A Amazônia continua ameaçada,
sobretudo por pastagens para a criação de gado
Na década de 70, o governo militar ofereceu
incentivos fiscais para os investidores brasileiros e internacionais
‘desbravarem’ a Amazônia. Os empresários começaram a comprar terras que eram
antigos seringais com o intuito transformar a floresta em ‘novas frentes de
negócios’, sobretudo pastagens para a criação de gado.
A reportagem é de Germano Assad e Luana Lila,
publicada pelo portal do Greenpeace, 06-01-2014.
Mas, diferente do que se imaginava em outras
regiões do país, que tinham a ideia de que na Amazônia havia um enorme vazio
demográfico, eram milhares de famílias de seringueiros e povos indígenas
ocupando aquelas terras. Foi assim que começaram os conflitos com a expulsão de
índios, ribeirinhos e seringueiros pelos novos “proprietários”.
Pessoas que nasceram naquelas terras de repente
recebiam a notícia de que seriam obrigados a se retirar. Muitos foram enfrentar
um destino de pobreza extrema e desemprego na periferia das grandes capitais do
Norte. Outros perderam a economia de uma vida, enganados por grileiros. Os que
resistiam eram pressionados por pistoleiros, ameaçados de morte por jagunços e
muitas vezes tinham suas casas queimadas.
Foi nesse contexto que os seringueiros se
organizaram nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, apoiados pela Igreja, que
criou as Comunidades Eclesiais de Base com a missão de conscientizá-los sobre
seus direitos e formar líderes que pudessem atuar nas comunidades. O
jornalista, escritor e documentarista Edilson Martins conhece bem essa
história.
“Antes de conhecer o Chico eu conheci o Pinheiro,
que foi presidente do sindicato antes, e foi assassinado nas mesmas condições
que ele. O Pinheiro é o cara que começa a organizar a resistência em um momento
que o governo militar decide substituir o ciclo mono-extrativista que dominava
a Amazônia pelos grandes projetos agropecuários, madeireiros, de mineração,
rodovias patrocinadas pelo banco mundial, transamazônica, ainda no final dos
anos 60”, lembra.
O novo modelo, dominado pelo capital da
indústria, das grandes fazendas e latifundiários se chocaria, mais para frente,
com a figura do seringueiro, do ponto de vista territorial.
Mobilização e confronto pacífico pela
resistência
O sindicato de Brasileia surgiu em dezembro de
1975, com a ascensão de Wilson Pinheiro como liderança. Wilsão, como era
chamado pelos amigos, foi quem idealizou a forma de embate pacífico tão
inspiradora até hoje, junto com Chico.
Ambos estavam frustrados depois de inúmeras
denúncias feitas aos órgãos competentes à época, de invasão de terras,
violência e agressão à floresta por parte de fazendeiros e pecuaristas, que
terminavam sempre sem resposta.
Cansados, pensaram os empates, que tinham por
objetivo impedir a derrubada da mata e outras formas de violência contra os
seringueiros, como alternativa efetiva às denúncias feitas em vão.
Vinham trabalhadores da região de influência da
BR-317 caminhando até o lugar onde os peões estavam prontos para realizar o
desmate. Surgiam, de repente, centenas de homens, mulheres e crianças para
formar uma corrente humana em frente a área a ser devastada. Do outro lado,
muitos do que estavam prestes a desmatar eram os seringueiros que foram
cooptados pelos novos donos da terra. Eles não tinham coragem de passar por
cima de seus pares. Ali, no interior da floresta, homens e mulheres travavam um
embate entre pobres, a serviço dos ricos.
Em pouco tempo eram oito sindicatos na região,
com 25 mil associados. A luta era desigual pois os fazendeiros tinham o apoio
do Estado, representado por policiais, advogados, juízes e políticos. Para a
antropóloga Mary Alegretti, que viveu esse momento de mobilização, a partir da
década de 80, a capacidade de articulação de Chico Mendes vinha da legitimidade
que eles passava.
“Eu entendi qual era o sentido da luta dele
porque eu tinha visto o que era o seringal, o patrão, o seringueiro eternamente
endividado, eu tinha estudado essa situação. Então quando ele falava do
seringueiro liberto, do empate, da necessidade da educação, eu tinha uma
profunda empatia, porque eu tinha percebido exatamente, sabia o que ele estava
falando. E acho que ele percebeu isso, por isso a gente tinha muita
cumplicidade”, conta.
A manada passa e a soja fica
De lá pra cá, apesar dos esforços das lideranças
locais, a pecuária acabou se instalando na Amazônia e se tornou o maior driver
de desmatamento da região.
Segundo dados do Imazon, entre 1990 e 2003, o
rebanho bovino da Amazônia Legal cresceu 140% e passou de 26,6 milhões para 64
milhões de cabeças. Na esteira da pecuária, a Amazônia foi tomada por outras
commodities, como a soja, que foram expandindo a fronteira do desmatamento na
Amazônia.
Um estudo publicado nesta semana pelo Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) demonstrou a relação entre violência e
desmatamento. De acordo com ele, municípios localizados em áreas de
desmatamento da Amazônia sofrem mais com a violência do que outras cidades
similares.
Segundo a pesquisa, a média da taxa de homicídios
nos 46 municípios que mais desmatavam em 2010 era 48,8 por 100 mil habitantes
naquele ano. Quase o dobro da observada nos outros 5.331 municípios pequenos e
médios do país (27,1 por 100 mil habitantes).
O modelo de desenvolvimento que motivou a luta de
Chico Mendes ainda é o mesmo, baseado em levar grandes projetos para a Amazônia
sem compreendê-la e sem se preocupar com as pessoas que vivem lá.
Daí as situações se repetirem ainda hoje. A
Amazônia 25 anos depois de Chico ainda sofre com a falta de governança e a
impunidade.
“Até hoje, a ideia hegemônica sobre a Amazônia é
que ela tem que se integrar a qualquer custo ao Brasil, quando na verdade é o
Brasil que deveria se integrar a ela, reconhecendo que é dono de grande parte
da maior floresta tropical do mundo e que deve estabelecer um modelo econômico
diferenciado, respeitando os povos que vivem nela. Mas o que se vê é o governo
entregando essa riqueza para a exploração desenfreada, numa lógica em que a
floresta é vista como um empecilho para o desenvolvimento. Isso começou na
época do Chico Mendes e permanece atual, sendo um dos grandes incentivadores da
violência no campo”, afirma Danicley de Aguiar, da Campanha Amazônia do
Greenpeace.
Fonte: EcoDebate
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