Privatização das águas e a desilusão dos pescadores
artesanais. Entrevista com Elionice Sacramento
Com a privatização das águas, “não só os pescadores
serão prejudicados, mas a sociedade de modo geral, porque vai haver um processo
de diminuição da pesca artesanal”, adverte a integrante do Movimento dos
Pescadores e Pescadoras artesanais.
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Foto: http://bit.ly/1fNDm5V
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Responsável por 70% da produção de pescado no país,
a pesca artesanal está ameaçada pelo Projeto do Ministério da Pesca e da
Aquicultura, denominado pelo movimento dos pescadores e pescadoras
tradicionais de “privatização das águas públicas dos mares”.
Trata-se da Cessão de águas Públicas lançada
em editais no mês de junho (Licitações: 11/2013- 12/2013-13/2013-14/2013),
que transfere determinada área do mar para grupos que pretendem cultivar uma
determinada espécie de peixe. Segundo a integrante do Movimento dos
Pescadores e Pescadoras Artesanais, Elionice Sacramento, já serão
privatizadas áreas em cinco estados brasileiros, sendo “três áreas no Ceará, 26
no Rio Grande do Norte, duas em Pernambuco, 16 no Maranhão e 22 na Bahia, as
quais são historicamente utilizadas pelos pescadores e pescadoras artesanais”.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line
por telefone, Elionice enfatiza que “quando o Ministério da Pesca
foi criado, na primeira gestão do governo Lula, os pescadores no Brasil
apoiaram sua criação com a ilusão de que esse Ministério atenderia a
pesca artesanal”. Com o passar do tempo, acentua, o órgão passou a adotar
políticas “que fortaleciam mais a aquicultura, ou seja, o processo de criação
de pescados em cativeiro, e os empresários, que têm relação com essa atividade,
sem considerar o trabalho dos pescadores artesanais do Brasil”.
Elionice Sacramento é integrante do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais.
Confira a entrevista.
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Foto: http://bit.ly/1avWeSZ
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IHU On-Line – O que caracteriza a privatização das
águas públicas e qual é o objetivo desta privatização? Em que consiste essa
política desenvolvida pelo Ministério da Pesca e Aquicultura?
Elionice Sacramento – Queria dizer que quando o Ministério
da Pesca foi criado, na primeira gestão do governo Lula, os
pescadores no Brasil apoiaram sua criação com a ilusão de que esse Ministério
atenderia a pesca artesanal. Depois percebemos que ele estava adotando
políticas que fortaleciam mais a aquicultura, ou seja, o processo de criação de
pescados em cativeiro, e os empresários, que têm relação com essa atividade,
sem considerar o trabalho dos pescadores artesanais do Brasil. Então, o governo
passou a ver o Ministério como um espeço de promoção política de alguns
deputados, tanto que se criou um esquema de corrupção muito grande no
Ministério no que diz respeito à documentação de pescadores. Daí para frente
começamos a ouvir falar em um projeto de privatização das águas públicas.
Em junho, foi lançado no país um edital para a
privatização de áreas de quatro estados brasileiros, ou seja, serão
privatizadas três áreas no Ceará, 26 no Rio Grande do Norte, duas
em Pernambuco, 16 no Maranhão e 22 na Bahia, as quais são
historicamente utilizadas pelos pescadores e pescadoras artesanais. Trata-se de
um modelo que passa por cima das comunidades tradicionais que utilizam aquele
espaço com uma relação de respeito com o mar e que interessa às forças
capitalistas.
IHU On-Line – Como funciona esse processo de
privatização das águas?
Elionice Sacramento – Foi lançado um edital, os
interessados demonstram seus interesses, concorrem a esses espaços. Após a
licitação, o grupo interessado terá direito de fazer uso daquele espaço durante
20 anos e pagar uma quantia mínima aos cofres públicos.
IHU On-Line – O que a privatização das águas
públicas significa para as comunidades tradicionais, especialmente, as
pesqueiras? Além das comunidades, quem mais será prejudicado com a privatização
desses espaços?
Elionice Sacramento – Não só os pescadores serão
prejudicados, mas a sociedade de modo geral, porque vai haver um processo de
diminuição da pesca artesanal. Então, os turistas serão prejudicados, e o
comércio dessas regiões também, porque esses pescados que são produzidos em
cativeiro são pescados para exportação, e não para uso nacional. Por outro
lado, haverá um processo de desequilíbrio do meio ambiente, porque espécies
estranhas serão cultivada no mar, e o lixo produzido por elas ficará no mar.
Sem contar que os pescadores e pescadoras
artesanais desempenham um papel fundamental no Brasil. Nós somos guardiões de
uma tradição milenar, somos produtores de alimento, porque 70% de todo pescado
produzido no país vem da pesca artesanal. Então, essa tradição só se manteve
durante tantos anos porque estabelecemos com a natureza uma relação de completo
respeito, uma relação de amor, mas principalmente uma relação de dependência e
de respeito.
Respeitamos os períodos de reposição dos peixes, e
agimos de acordo com a determinação da natureza. Esses processos industriais
não têm respeito com nada. Eles atropelam tudo, desmontam processos de
organização que já existem nas comunidades.
IHU On-Line – Já existem editais lançados para a
compra de corpos d’águas em alguns estados. Do ponto de vista legal, como o
movimento vem contestando os editais e esse processo de privatização?
Elionice Sacramento – Esse edital lançado em junho
feriu algumas leis e alguns acordos internacionais. Por exemplo, o princípio de
consulta às comunidades tradicionais não foi cumprido.
Então, as comunidades que fazem uso desses espaços
não foram consultadas sobre esse processo de privatização das águas públicas. E
isso já é motivo de ilegalidade do processo.
Quando o edital foi lançado na Bahia, o ministro em
exercício à época não quis ouvir os integrantes do movimento e disse que apenas
uma pessoa poderia falar. Quando nós nos negamos a aceitar essa proposta, o
ministro levantou e disse que não ficava no encontro. Não houve nenhum tipo de
diálogo com a comunidade. Por outro lado, nós visitamos a Secretaria de
Patrimônio da União, que foi quem regularizou as áreas da água para ceder
ao Ministério da Pesca, e questionamos por que os territórios não estão
sendo cedidos aos pescadores, e sim para a apicultura. Segundo as pessoas que
nos receberam, existia a Secretaria de Patrimônio da União desconhecia o porquê
de essas áreas não serem destinadas para a pesca artesanal.
Então, entramos com um recurso contestando a
ilegalidade do processo, fomos até a 6ª Câmara Federal, procuramos a Promotora Deborah
Duprat, e também outros cinco promotores. Todos receberam esse processo com
muita indignação.
IHU On-Line – Os editais determinam que as empresas
vencedoras das licitações devem promover um número mínimo de empregos. Como
você enxerga esse ponto específico?
Elionice Sacramento – A maioria dos empreendimentos,
quando chegam às comunidades, apontam a justificativa de que vão gerar
empregos. Por conta disso, esses empreendimentos acabam recebendo a aceitação
de políticos e de pessoas que não têm vocação para a pesca. Só que isso é
enganação. Temos muita clareza de que o discurso do emprego não é verdadeiro,
até porque o processo que querem implementar é muito industrial.
IHU On-Line – Quais apoios são importantes no
processo de luta para impedir a privatização das águas públicas?
Elionice Sacramento - Nós estamos em campanha pela
própria ação e regularização dos territórios pesqueiros. Nessa campanha foi
pensado um projeto de iniciativa popular onde a sociedade brasileira vai dizer,
através de assinaturas, se concorda que o território pesqueiro seja protegido.
Também temos divulgado o trabalho dos pescadores, porque somos invisível nesse
país. Parece que a sociedade não sabe de onde vem o peixe que gostamos de comer.
Elionice Sacramento - Gostaria de sugerir que as
pessoas acessem o nosso blog, assinem o abaixo assinado pela Campanha da
Regulamentação dos Territórios Pesqueiros, e compreendam a importância da
pesca artesanal e dos pescadores e pescadoras.
(Ecodebate, 02/10/2013) publicado pela IHU On-line,
parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto
Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos,
em São Leopoldo, RS.]
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