Herbicida 2,4-D: Brasil pode
liberar veneno mais tóxico para lavouras transgênicas
Após uma década ao longo da qual o herbicida
glifosato reinou absoluto nas lavouras transgênicas espalhadas pelo Brasil, a
chegada de um novo produto, mais tóxico e com maior potencial de contaminação,
coloca em alerta setores da sociedade e já é objeto de um inquérito civil por
parte do Ministério Público Federal (MPF). Um dos principais componentes
do tristemente célebre agente laranja, usado pelos Estados Unidos como arma
letal contra civis durante a Guerra do Vietnã, o veneno conhecido como 2,4D
pode ser uma realidade já na atual safra brasileira, em lavouras de soja e
milho geneticamente modificadas para resistirem à aplicação do produto.
Responsável pela possível liberação de três pedidos de plantio comercial
relativos ao 2,4D – que seriam analisados em outubro – a Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) foi aconselhada pelo MPF
a realizar mais testes que comprovem a segurança do produto para a saúde e o
meio ambiente.
Também instada pelo MPF a realizar uma
audiência pública na qual a utilização do 2,4D fosse debatida de forma
mais ampla pela sociedade civil, a CTNBio não acatou a orientação. Por
isso, o MPF optou por organizar sozinho, em Brasília, uma audiência
pública, realizada em 12 de dezembro, que contou com dezenas de representantes
das organizações socioambientalistas, da academia e dos ministérios e agências
reguladoras do governo federal, além de integrantes da própria CTNBio.
Foram debatidos os riscos de contaminação de
sementes crioulas pelas sementes geneticamente modificadas e de aumento do
consumo de agrotóxicos no Brasil. A falta de mecanismos adequados para o
monitoramento da cadeia de transgênicos no país também foi motivo de debate,
além da pouca confiabilidade dos estudos, em sua maioria realizados pelas
próprias empresas transnacionais que controlam a transgenia, levados em conta
pela CTNBio no momento de decidir pelas liberações comerciais.
Ele acredita que a decisão sobre a
utilização do 2,4D ficará para este ano. O procurador também critica os
mecanismos de controle e monitoramento hoje existentes no Brasil, tanto no que
diz respeito aos testes acatados pela CTNBio quanto à cadeia de transgênicos
em geral. Leia a seguir a íntegra da entrevista com Anselmo Henrique
Cordeiro Lopes.
A entrevista é de Maurício Thuswohl,
publicada por Repórter Brasil, 13-01-2014.
Eis a entrevista.
A CTNBio foi notificada pelo Ministério Público
Federal para que interrompesse os testes? Qual foi a reação?
Não foi pedido que ela parasse com os testes, e sim
que continuasse com os estudos e os testes, mas por enquanto não liberasse
comercialmente o produto. Nós solicitamos que não houvesse a liberação
comercial e, com base no Artigo 15 da Lei de Biossegurança, que
trata da CTNBio, pedimos também que eles realizassem uma audiência
pública para que fosse feita uma discussão mais ampla e mais global a respeito
dos impactos diretos e indiretos relacionados a essas sementes. A CTNBio
se negou a realizar essa audiência pública, foi isso que motivou o MPF a
realizar a audiência por conta própria. Nessa audiência que se realizou, nós
chamamos vários atores da sociedade civil e das instituições públicas, e a
própria CTNBio se fez presente através de vários de seus membros.
A CTNBio é obrigada a acatar essa recomendação de
não mais liberar plantas que tenham relação com o 2,4D?
Na verdade, não colocamos isso como uma ordem, mas
sim como uma solicitação. De toda forma, ainda que a CTNBio não se
manifestasse expressamente sobre essa questão da suspensão das liberações, na
prática ela acabou por não realizar liberações em 2013. Essa discussão ficou
para 2014.
Existem muitas críticas à falta de dados
consistentes nos testes – bancados e realizados, em sua maioria, pelas próprias
empresas do setor – que têm embasado as decisões da CTNBio quanto à
liberação de transgênicos. O MPF considera suficientes os dados e
informações trazidos por esses testes? Onde estão as maiores lacunas?
Esses testes são realizados pelas próprias
empresas, até porque o grau de profundidade tecnológica do estudo dá a dimensão
de que realmente é muito difícil fazer estudos independentes a respeito desse
tipo de tecnologia que envolve, inclusive, matéria de sigilo e matéria de
patente.
No caso do 2,4D, existe a denúncia por parte
de vários pesquisadores de que a perspectiva do estudo teria sido reduzida e
que ele não teria abordado vários aspectos necessários do que seria realmente
importante trazer para decidir de forma mais consciente a liberação. Isso foi
discutido na audiência pública, mas não há ainda uma conclusão muito clara a
respeito desse tema.
O Brasil é campeão mundial do consumo de
agrotóxicos. Já foi realizado algum cálculo sobre qual será o impacto da
eventual liberação do 2,4D na expansão do mercado de agrotóxicos no
país?
Isso não foi feito. Nós pedimos que isso fosse avaliado e que houvesse um prognóstico do aumento de consumo de 2,4D incentivado pela liberação das sementes transgênicas, mas até o momento não há nenhum dado científico que demonstre isso. Durante a audiência pública, a representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que existiria um espaço de crescimento de consumo de 2,4D no Brasil de até quatro vezes, um aumento de 300%. Mas, apesar desse posicionamento da Anvisa, não há nenhum estudo que demonstre concretamente qual será o aumento do consumo do 2,4D no Brasil caso haja essas liberações.
O processo de decisão sobre a liberação de
transgênicos no Brasil, na forma como vem ocorrendo na última década, significa
desrespeito a direitos humanos fundamentais?
Até o presente momento, eu não posso afirmar que
houve esse desrespeito. O que eu posso afirmar é que o MPF está
abordando o tema desde essa lógica e essa perspectiva. Isto é, nós estamos
investigando para ver se os direitos humanos fundamentais à saúde, à
alimentação adequada e ao meio ambiente equilibrado e sadio estão sendo
respeitados. Se nós concluirmos que esses direitos são desrespeitados, aí sim
nós iremos tomar as medidas legais cabíveis.
A fiscalização sobre os testes que são levados em
conta pela CTNBio é realizada de maneira satisfatória? A Anvisa cumpre bem o
seu papel?
O papel da Anvisa é outro, diz respeito ao registro
e controle de herbicidas. A CTNBio vai estudar – e fazer a liberação, se
for o caso – das sementes transgênicas. É lógico que existe aí um campo
intermediário que diz respeito à própria interação das sementes transgênicas
com o herbicida, mas, infelizmente, nem um órgão nem o outro acaba alcançando
essas interações. Existe um espaço cinzento e nenhuma instituição acaba
assumindo o papel de fazer esse controle.
Praticamente inexistem no Brasil de hoje mecanismos
de monitoramento e controle da produção e comercialização de transgênicos. É
possível exigir do governo que coloque em prática tais mecanismos?
Qual balanço faz o MPF sobre a Audiência Pública? O
que a pode ser feito daqui pra frente para aprofundar essa discussão na
sociedade civil?
Fonte: EcoDebate
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