas.
Mas muitas dessas evidências
vieram de testes em ambientes artificiais como estufas. Cientistas mais jovens,
que insistiram em testar as colheitas em condições naturais, mais parecidas com
o mundo real, descobriram que o aumento da produção, embora real, não era tão
grande quanto se esperava e talvez não fosse suficiente para compensar os
outros estresses do aquecimento global.
O maior temor alimentar deste
século ocorreu em 2007 e 2008. Vários anos de produção agrícola ineficiente,
causados em parte por extremas condições climáticas, chocaram-se com a demanda
crescente. Os preços dos principais cereais mais que duplicaram, países
inteiros fecharam a porta das exportações alimentícias, houve pânico de compras
em muitos mercados e tumultos em mais de 30 países.
A boa notícia é que a
agricultura tem uma tremenda capacidade de se adaptar a novas condições,
incluindo um clima mais quente. As colheitas podem ser plantadas mais cedo e
novas variedades mais resistentes ao estresse climático podem ser
desenvolvidas.
Mas especialistas dizem que a
pesquisa necessária para fazer tudo isso acontecer está recebendo pouco
estímulo. "Sucessos do passado na agricultura deram uma falsa sensação de
segurança a muitos dos que estão em cargos de decisão", disse L. Val
Giddings, membro adjunto do grupo de pensadores de Washington e coautor de seu
relatório. "Faz muito tempo desde que algum deles realmente sentiu
fome."
Fonte: Folha de S. Paulo
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