Gravidade dos problemas
ambientais e a inconsciência generalizada, artigo de Leonardo Boff
Somos gratos a Washinton Novaes
por toda semana em O Estado de São Paulo nos brindar com dados e reflexões
atualizadas sobre o estado da Terra, da vida e da Humanidade. Ajuda a superar a
geral inconsciência da maioria da população mas especialmente de nossos
governantes, na linguagem de Fritjof Capra verdadeiros “analfabetos ecológico”.
Estamos rumando na direção de um abismo e eles continuam a discutir taxas de
juros, inflação, metas como se tivéssemos todo o tempo futuro à sua disposição.
Não se preocupam com o principal que é o pressuposto de todos os demais
problemas. Publicamos aqui seu artigo que apareceu em O Estado de São Paulo no
dia de São Francisco, 4/10/2013 sob o título: Vamos ter que esperar por racionamentos?
Lboff
É cada vez mais frequente na
sociedade a sensação de que as instituições das áreas de políticas
públicas (Executivo, Legislativo; no Judiciário os problemas têm outros
formatos) parecem sempre mais distantes da formulação de
macropolíticas e projetos capazes de resolver nossos gravíssimos problemas
sociais. Suas decisões ou são muito limitadas na abrangência ou atendem a
interesses específicos dos formuladores e dos que os apóiam – não da sociedade
nem da solução de graves carências que a afligem.
Ainda há poucos dias (28/9), este jornal publicou
em várias páginas as gravíssimas consequências das alterações no clima do
planeta enumeradas no novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas (IPCC, da ONU) e endossadas pela quase totalidade dos cientistas.
Que consequências ou desdobramentos isso está tendo em nossas políticas
internas ? Que urgência está sendo dada às recomendações do IPCC, embora seu
secretário-geral, Rajendra Pachauri, tenha dito que o mundo está “a cinco
minutos da meia noite” ?
Não que nos faltem, internamente, informações
capazes de embasar políticas adequadas. Ainda há poucas semanas, o próprio
relatório de 345 cientistas do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – onde
o governo federal está representado – afirmou que a temperatura no nosso
Semiárido (que já passa pela maior seca em 50 anos) poderá aumentar de 3
a 4,5 graus Celsius até o fim do século, com a 40 a 50% menos de chuvas; na
Amazônia poderão ser 6 graus mais; na Mata Atlântica do Sudeste poderá haver
30% mais de chuvas, no Cerrado 40% menos. Vamos mudar algo ? Estudo de grupo
interdisciplinar de 26 pesquisadores da Unicamp alerta (1/10) que, ao
contrário, a expansão da cana-de-açúcar no Centro-Oeste, em função de vantagens
econômicas de curto prazo, esconde problemas sociais e ambientais que “tendem a
se agravar por causa de mudanças climáticas”. A necessidade de irrigação
intensa, principalmente, está levando a conflitos pelo uso de recursos hídricos
cada vez mais escassos – quando o conveniente seria gerar variedades mais
resistentes às condições locais. Enquanto isso, as administrações públicas
“parecem fascinadas demais pela riqueza fácil” trazida pela cultura.
Nessa área dos recursos hídricos, não é preciso
trazer de novo os dramas do saneamento, com quase 90 milhões de pessoas no país
sem ligação de suas casas com redes de esgotos, quase 15 milhões sem receber
água tratada – e com todas as nossas bacias hidrográficas, da Bahia ao
Sul, em “situação crítica”, segundo a Agência Nacional de Águas, por
causa do despejo de esgotos sem tratamento.
Mas não é só aqui. Na recente 23.a Semana Mundial
da Água, em Estocolmo, lembrou-se (2/9) que as insuficiências no abastecimento
de água provocam 5 mil mortes diárias no mundo, quase 2 milhões por ano. 350
cientistas reunidos no seminário “Water in the Anthropocene”, em Bonn,
asseguraram (New Scientist, 1/6) que “em apenas uma ou duas gerações a
maioria da população da Terra sofrerá com a falta de água de boa qualidade”.
Mais de metade dos rios e córregos dos Estados Unidos, diz a Agência de
Proteção Ambiental daquele país (16/4), já tem problemas graves de
contaminação dos peixes, contaminação por bactérias fecais e nutrientes
contidos em fertilizantes, que fazem proliferar algas, poluem com fósforo e
nitratos. A cada ano, diz o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente –
PNUMA que 100 milhões de toneladas de nitrogênio usadas nas lavouras chegam aos
oceanos. O respeitado Thomas Friedman (The New York Times) contou neste
jornal (ESTADO, 10/5) que ao visitar o Iêmen encontrou uma cidade na região de
montanhas (Taiz) onde as pessoas só podem usar as torneiras de suas
casas por 36 horas a cada 30 dias; no restante do tempo, têm de pagar por água
transportada por caminhões que a comercializam.
A gravidade progressiva dos conflitos por água já
está à vista. O volume de água necessário para produzir energia dobrará no
mundo em 15 anos, segundo a Agência Internacional de Energia (O Globo, 31/3).
Enquanto isso, já chegamos à perda de 50% das áreas úmidas no planeta, com o
avanço da exploração agropecuária, industrial e urbana. E ainda precisaríamos
aumentar o consumo de água para irrigação, de 70% do total atual para 90%, com
o aumento da população. Como ? No Fórum Mundial da Água, em junho, em Foz do
Iguaçu, o brasileiro Benedito Braga, seu presidente, enfatizou que o Nordeste
brasileiro “já precisa armazenar água”. E foi ao ponto central abordado no
início deste texto: “Soluções técnicas nós temos; mas a questão é
política; e necessita de recursos financeiros.”
Enquanto não chegamos às macropolíticas e à
conjugação de projetos, vamos com ações isoladas. São Paulo lança pacote de
barragens e diques urbanos, mas continuamos com centenas de milhares de pessoas
morando em áreas de preservação obrigatória às margens de reservatórios para
abastecimento. Enquanto se vai buscar mais água a dezenas de quilômetros de
distância e a custos altíssimos; outras tantas pessoas vivem em áreas de risco,
sujeitas a deslizamentos, desmoronamentos. Não se consegue evitar que dezenas
de afluentes do Tietê, sepultados sob o asfalto, levem para o rio mais lixo e
sedimentos; e ele tem mais de 100 quilômetros de suas águas sob um mar de
espuma, que o transforma no rio mais poluído do país, embora a nascente, em
Salesópolis, continue a fornecer água potável (ESTADO, 22/9).
Onde teremos de chegar ? Todos os dias discutimos
o crescimento ou recuo do produto interno bruto, o avanço ou decréscimo da
dívida pública, o progresso ou retrocesso deste ou daquele setor econômico,
mais ou menos empregos – mas sem discutir o que está na base física de tudo: os
recursos naturais (que não são infinitos). Será preciso enfrentarmos
racionamentos, penúrias ? Não teremos competência para formular políticas
adequadas ?
Leonardo Boff é autor de Depois de 500 anos:
que Brasil queremos? Vozes, Petrópolis 2000.
Artigo originalmente publicado por Leonardo Boff
em seu blogue pessoal.
Fonte: EcoDebate
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