Efeitos nocivos do massivo
consumo mundial de carne sobre o meio ambiente e a saúde
Fabrice Nicolino, autor de Bidoche, L’Industrie
de la viande menace le monde (Éditions Les Liens que Libèrent), respondeu, dia
16 de outubro, às questões dos leitores do Monde.fr sobre os efeitos nocivos do
aumento massivo do consumo mundial de carne sobre o meio ambiente e a saúde.
Os diálogos com Fabrice Nicolino estão publicados
no Le Monde, 16-10-2009. A tradução é do Cepat.
ours: De que modo a produção de carne tem
consequências sobre a mudança climática?
Fabrice Nicolino: É uma questão complexa, mas
dispomos de um documento oficial, institucional, um enorme relatório de 2006 da
Organização para Alimentação e Agricultura (FAO), da ONU. De fato, trata-se de
uma análise global de todo o ciclo da produção pecuária no mundo. Não somente
dos animais, mas a sua alimentação, os meios de transporte utilizados [para
levá-los aos frigoríficos]. Esse relatório estima que todo o gado mundial emite
18% de gás de efeito estufa de origem humana, e esse total é superior àquele
que diz respeito aos transportes utilizados pelos seres humanos (carros,
navios…).
Pharell_Arot: Bom-dia. Sendo um aficionado por
carne, eu me pergunto sobre as condições a serem adotadas para conjugar os
prazeres alimentares e o desenvolvimento sustentável. Quais são, para você, as
precauções que um consumidor médio pode tomar imediatamente?
Fabrice Nicolino: A primeira coisa é lembrar que
o consumo de carne na França foi multiplicado aproximadamente por 4 desde a
segunda Guerra Mundial. Nós comemos muita carne, por razões econômicas e
políticas. Eu realmente não tenho conselho a dar. Minha opinião é que podemos
comer muito menos carne, comer uma carne de melhor qualidade. Pessoalmente, eu
como carne, mas cada vez menos, e é carne biológica, porque nesta maneira de
produzir está proibido o uso em grande quantidade de produtos medicinais e
químicos.
Pharrell-Arot: Há consumos de espécies menos
perigosas que outras para o planeta? A de porco, por exemplo?
Fabrice Nicolino: O pior transformador de energia
é o boi. Quanto menos vegetais um animal consumir, menos o seu consumo é
prejudicial para os equilíbrios do planeta. E desse ponto de vista, há uma
certa hierarquia que vai do frango ao boi passando pelo suíno. O menos mal é o
frango.
Herve_Naturopathe: Há um lobby francês dos
frigoríficos/criadores tão importante quanto nos Estados Unidos?
Fabrice Nicolino: Realmente creio que não. Existe
um lobby da carne industrial na França, poderoso, mas que não tem nada a ver
com a extraordinária importância que a “carne” tomou nos Estados Unidos. Nesse
país, há uma história apaixonante por trás do lobby da carne. Um notável livro,
La Jungle, publicado em 1906 por Upton Sinclair, descreve o universo dos
matadouros de Chicago. É um livro belíssimo.
Nos Estados Unidos, o lobby é realmente muito
poderoso; secretários de Estado da Agricultura, especialmente na presidência de
Reagan, eram ex-industriais da carne. Sob as Administrações republicanas, mas
não apenas, há uma espécie de consanguinidade entre políticos e o lobby da
carne.
Voltando ao caso da França, sim, existe um lobby
da carne, que é representado pelo Comitê de Informação das Carnes, que tem
relações estreitas com a indústria da carne, seguramente, mas também com o
aparelho do Estado, o Ministério da Agricultura e o maior sindicato patronal de
agricultores, a FNSEA.
Romain: Que alimentos podemos utilizar para
substituir a carne vermelha em matéria de contribuição nutricional e de sabor?
Fabrice Nicolino: Não há resposta para esta
questão… O sabor da carne vermelha é o sabor da carne vermelha. Eu não saberia
dizer o que poderia substituir o seu sabor. No plano nutricional, por mais
curioso que possa parecer, um grande número de estudos mostra que os regimes
vegetarianos ou os regimes extremamente pouco carnívoros são os melhores para a
saúde humana. Eu cito rapidamente um nome, conhecidíssimo nos meios da
nutrição: é um norte-americano que se chama Colin Campbell. Ele conseguiu fazer
um estudo comparativo da alimentação entre, de um lado, os cantões chineses e,
do outro, os condados americanos. Um imenso estudo que durou vinte anos. Ele
observa que o regime chinês, amplamente baseado numa dieta de vegetais, é
infinitamente melhor para a saúde.
cocoparis: Você acha que é preciso reduzir também
o nosso consumo de leite?
Fabrice Nicolino: É um debate aberto e inclusive
no plano científico. O que é certo é que o hiperconsumo de leite, que caminha
paralelamente à industrialização da pecuária, é muito nefasto à saúde humana.
Passamos de vacas bem alimentadas que produziam, em 1945-1946, em torno de
2.000 litros de leite por ano a vacas que dão 8.000, 10.000, inclusive 12.000
litros por ano.
Está claro que quando se produz estas quantidades
de leite, é preciso que esse leite seja consumido na sequência. É preciso que
as pessoas o bebam. Há nisso uma lógica de ferro muito constrangedora. Se é
produzido, necessita de um mercado, necessita de saída. No campo da saúde, o
leite não é um alimento tão bom quanto se acreditava ou se fazia crer durante
muito tempo.
Apis88: Atualmente, está claramente demonstrado
que os países que se enriquecem veem o consumo de carne por habitante aumentar.
Esta constatação pode ser invertida?
Fabrice Nicolino: É uma questão decisiva, uma
questão chave. Existe um modelo de consumo de carne, o modelo ocidental,
baseado sobre um consumo muito grande de carne. Ora, a produção de carne
necessita de quantidades industriais de cereais. E as áreas agrícolas no mundo
não podem ser ampliadas ao infinito. Muitos agrônomos de primeira linha se
perguntam como se poderá, nos próximos anos, satisfazer este impressionante
aumento da demanda de carne nos países chamados emergentes, no topo dos quais
está a Índia, mas sobretudo a China, onde 200 milhões ou 300 milhões de
chineses reclamam carne, porque pela primeira vez eles têm dinheiro para
comprá-la e querem unir-se ao modelo ocidental.
O problema é que as terras agrícolas que
permitiriam alimentar esse gado estão em falta, e parece extremamente difícil
encontrar novas áreas sobre a Terra assim como está. O que eu quero dizer é que
na minha opinião o modelo de consumo de carne praticado entre nós não é de
maneira alguma generalizável a todo o planeta. Dito de outra maneira, me parece
altamente provável que será preciso rapidamente se colocar a questão central,
fundamental, do nosso modelo alimentar. Sem isso, poderemos sem dúvida passar
do atual bilhão de esfomeados crônicos para talvez dois bilhões ou três bilhões
em 2050.
br: Você acha que os políticos, em sua resposta à
crise agrícola atual, vão levar em consideração esse fenômeno?
Fabrice Nicolino: Claramente, não, não, não e
não. Vou fazer um paralelo com a situação da França em 1965. O ministro da
Agricultura do General de Gaulle chama-se Edgard Pisani. Em 1965, este fez uma
turnê triunfal pela Bretanha, e declarou, sob aplausos: a Bretanha deve
tornar-se uma fábrica de leite e de carne da França. É muito importante, porque
vemos bem que os políticos seguem, evidentemente, objetivos, mas que por
definição são objetivos políticos. Ora, nós estamos em vias de falar de
questões de outra natureza, que reclamam decisões muito mais refletidas, muito
mais pensadas, sobre um prazo muito maior que o tempo dos políticos. Eu
acrescentaria que a ecologia, a crise ecológica e tudo o que a ela estiver
associado vai impor visões, pontos de vista, decisões para as quais a classe
política, de todos os espectros ideológicos, da extrema direita à extrema
esquerda, não está preparada.
GrandGousier: De acordo, é preciso deter esta
orgia de carne, por todas as razões inventariadas em seu livro. Mas, por onde
começar? Na França, quais seriam as primeiras ações a serem tomadas, os
primeiros objetivos a serem fixados?
Fabrice Nicolino: Eu não estou aqui para dar
lições a quem quer que seja. Mas como pessoa, eu penso que seria bom unir-se à
construção de um movimento de consumidores como nunca se viu. Eu penso, na
linha do que acabo de dizer sobre a classe política, que apesar do seu
interesse e de sua valentia, os movimentos de consumidores que existem na
França, por exemplo, a UFC-Que Choisir [União Federal de Consumidores,
associação francesa de consumidores] ou 60 milhões de consumidores, exprimem em
grande parte preocupações de outro tempo. Eu penso que seria útil e necessário
para todos que nasça um movimento de consumidores que integre a crise
ecológica, que é fundamentalmente uma crise dos limites físicos. E esse
movimento, quando aparecer, provavelmente lançará ações coletivas contra a
carne industrial. Para mim, este movimento passará necessariamente por formas
de boicote.
Herve_Naturopathe: Ser “consommacteur”
[consumidor comprometido] não seria a resposta? Consumir com reflexão e
respeito…
Fabrice Nicolino: Seguramente. Mas a questão é
quando e como, porque já tivemos movimentos. Eu lembro do boicote dos hormônios
para os terneiros em 1980, movimento lançado pelo UFC-Que Choisir. O consumo da
carne de terneiro foi dividida por 6 ou 8, era muito impressionante. E o sistema
se adaptou, pois se reforçou. Portanto, a questão é realmente saber como
encontrar uma eficácia frente a uma indústria que está unida por fios a todos
os poderes estabelecidos, quer sejam administrativos, políticos, industriais,
sindicais. É uma questão que eu aplico a mim mesmo: como tornar-se “consumidor
comprometido” realmente e não apenas nos propósitos.
hadadada: No futuro, deveremos parar totalmente
de consumir carne?
Fabrice Nicolino: Eu não vejo esse ponto no
horizonte da minha vida. Em todo o caso, eu descobri, ao escrever o livro, que
se pode viver sem comer carne. Eu realmente a ignorei. Eu creio que durante
muito tempo fizemos chacota dos vegetarianos e que julgávamos, às vezes contra
todas as evidências, que sua saúde era muito ruim. Alguns lobistas de que falo
no meu livro lembram, para desqualificar os vegetarianos, que tanto Hitler como
Jules Bonnot, o anarquista, foram vegetarianos. O que eu constatei é que se
pode viver sem comer carne. Devido aos grandes equilíbrios e para enfrentar os
grandes problemas que estão diante de nós, a começar pela fome, me parece vital
que mudemos novamente de regime alimentar e que renunciemos a uma boa parte da
carne que ingerimos a cada ano. Mas mais carne, eu não creio absolutamente
nisso, eu penso que é uma questão antropológica, que leva a muitas outras. Não
estou certo de que a humanidade seja realmente destinada a não mais comer
carne.
cocoparis: E o que você tem a dizer aos
criadores? Mudar de profissão? Tornar-se cerealistas?
Fabrice Nicolino: É uma questão terrível. Eu
gosto dos agricultores. É verdade que eu prefiro os agricultores do Sul àqueles
saturados de subvenções do Norte, mas o mundo da pecuária é um mundo em que
encontrei um monte de gente boa, mesmo na pecuária intensiva. Mas eu quero ser
direto: eu penso que a pecuária industrial está condenada. Eu penso que a
França, a sociedade francesa, contraiu uma dívida com os criadores, e uma vez
que tudo foi organizado em vista da pecuária industrial, seria insuportável
dizer repentinamente aos pecuaristas para que mudem de profissão. Eu penso que
se deveria imaginar um plano de transição, um pouco sobre o modelo do plano de
transição de saída da energia nuclear na Alemanha. Poderíamos imaginar um plano
de transição de 15 anos para permitir uma aterrissagem suave, para permitir a
um certo número de criadores uma retirada digna, e para incentivar os mais
jovens a se lançar numa pecuária mais respeitosa dos animais, dos equilíbrios
naturais, e dos seres humanos que estão no final da cadeia.
Scheatt: As transformações necessárias para um
modo de vida mais sóbrio são compatíveis com a organização atual da
distribuição e da pecuária?
Fabrice Nicolino: Não, porque é preciso
compreender que se trata de um sistema extremamente eficaz em seu registro,
muito complexo, muito rodado, que exclui, por exemplo, todo direito dos animais
a existir. Eu, com o risco de chocar alguns, sou muito sensível à sorte dos
seres humanos, eu sou um humanista, mas considero que os animais têm direito à
existência. Eu dediquei o meu livro aos animais mortos sem terem vivido. Num
passado remoto, durante 8.000 a 9.000 anos, os seres humanos viveram um
companheirismo com os animais, que era sem crueldade, sem violência e sem
maus-tratos. Os animais davam sua carne, sua pele, sua força de trabalho, mas
eles permaneciam seres vivos, sensíveis.
A indústria transformou totalmente os animais, a
quem tanto devemos. Eu lembro que sem a existência dos animais domésticos, não
teria havido civilização humana. Passamos a uma situação de industrialização em
que o animal tornou-se uma coisa, uma mercadoria, um objeto de troca, de
material. Eu creio que esta ruptura na história da nossa relação com os animais
tira de nós uma parte considerável da nossa humanidade. Eu creio que esta
maneira de tratar este “outro” que é o animal abre as portas para um caminho
moral.
Fonte: Ecodebate
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