A Inserção da Reciclagem nos
Mercados de Carbono, artigo de Marcos Vinicius Godecke
A INSERÇÃO DA RECICLAGEM NOS MERCADOS DE CARBONO:
AVALIAÇÃO DA SITUAÇÃO BRASILEIRA E ESTUDO DO CASO
DE PORTO ALEGRE, RIO GRANDE DO SUL
Marcos Vinicius Godecke
1. INTRODUÇÃO
Diferentemente de países onde a valorização
econômica dos resíduos sólidos urbanos fez com que passassem de problema à
solução, esta gestão no Brasil ainda carece de significativa evolução. A Lei
12.305/2010 trouxe um novo horizonte para este desenvolvimento, porém sua
implementação está lenta e aquém das necessidades. Dentre os problemas
encontra-se o baixo aproveitamento dos recicláveis, ainda muito desperdiçados
por disposições em aterros e lixões. Além do subaproveitamento econômico, a
reciclagem brasileira também mostra-se insustentável pela ótica ambiental e
social. Ambientalmente, por razões como a exploração das matérias-primas e
energia acima da capacidade de recuperação do planeta, além da poluição por
resíduos, efluentes e emissões. Socialmente, por não dar condições dignas de
vida à significativa parcela de trabalhadores que vive da catação.
Além da insustentabilidade econômica, social e
ambiental, o desperdício de recicláveis resulta na perda de oportunidades para
mitigação do aquecimento global, visto que a utilização de insumos recicláveis
em substituição a insumos virgens nos processos produtivos reduz as emissões de
gases de efeito estufa (GEE).
Deste cenário resultou o problema da pesquisa que
avaliou as condições de acesso da reciclagem brasileira e da Coleta Seletiva de
Porto Alegre às receitas decorrentes dos serviços climáticos prestados pela
atividade, através do acesso aos mercados regulados e voluntários de carbono, e
identificou condições institucionais necessárias para a viabilidade de projetos
desta natureza.
Além da avaliação destas condições sob aspectos
técnicos, econômicos e sociopolíticos, a pesquisa procurou aquilatar o grau de
importância das causas antrópicas no aquecimento global e as repercussões das
suas consequências como indutoras de políticas de mitigação; verificou a
importância do setor de reciclagem na redução das emissões de gases de efeito
estufa (GEE); e estimou a situação atual e potencial da reciclagem brasileira e
porto-alegrense nas reduções de GEE.
2. METODOLOGIA
A pesquisa apresentou caráter exploratório, em face
da sua originalidade frente a estudos prévios ou referenciais bibliográficos
existentes. Para seu desenvolvimento foi utilizada pesquisa bibliográfica,
documental, exploratória e estudo de caso. Foram realizadas visitas técnicas às
Unidades de Triagem (UT) da Coleta Seletiva de Porto Alegre, a intermediários
comerciais comparadores de recicláveis daquelas UTs, à empresa recicladora de
plásticos e ao DMLU, departamento da Prefeitura Municipal de Porto Alegre
responsável pela gestão dos resíduos sólidos.
A investigação sobre o fenômeno do aquecimento global,
nível de convicção científica de sua existência, natureza antrópica e dimensão
das consequências futuras, caso suas causas não sejam mitigadas, foi realizada
a partir de diversificada gama de publicações, em especial daquelas que compõem
o 4º Relatório de Avaliação do IPCC (IPCC, 2007).
Para a verificação da importância do setor de
reciclagem no universo das ações de mitigação foram analisadas metodologias,
programas computacionais e estudos que se ocupam da medição da pegada de
carbono relacionada à gestão de resíduos sólidos. A principal fundamentação
teórica utilizada para a análise da viabilidade técnica do acesso aos mercados
de carbono foi a Análise de Ciclo de Vida (ACV) (REBITZER et al., 2004;
PENNINGTON et al., 2004), base das metodologias utilizadas na quantificação das
reduções das reduções de emissões propiciadas pela reciclagem.
A quantificação das reduções de emissões pela
reciclagem foi dimensionada em três níveis, nacional, municipal e Coleta
Seletiva, com base na metodologia AMS-III.AJ do Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo (MDL) (UNFCCC, 2012) e pela aplicação dos fatores de reduções de GEE
estimados pela United States Environmental Protection Agency (USEPA)
(USEPA, 2006).
A quantificação dos recicláveis em nível nacional
baseou-se em dados agregados de consumo aparente publicados por entidades
representativas dos segmentos estudados: embalagens de alumínio, embalagens de
aço, papéis, plásticos e vidros. Na quantificação local foi utilizada como proxy
a relação entre o Produto Interno Bruto (PIB) nacional e local. Para a Coleta
Seletiva foram utilizadas as quantidades de comercialização obtidas na pesquisa
de campo, ajustadas com base nos preços de comercialização e na remuneração
média dos recicladores.
O estudo da viabilidade econômica e sociopolítica
da inserção da reciclagem nos mercados de carbono utilizou fundamentos
relacionados àqueles mercados (LABATT; WHITE, 2007; BAYON et al., 2007), além
de conceitos sobre a nova governança (SALAMON, 2000) e à autogestão nas
Entidades de Economia Solidária (EES) (CANÇADO, 2008), entre outros. Foi
aplicada de forma exemplificativa a Metodologia do Carbono Social (MCS)
(REZENDE; MERLIN, 2003).
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com relação ao aquecimento global, embora as
conclusões apresentadas assentem-se em bases probabilísticas, entende-se que o
Princípio da Precaução fornece sustentação legal para as ações na direção da
Economia de Baixo Carbono. De acordo com este Princípio, e consideradas as
evidências sobre a magnitude das consequências do aquecimento global, todas as
ações que resultam em menores emissões de GEE apresentam-se como urgentes e
imprescindíveis, nas quais o setor de resíduos tem papel de destaque, pois
representa cerca de 4% das atuais emissões diretas (UNEP, 2012). A Gestão
Integrada de Resíduos Sólidos (GIRS), além de permitir a redução nesta
indesejada contribuição, pode contribuir com as emissões de outros setores,
como energético, transportes e uso da terra, pela otimização da valorização
econômica dos resíduos sólidos urbanos, através das ações voltadas à
minimização, reúso, reciclagem e recuperação energética.
A revisão da literatura evidenciou as limitações da
metodologia ACV diante da complexidade do objeto de análise, bem identificadas
por Morrissey e Browne (2004), de modo que a aplicação da ferramenta, seja
através de planilhas, programas computacionais ou pela aplicação direta de
fatores de reduções, demandam o claro delineamento dos escopos e objetivos
assumidos pelos estudos, com os resultados tomados como estimativas.
No caso de USEPA (2006), além das limitações
relatadas pela própria metodologia, surge outra, decorrente da transposição
simples dos resultados para a realidade brasileira. Não obstante, a revisão
bibliográfica permitiu a conclusão de que a substituição de insumos virgens por
reciclados nos processos industriais promove reduções nas emissões de GEE,
resultando em contribuição efetiva para a redução das concentrações daqueles
gases na atmosfera, de modo que o fomento da atividade de reciclagem presta
efetivos serviços climáticos, na medida em que reduz as pegadas de carbono nas
sociedades onde é praticada, devendo compor o universo das ações de mitigação
englobadas na Economia de Baixo Carbono.
A Tabela 1 resume os
principais resultados quantitativos obtidos pelo estudo, relacionados às
reduções de emissões de GEE pela reciclagem e as receitas teóricas, com base na
estimativa de R$ 13,08 para a comercialização dos créditos de carbono.
Tabela 1 – Estimativas de
reduções de GEE e de receitas brutas pela reciclagem brasileira e
porto-alegrense em mercados de carbono, ao ano
Para a efetiva inserção da reciclagem brasileira e
porto-alegrense nos mercados de carbono foram encontradas dificuldades nas três
dimensões – técnicas, econômicas e sociopolíticas. Porém, concluiu-se que os
principais obstáculos encontrados são de natureza sociopolítica, relacionados à
autogestão das entidades, às práticas públicas de governança e ao contexto institucional
da sociedade brasileira.
4. CONCLUSÕES
O estudo evidenciou que os serviços ambientais
proporcionados pela reciclagem não vêm sendo adequadamente remunerados pelos
mercados de carbono ou devidamente valorizados pelas políticas públicas. A
metodologia disponibilizada pelo MDL para este fim – AMS-III.AJ – mostrou-se
bastante restritiva tanto em termos de escopo, por quantificar apenas as
reduções relativas aos plásticos, como pelas exigências para enquadramento,
como o controle da procedência dos materiais reciclados, limitando sobremaneira
sua aplicabilidade. Entretanto, a inclusão das reduções de emissões propiciadas
pelo uso de outros insumos reciclados, em substituição aos insumos virgens,
como as embalagens de aço, papel, alumínio e vidro, poderia viabilizar
economicamente esta metodologia.
A análise empreendida no estudo permitiu a
identificação de quatro fatores básicos para a inserção da reciclagem nos
mercados de carbono: (i) o associativismo dos recicladores em escala suficiente
para viabilizar economicamente os projetos; (ii) a evolução da gestão de modo a
viabilizar o monitoramento das reduções de emissões; (iii) o empoderamento
sociopolítico destes trabalhadores para a autogestão; e (iv) a evolução das
práticas da gestão pública na direção da nova governança.
O desenvolvimento do estudo mostrou como viável a
tese da inserção da reciclagem nos mercados de carbono, desde que os cenários
técnico, econômico e sociopolítico no qual a atividade está inserida evoluam de
modo a atender aos fatores básicos anteriormente citados.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAYON, R. et al. Voluntary
Carbon Markets: An International Business Guide to What
They Are and How They Work. London :Earthscan, 2007.
CANÇADO, A. C. A Construção da Autogestão em
Empreendimentos da Economia Solidária: Uma Proposta Metodológica Baseada em
Paulo Freire. In: SILVA JUNIOR, J. P. et al. Gestão Social:Práticas em Debate,
Teorias em Construção. Juazeiro
do Norte, julho de 2008.
INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE (IPCC).Fourth
Assessment Report. Disponívelem:
<http://www.ipcc.ch/>. Acessoem: 15 nov. 2012.
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LABATT, S.; WHITE R. R. Carbon
Finance: The Financial Implications of Climate Change. New Jersey : John
Wiley Sons, 2007.
MORRISSEY, A. J.; BROWNE J.
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PENNINGTON, D.W. et al..
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article. Environment International.30 (2004) 721– 739.
REBITZER, G. et al. Life
cycle assessment Part 1: Framework, goal and scope definition, inventory
analysis, and applications. Review. EnvironmentInternational. 30 (2004) 701– 720.
REZENDE, D.; MERLIN, S. Carbono Social:
Agregando valores ao desenvolvimento sustentável. São
Paulo: Peirópolis, Brasília: InstitutoEcológica, 2003.
SALAMON, L. M. The New
Governance and the Tools of Public Action: An Introduction. Fordham Urban
Law Journal, Volume 28, Issue 5, Article 4, p. 1611-1674, 2000.
UNITED NATIONS ENVIRONMENT
PROGRAMME (UNEP). The Emissions Gap Report 2012: A UNEP Synthesis
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Acessoem 06 dez. 2012.
UNITED STATES ENVIRONMENTAL
PROTECTION AGENCY (USEPA). Solid Waste Management And Greenhouse Gases:
A Life-Cycle Assessment of Emissions and Sinks. 3 ed. 2006.
Este é um
resumo estendido da tese de doutorado disponível em:
http://ged.feevale.br/bibvirtual/Tese/TeseMarcosGodecke.pdf
O autor é doutor em Qualidade Ambiental pela FEEVALE e professor no curso de Gestão Ambiental da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
http://ged.feevale.br/bibvirtual/Tese/TeseMarcosGodecke.pdf
O autor é doutor em Qualidade Ambiental pela FEEVALE e professor no curso de Gestão Ambiental da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Fonte: EcoDebate
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