Consumo insustentável e a devastadora ‘modernidade’ do novo Iphone5
Suspeita de comprar estanho que é extraído por
crianças e arrasar um paraíso ambiental, Apple reage tratando usuários como
otários.
A reportagem é de Vinicius Gomes e publicada pelo
sítio Outras Palavras, 26-09-2013.
Toda vez que um novo iPhone está para ser
lançado, produz-se um frisson mundial. No caso do novo Iphone 5S, não foi
diferente. Pessoas acamparam por semanas em frente à loja da Apple em Nova
York, esperando que suas portas se abrissem. Quando isso finalmente ocorreu,
foram saudadas pelos funcionários como se tivessem acabado de conquistar uma
medalha de ouro nas Olimpíadas. Mas por trás de toda a fanfarra de marketing,
existe uma realidade que quase nunca é acompanhada pela mídia com tanta
empolgação como as filas em frente das lojas.
O jornalista britânico George Monbiot começou a
revelá-la esta semana, em seu blog. A Apple, demonstrou ele, participa de um
dos crimes ambientais que melhor expõem a desigualdade das relações Norte-Sul e
a irracionalidade contemporânea.
Ela provavelmente compra estanho produzido, na
Indonésia, em relações sociais e de desprezo pela natureza que lembram as do século
19. Pior: convidada por ativistas a corrigir esta prática, a empresa esquiva-se
– destoando inclusive de suas concorrentes. E, ao fazê-lo, usa argumentos que
sugerem: trata o público e seus consumidores como se fossem incapazes de outra
atitude mental além do ímpeto de consumo.
Monbiot refere-se ao uso, pelos fabricantes de
celulares, do estanho extraído da ilha de Bangka, na Indonésia. O metal é
indispensável para a soldagem interna dos smartphones. Cerca de 30% da produção
global concentra-se na Indonésia – mais precisamente, em Bangka. O problema são
as condições de extração.
O jornalista as descreve: “Uma orgia de mineração
sem regras está reduzindo um sistema complexo de florestas tropicais e campos a
uma paisagem pós-holocausto de areia e subsolo ácido. Dragas de estanho, nas
águas costeiras, também estão varrendo os corais, os manguezais, os mariscos
gigantes, a pesca e as praias usadas como ninhos pelas tartarugas”.
A cobiça pelo estanho barato não poupa nem a
natureza, nem o ser humano. Monbiot prossegue: “Crianças são empregadas, em
condições chocantes. Em média, um mineiro morre, em acidente de trabalho, a
cada semana. A água limpa está desaparacendo. A malária espalha-se e os
mosquitos proliferam nas minas abandonadas. Pequenos agricultores são removidos
de suas terras”.
Estas condições desesperadoras desencadearam
reação de ativistas. A organização internacional Amigos da Terra articulou o
movimento. Não se trata de algo conduzido por rebeldes sem causa. A campanha
reconhece que eliminar a mineração seria uma proposta inviável, por desempregar
milhares de pessoas. Propõe, ao contrário, um pacto. Todo o estanho produzido
em Bangka é adquirido pelas corporações que fabricam celulares. Se elas
concordarem em respeitar condições sociais e ambientais decentes, a exploração
de gente e da natureza não poderá prosseguir.
Sete fabricantes transnacionais abriram diálogo
com a campanha: Samsung, Philips, Nokia, Sony, Blackberry, Motorola e LG. A
única das grandes fabricantes a se recusar foi a Apple – também conhecida por
encomendar a fabricação de seus aparelhos às indústrias de ultra-exploração do
trabalho humano da Foxconn.
O mais bizarro, conta Monbiot, são os
estratagemas primitivos usados pela Apple para evitar um compromisso de
respeito aos direitos e à natureza. O jornalista procurou por duas vezes, nos
últimos dias, o diretor de Relações Públicas da empresa. Propôs, em nome da
transparência, um diálogo gravado. Sugestão negada. Na conversa reservada,
relata, não obteve informação alguma, exceto uma sugestão: dirija-se a nosso
site.
Mas é lá, diverte-se Monbiot, que a Apple mais
zomba da inteligência dos consumidores. A corporação informa, placidamente, que
“a Ilha de Bangka, na Indonésia, é uma das principais regiões produtoras de
estanho no mundo. Preocupações recentes sobre a mineração ilegal de estanho na
região levaram a Apple a uma visitas de inspeção, para saber mais”. Mas a Apple
não reconhece que compra o metal produzido em Bangka – provavelmente para não
se comprometer com a campanha contra a exploração devastadora. O jornalista,
então, pergunta: “Por que dar-se ao trabalho de uma visita de inspeção, se você
não usa o estanho da ilha? E se você usa, por que não admiti-lo?”
Tudo isso sugeriria renunciar a um celular? Claro
que não, diz Monbiot. Trata-se de exigir das empresas respeito a normas sociais
e ambientais. Pressionadas, sete corporações transnacionais ao menos admitiram
debater o tema. A Apple destoou. Quem tem respeito pelos direitos sociais e
pela natureza deveria evitar os aparelhos da empresa, recomenda o jornalista.
Quem quer ir além pode, por exemplo, optar pelo
Fairphone, celular produzido por empreendedores expressamente interessados em
proteger direitos e ambiente. Estará disponível a partir de dezembro. Porém,
mais de 15 mil unidades já foram vendidas, nos últimos meses a consumidores
conscientes.
(Ecodebate,
02/10/2013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do
EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto
Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos,
em São Leopoldo, RS.]
Fonte: EcoDebate
Nenhum comentário:
Postar um comentário