Mais de 50% do desmatamento da Amazônia é gerado
por demanda de consumo fora do bioma
Mais de
50% das emissões de gases de efeito estufa do bioma são causados pela demanda
do restante do país e do exterior por insumos produzidos na região, aponta
estudo feito na USP
O consumo interno do Brasil e as exportações de
soja, carne bovina e outros produtos primários provenientes da Amazônia são
responsáveis por mais da metade das taxas de desmatamento e, consequentemente,
das emissões de gases de efeito estufa (GEE) registradas pelo bioma.
A avaliação é de um estudo [Socio-economic
impacts of climate change in Brazil: quantitative inputs for the design of
public policies] realizado por pesquisadores da Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade (FEA), da Universidade de São Paulo (USP), no
âmbito de um Projeto Temático, realizado no Programa FAPESP de Pesquisa sobre
Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
Os resultados do estudo foram apresentados no dia
12 de setembro durante a 1ª Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais
(Conclima), realizada pela FAPESP em parceria com a Rede Brasileira de Pesquisa
sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e o Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC), em São Paulo.
“Mais da metade das emissões de GEE da Amazônia
acontecem por conta da demanda de consumo fora da região, para abastecimento
interno do país ou para exportação”, disse Joaquim José Martins Guilhoto,
professor da FEA e um dos pesquisadores participantes do projeto.
De acordo com dados apresentados pelo
pesquisador, obtidos do segundo Inventário Nacional de Emissões de Gases de
Efeito Estufa – publicado no final de 2010, abrangendo o período de 1990 a 2005
–, em 2005 o Brasil emitiu mais de 2,1 gigatoneladas de CO2 equivalente. A
Amazônia contribui com mais de 50% das emissões de GEE do país.
A fim de identificar e entender os fatores
econômicos causadores do desmatamento e, por conseguinte, das emissões de GEE
na Amazônia naquele ano, os pesquisadores fizeram um mapeamento das emissões
diretas por atividade produtiva separando a Região Amazônica do restante do
Brasil e calcularam a parcela de contribuição de cada um na emissão de CO2
equivalente, assim como a participação das exportações.
Os cálculos revelaram que as exportações diretas
da Amazônia são responsáveis por 16,98% das emissões de GEE da região. Já as
exportações do resto do país são responsáveis por mais 6,29% das emissões da
Amazônia, uma vez que há produtos provenientes da região que são processados e
exportados por outros estados brasileiros.
O consumo interno, por sua vez, responde por
46,13% das emissões amazônicas, sendo 30,01% pelo consumo no restante do país e
16,12% pelo consumo dentro da própria Região Amazônica, aponta o estudo.
“A soma desses percentuais demonstra que mais de
50% das emissões de GEE da Amazônia ocorrem por conta do consumo de bens
produzidos na região, mas consumidos fora dela”, afirmou Guilhoto. “Essa
constatação indica que os fatores externos são mais importantes para explicar
as emissões de GEE pela Amazônia.”
Segundo o estudo, a pecuária, a produção de soja
e de outros produtos agropecuários são os setores produtivos que mais
contribuem para as emissões de GEE pela Amazônia. Mas, além deles, há outros
setores econômicos, como o de mobiliário, entre outros, que são fortemente
dependentes de insumos produzidos na região.
“Os dados obtidos no estudo mostram que, de modo
geral, apesar de haver uma dependência muito maior da Amazônia pelos insumos
produzidos pelo resto do Brasil, a pouca dependência que o resto do Brasil tem
do bioma se dá em insumos fortemente relacionados com a emissão de GEE na
região”, resumiu Guilhoto.
Redução do desmatamento
Em outro estudo também realizado por
pesquisadores da FEA, no âmbito do Projeto Temático, constatou-se que entre
2002 e 2009 houve uma grande expansão da área de produção agropecuária
brasileira e, ao mesmo tempo, uma redução drástica das taxas de desmatamento da
Amazônia.
A cana-de-açúcar, a soja e o milho responderam
por 95% da expansão líquida da área colhida entre 2002 e 2009, enquanto o
rebanho bovino teve um acréscimo de 26 milhões de cabeças de gado. Nesse mesmo
período a Amazônia registrou uma queda de 79% do desmatamento.
A fim de investigar os principais vetores do
desmatamento no país, uma vez que boa parte dos eventos de expansão
agropecuária ocorre fora da Amazônia, os pesquisadores fizeram um estudo usando
análises espaciais integradas do território brasileiro, incluindo os seis
biomas do país.
Para isso, utilizaram dados sobre desmatamento
obtidos do Projeto Prodes, do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), além de imagens
georreferenciadas obtidas dos satélites Landsat, da agência espacial
norte-americana Nasa.
O estudo revelou que, no período de 2002 a 2009,
foram desmatados 12,062 milhões de hectares da Amazônia, 10,015 milhões de
hectares do Cerrado, 1,846 milhão de hectares da Caatinga, 447 mil hectares do
Pantanal, 375 mil hectares da Mata Atlântica e 257 mil hectares do Pampa.
“A soma desses números indica que o Brasil
desmatou em sete anos o equivalente ao Estado de São Paulo mais o Triângulo
Mineiro ou uma Grã-Bretanha”, calculou Rafael Feltran-Barbieri, pesquisador da
FEA e um dos autores do estudo.
De acordo com o pesquisador, uma das principais
conclusões do estudo foi que os outros biomas estão funcionando como uma
espécie de “amortecedor” do desmatamento da Amazônia.
“Quando consideramos a expansão agropecuária do
Brasil como um todo, vemos que boa parte da redução das taxas de desmatamento
da Amazônia se deve ao fato de que os outros biomas estão sofrendo essas
consequências [registrando aumento no desmatamento]”, afirmou.
Outra conclusão do estudo é de que há um impacto
espacial sinérgico dos vetores do desmatamento no Brasil, uma vez que a
expansão das diversas atividades agropecuárias – como o cultivo da cana e da
soja ou a criação de gado – ocorre de forma concomitante e disputa território.
No caso da cana-de-açúcar, uma das constatações
foi que, no período de 2002 a 2009, a cultura passou a ocupar áreas desmatadas
por outras atividades agropecuárias, embora ela própria não tenha vocação para
desmatar.
“Estamos percebendo que existe uma formação quase
complementar entre as expansões [nos diferentes biomas] e isso faz com que os
efeitos de desmatamento sejam altamente correlacionados”, disse
Feltran-Barbieri.
“Essa constatação leva à conclusão de que, se o
Brasil pretende assumir uma posição de fato responsável em relação às mudanças
climáticas – e disso depende a agropecuária –, é preciso fazer planejamento
estratégico do território, porque o planejamento setorial não está dando conta
de compreender esses efeitos sinérgicos”, avaliou.
Socio-economic
impacts of climate change in Brazil: quantitative inputs for the design of
public policiesMatéria de Elton Alisson, da Agência FAPESP, publicada pelo EcoDebate, 23/09/2013
Fonte EcoDebate
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