quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Gravidade dos problemas ambientais e a inconsciência generalizada, artigo de Leonardo Boff

Somos gratos a Washinton Novaes por toda semana em O Estado de São Paulo nos brindar com dados e reflexões atualizadas sobre o estado da Terra, da vida e da Humanidade. Ajuda a superar a geral inconsciência da maioria da população mas especialmente de nossos governantes, na linguagem de Fritjof Capra verdadeiros “analfabetos ecológico”. Estamos rumando na direção de um abismo e eles continuam a discutir taxas de juros, inflação, metas como se tivéssemos todo o tempo futuro à sua disposição. Não se preocupam com o principal que é o pressuposto de todos os demais problemas. Publicamos aqui seu artigo que apareceu em O Estado de São Paulo no dia de São Francisco, 4/10/2013 sob o título: Vamos ter que esperar por racionamentos?  Lboff

 É cada vez mais frequente na sociedade a sensação de que as instituições das áreas de políticas públicas  (Executivo, Legislativo; no Judiciário os problemas têm outros formatos)  parecem  sempre mais distantes da formulação de macropolíticas e projetos capazes de resolver nossos gravíssimos problemas sociais. Suas decisões ou são muito limitadas na abrangência ou atendem a interesses específicos dos formuladores e dos que os apóiam – não da sociedade nem da solução de graves carências que a afligem.

Ainda há poucos dias (28/9), este jornal publicou em várias páginas as gravíssimas consequências das alterações no clima do planeta enumeradas no novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, da ONU) e endossadas pela quase totalidade dos cientistas. Que consequências ou desdobramentos isso está tendo em nossas políticas internas ? Que urgência está sendo dada às recomendações do IPCC, embora seu secretário-geral, Rajendra Pachauri, tenha dito que o mundo está “a cinco minutos da meia noite” ?

Não que nos faltem, internamente, informações capazes de embasar políticas adequadas. Ainda há poucas semanas, o próprio relatório de 345 cientistas do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – onde o governo federal está representado – afirmou que a temperatura no nosso Semiárido (que já passa pela maior seca em 50 anos)  poderá aumentar de 3 a 4,5 graus Celsius até o fim do século, com a 40 a 50% menos de chuvas; na Amazônia poderão ser 6 graus mais; na Mata Atlântica do Sudeste poderá haver 30% mais de chuvas, no Cerrado 40% menos. Vamos mudar algo ? Estudo de grupo interdisciplinar de 26 pesquisadores da Unicamp alerta (1/10) que, ao contrário, a expansão da cana-de-açúcar no Centro-Oeste, em função de vantagens econômicas de curto prazo, esconde problemas sociais e ambientais que “tendem a se agravar por causa de mudanças climáticas”. A necessidade de irrigação intensa, principalmente, está levando a conflitos pelo uso de recursos hídricos cada vez mais escassos – quando o conveniente seria gerar variedades mais resistentes às condições locais. Enquanto isso, as administrações públicas “parecem fascinadas demais pela riqueza fácil” trazida pela cultura.

Nessa área dos recursos hídricos, não é preciso trazer de novo os dramas do saneamento, com quase 90 milhões de pessoas no país sem ligação de suas casas com redes de esgotos, quase 15 milhões sem receber água tratada – e com todas as nossas bacias hidrográficas, da Bahia ao Sul,  em “situação crítica”, segundo a Agência Nacional de Águas, por causa do despejo de esgotos sem tratamento.

Mas não é só aqui. Na recente 23.a Semana Mundial da Água, em Estocolmo, lembrou-se (2/9) que as insuficiências no abastecimento de água provocam 5 mil mortes diárias no mundo, quase 2 milhões por ano. 350 cientistas reunidos no seminário “Water in the Anthropocene”, em Bonn, asseguraram (New Scientist, 1/6) que “em apenas uma ou duas gerações a maioria da população da Terra sofrerá com a falta de água de boa qualidade”. Mais de metade dos rios e córregos dos Estados Unidos, diz a Agência de Proteção Ambiental daquele país (16/4), já tem problemas graves  de contaminação dos peixes, contaminação por bactérias fecais e nutrientes contidos em fertilizantes, que fazem proliferar algas, poluem com fósforo e nitratos. A cada ano, diz o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA que 100 milhões de toneladas de nitrogênio usadas nas lavouras chegam aos oceanos. O respeitado Thomas Friedman (The New York Times) contou neste jornal (ESTADO, 10/5) que ao visitar o Iêmen encontrou uma cidade na região de montanhas  (Taiz) onde as pessoas  só podem usar as torneiras de suas casas por 36 horas a cada 30 dias; no restante do tempo, têm de pagar por água transportada por caminhões que a comercializam.

A gravidade progressiva dos conflitos por água já está à vista. O volume de água necessário para produzir energia dobrará no mundo em 15 anos, segundo a Agência Internacional de Energia (O Globo, 31/3). Enquanto isso, já chegamos à perda de 50% das áreas úmidas no planeta, com o avanço da exploração agropecuária, industrial e urbana. E ainda precisaríamos aumentar o consumo de água para irrigação, de 70% do total atual para 90%, com o aumento da população. Como ? No Fórum Mundial da Água, em junho, em Foz do Iguaçu, o brasileiro Benedito Braga, seu presidente, enfatizou que o Nordeste brasileiro “já precisa armazenar água”. E foi ao ponto central abordado no início deste texto:   “Soluções técnicas nós temos; mas a questão é política; e necessita de recursos financeiros.”

Enquanto não chegamos às macropolíticas e à conjugação de projetos, vamos com ações isoladas. São Paulo lança pacote de barragens e diques urbanos, mas continuamos com centenas de milhares de pessoas morando em áreas de preservação obrigatória às margens de reservatórios para abastecimento. Enquanto se vai buscar mais água a dezenas de quilômetros de distância e a custos altíssimos; outras tantas pessoas vivem em áreas de risco, sujeitas a deslizamentos, desmoronamentos. Não se consegue evitar que dezenas de afluentes do Tietê, sepultados sob o asfalto, levem para o rio mais lixo e sedimentos; e ele tem mais de 100 quilômetros de suas águas sob um mar de espuma, que o transforma no rio mais poluído do país, embora a nascente, em Salesópolis, continue a fornecer água potável (ESTADO, 22/9).

Onde teremos de chegar ? Todos os dias discutimos o crescimento ou recuo do produto interno bruto, o avanço ou decréscimo da dívida pública, o progresso ou retrocesso deste ou daquele setor econômico, mais ou menos empregos – mas sem discutir o que está na base física de tudo: os recursos naturais (que não são infinitos). Será preciso enfrentarmos racionamentos, penúrias ?  Não teremos competência para formular políticas adequadas ?

Leonardo Boff é autor de Depois de 500 anos: que Brasil queremos? Vozes, Petrópolis 2000.
Artigo originalmente publicado por Leonardo Boff em seu blogue pessoal.


Fonte: EcoDebate

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A Inserção da Reciclagem nos Mercados de Carbono, artigo de Marcos Vinicius Godecke

A INSERÇÃO DA RECICLAGEM NOS MERCADOS DE CARBONO:
AVALIAÇÃO DA SITUAÇÃO BRASILEIRA E ESTUDO DO CASO DE PORTO ALEGRE, RIO GRANDE DO SUL
Marcos Vinicius Godecke

1. INTRODUÇÃO

 Diferentemente de países onde a valorização econômica dos resíduos sólidos urbanos fez com que passassem de problema à solução, esta gestão no Brasil ainda carece de significativa evolução. A Lei 12.305/2010 trouxe um novo horizonte para este desenvolvimento, porém sua implementação está lenta e aquém das necessidades. Dentre os problemas encontra-se o baixo aproveitamento dos recicláveis, ainda muito desperdiçados por disposições em aterros e lixões. Além do subaproveitamento econômico, a reciclagem brasileira também mostra-se insustentável pela ótica ambiental e social. Ambientalmente, por razões como a exploração das matérias-primas e energia acima da capacidade de recuperação do planeta, além da poluição por resíduos, efluentes e emissões. Socialmente, por não dar condições dignas de vida à significativa parcela de trabalhadores que vive da catação.

Além da insustentabilidade econômica, social e ambiental, o desperdício de recicláveis resulta na perda de oportunidades para mitigação do aquecimento global, visto que a utilização de insumos recicláveis em substituição a insumos virgens nos processos produtivos reduz as emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Deste cenário resultou o problema da pesquisa que avaliou as condições de acesso da reciclagem brasileira e da Coleta Seletiva de Porto Alegre às receitas decorrentes dos serviços climáticos prestados pela atividade, através do acesso aos mercados regulados e voluntários de carbono, e identificou condições institucionais necessárias para a viabilidade de projetos desta natureza.

Além da avaliação destas condições sob aspectos técnicos, econômicos e sociopolíticos, a pesquisa procurou aquilatar o grau de importância das causas antrópicas no aquecimento global e as repercussões das suas consequências como indutoras de políticas de mitigação; verificou a importância do setor de reciclagem na redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE); e estimou a situação atual e potencial da reciclagem brasileira e porto-alegrense nas reduções de GEE.

2. METODOLOGIA

A pesquisa apresentou caráter exploratório, em face da sua originalidade frente a estudos prévios ou referenciais bibliográficos existentes. Para seu desenvolvimento foi utilizada pesquisa bibliográfica, documental, exploratória e estudo de caso. Foram realizadas visitas técnicas às Unidades de Triagem (UT) da Coleta Seletiva de Porto Alegre, a intermediários comerciais comparadores de recicláveis daquelas UTs, à empresa recicladora de plásticos e ao DMLU, departamento da Prefeitura Municipal de Porto Alegre responsável pela gestão dos resíduos sólidos.
A investigação sobre o fenômeno do aquecimento global, nível de convicção científica de sua existência, natureza antrópica e dimensão das consequências futuras, caso suas causas não sejam mitigadas, foi realizada a partir de diversificada gama de publicações, em especial daquelas que compõem o 4º Relatório de Avaliação do IPCC (IPCC, 2007).

Para a verificação da importância do setor de reciclagem no universo das ações de mitigação foram analisadas metodologias, programas computacionais e estudos que se ocupam da medição da pegada de carbono relacionada à gestão de resíduos sólidos. A principal fundamentação teórica utilizada para a análise da viabilidade técnica do acesso aos mercados de carbono foi a Análise de Ciclo de Vida (ACV) (REBITZER et al., 2004; PENNINGTON et al., 2004), base das metodologias utilizadas na quantificação das reduções das reduções de emissões propiciadas pela reciclagem.

A quantificação das reduções de emissões pela reciclagem foi dimensionada em três níveis, nacional, municipal e Coleta Seletiva, com base na metodologia AMS-III.AJ do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) (UNFCCC, 2012) e pela aplicação dos fatores de reduções de GEE estimados pela United States Environmental Protection Agency (USEPA) (USEPA, 2006).

A quantificação dos recicláveis em nível nacional baseou-se em dados agregados de consumo aparente publicados por entidades representativas dos segmentos estudados: embalagens de alumínio, embalagens de aço, papéis, plásticos e vidros. Na quantificação local foi utilizada como proxy a relação entre o Produto Interno Bruto (PIB) nacional e local. Para a Coleta Seletiva foram utilizadas as quantidades de comercialização obtidas na pesquisa de campo, ajustadas com base nos preços de comercialização e na remuneração média dos recicladores.

O estudo da viabilidade econômica e sociopolítica da inserção da reciclagem nos mercados de carbono utilizou fundamentos relacionados àqueles mercados (LABATT; WHITE, 2007; BAYON et al., 2007), além de conceitos sobre a nova governança (SALAMON, 2000) e à autogestão nas Entidades de Economia Solidária (EES) (CANÇADO, 2008), entre outros. Foi aplicada de forma exemplificativa a Metodologia do Carbono Social (MCS) (REZENDE; MERLIN, 2003).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

 Com relação ao aquecimento global, embora as conclusões apresentadas assentem-se em bases probabilísticas, entende-se que o Princípio da Precaução fornece sustentação legal para as ações na direção da Economia de Baixo Carbono. De acordo com este Princípio, e consideradas as evidências sobre a magnitude das consequências do aquecimento global, todas as ações que resultam em menores emissões de GEE apresentam-se como urgentes e imprescindíveis, nas quais o setor de resíduos tem papel de destaque, pois representa cerca de 4% das atuais emissões diretas (UNEP, 2012). A Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (GIRS), além de permitir a redução nesta indesejada contribuição, pode contribuir com as emissões de outros setores, como energético, transportes e uso da terra, pela otimização da valorização econômica dos resíduos sólidos urbanos, através das ações voltadas à minimização, reúso, reciclagem e recuperação energética.

A revisão da literatura evidenciou as limitações da metodologia ACV diante da complexidade do objeto de análise, bem identificadas por Morrissey e Browne (2004), de modo que a aplicação da ferramenta, seja através de planilhas, programas computacionais ou pela aplicação direta de fatores de reduções, demandam o claro delineamento dos escopos e objetivos assumidos pelos estudos, com os resultados tomados como estimativas.

No caso de USEPA (2006), além das limitações relatadas pela própria metodologia, surge outra, decorrente da transposição simples dos resultados para a realidade brasileira. Não obstante, a revisão bibliográfica permitiu a conclusão de que a substituição de insumos virgens por reciclados nos processos industriais promove reduções nas emissões de GEE, resultando em contribuição efetiva para a redução das concentrações daqueles gases na atmosfera, de modo que o fomento da atividade de reciclagem presta efetivos serviços climáticos, na medida em que reduz as pegadas de carbono nas sociedades onde é praticada, devendo compor o universo das ações de mitigação englobadas na Economia de Baixo Carbono.

A Tabela 1 resume os principais resultados quantitativos obtidos pelo estudo, relacionados às reduções de emissões de GEE pela reciclagem e as receitas teóricas, com base na estimativa de R$ 13,08 para a comercialização dos créditos de carbono.

Tabela 1 – Estimativas de reduções de GEE e de receitas brutas pela reciclagem brasileira e porto-alegrense em mercados de carbono, ao ano
Fonte: elaboração do Autor 

Para a efetiva inserção da reciclagem brasileira e porto-alegrense nos mercados de carbono foram encontradas dificuldades nas três dimensões – técnicas, econômicas e sociopolíticas. Porém, concluiu-se que os principais obstáculos encontrados são de natureza sociopolítica, relacionados à autogestão das entidades, às práticas públicas de governança e ao contexto institucional da sociedade brasileira.

4. CONCLUSÕES

O estudo evidenciou que os serviços ambientais proporcionados pela reciclagem não vêm sendo adequadamente remunerados pelos mercados de carbono ou devidamente valorizados pelas políticas públicas. A metodologia disponibilizada pelo MDL para este fim – AMS-III.AJ – mostrou-se bastante restritiva tanto em termos de escopo, por quantificar apenas as reduções relativas aos plásticos, como pelas exigências para enquadramento, como o controle da procedência dos materiais reciclados, limitando sobremaneira sua aplicabilidade. Entretanto, a inclusão das reduções de emissões propiciadas pelo uso de outros insumos reciclados, em substituição aos insumos virgens, como as embalagens de aço, papel, alumínio e vidro, poderia viabilizar economicamente esta metodologia.

A análise empreendida no estudo permitiu a identificação de quatro fatores básicos para a inserção da reciclagem nos mercados de carbono: (i) o associativismo dos recicladores em escala suficiente para viabilizar economicamente os projetos; (ii) a evolução da gestão de modo a viabilizar o monitoramento das reduções de emissões; (iii) o empoderamento sociopolítico destes trabalhadores para a autogestão; e (iv) a evolução das práticas da gestão pública na direção da nova governança.

O desenvolvimento do estudo mostrou como viável a tese da inserção da reciclagem nos mercados de carbono, desde que os cenários técnico, econômico e sociopolítico no qual a atividade está inserida evoluam de modo a atender aos fatores básicos anteriormente citados.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAYON, R. et al. Voluntary Carbon Markets: An International Business Guide to What They Are and How They Work. London :Earthscan, 2007.

CANÇADO, A. C. A Construção da Autogestão em Empreendimentos da Economia Solidária: Uma Proposta Metodológica Baseada em Paulo Freire. In: SILVA JUNIOR, J. P. et al. Gestão Social:Práticas em Debate, Teorias em Construção. Juazeiro do Norte, julho de 2008.

INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE (IPCC).Fourth Assessment ReportDisponívelem: 
<http://www.ipcc.ch/>. Acessoem: 15 nov. 2012.

LABATT, S.; WHITE R. R. Carbon Finance: The Financial Implications of Climate Change. New Jersey : John Wiley Sons, 2007.

MORRISSEY, A. J.; BROWNE J. Waste Management Models and their Application to Sustainable Waste Management. Waste Management, Elsevier, v.24, p. 297–308, 2004.
PENNINGTON, D.W. et al.. Life cycle assessment Part 2: Current impact assessment practice. Review article. Environment International.30 (2004) 721– 739.

REBITZER, G. et al. Life cycle assessment Part 1: Framework, goal and scope definition, inventory analysis, and applications. Review. EnvironmentInternational. 30 (2004) 701– 720.

REZENDE, D.; MERLIN, S. Carbono Social: Agregando valores ao desenvolvimento sustentável. São Paulo: Peirópolis, Brasília: InstitutoEcológica, 2003.

SALAMON, L. M. The New Governance and the Tools of Public Action: An Introduction. Fordham Urban Law Journal, Volume 28, Issue 5, Article 4, p. 1611-1674, 2000.

UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME (UNEP). The Emissions Gap Report 2012: A UNEP Synthesis Report. Disponível em: 

<http://www.unep.org/pdf/2012gapreport.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2012.
UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE (UNFCCC).AMS-III.AJ: Recovery and recycling of materials from solid wastes. Version 4.0. Disponível em:
 <http://cdm.unfccc.int/methodologies/DB/1SQIW5QZHAYFDJX4BDCVC5P9RTBNL1>. 

Acessoem 06 dez. 2012.
UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY (USEPA). Solid Waste Management And Greenhouse Gases: A Life-Cycle Assessment of Emissions and Sinks. 3 ed. 2006.

Este é um resumo estendido da tese de doutorado disponível em:
http://ged.feevale.br/bibvirtual/Tese/TeseMarcosGodecke.pdf

O autor é doutor em Qualidade Ambiental pela FEEVALE e professor no curso de Gestão Ambiental da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Fonte: EcoDebate

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Justiça determina paralisação de obras de Belo Monte
Ativistas protestam contra a usina de Belo Monte. (Estadão Conteúdo)

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) determinou a paralisação das obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, por ilegalidade na concessão do licenciamento ambiental. O órgão ordenou também que os repasses do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sejam suspensos.

Leia também:

O TRF-1 considerou procedente ação do Ministério Público Federal no Pará (MPF-PA), ajuizada em 2011, que questionou a licença parcial dada para os canteiros das obras do empreendimento. Segundo o MPF-PA, essa licença foi concedida sem que fossem cumpridas as condicionantes da licença prévia.

Em sua decisão, o desembargador do TRF-1 Antonio Souza Prudente decidiu paralisar as obras até "o efetivo e integral cumprimento de todas as condicionantes estabelecidas na licença prévia". Até que isso seja feito, ficam sem eficácia as licenças de instalação e as autorizações de supressão de vegetação já emitidas ou que venham a ser emitidas.

O desembargador ordenou também que os repasses do BNDES só sejam retomados quando as condicionantes forem cumpridas. A multa em caso de descumprimento da decisão é de R$ 500 mil por dia. A decisão é do dia 25 de outubro e foi tomada em caráter liminar. As informações são do MPF-PA.

"Está claro que não se trata de questionar a opção do governo federal por um modelo energético. Menos ainda, de ser contra o desenvolvimento do País. Mas de afirmar que não há opção quando se trata de cumprir a lei", disse a procuradora da República Thais Santi, que atua em Altamira.

Cerca de 300 elefantes morrem envenenados com cianureto por caçadores ilegais no Zimbábue
Foto de arquivo de Kristian Schmidt / WildAid

Pelo menos 300 elefantes morreram nos últimos três meses envenenados com cianureto por caçadores ilegais no Parque Nacional de Hwange, o maior do Zimbábue, denunciou neste domingo à Agência Efe um grupo ecologista local. Matéria da EFE, no UOL Notícias.

O número supera amplamente o balanço de uma centena de elefantes que teriam morrido envenenados nesse período, de acordo com o governo.

“Um piloto, um caçador profissional e uma terceira pessoa sobrevoaram a área. Foram eles que informaram o governo do problema. E contabilizaram 300 corpos de elefantes”, disse Johnny Rodrigues, presidente do grupo Conservation Task Force.

Os caçadores colocam sal misturado com cianureto nos poços de água usados pelos mamíferos neste parque natural. Este método causou também a morte de animais de outras espécies em perigo de extinção como leões, abutres e cachorros selvagens africanos.
Segundo as autoridades, o massacre de elefantes e outras espécies com cianureto é a pior catástrofe ecológica que sofre Zimbábue.

Pelo menos dez pessoas que vivem nos povoados nos arredores do Parque Nacional de Hwange foram detidas por participar dos envenenamentos e quatro deles foram condenados a 15 anos de prisão.
Eles atuam a serviço de redes de tráfico de marfim que fornecem presas de elefante aos mercados da África do Sul e da Ásia.

Rodrigues acusa o governo do Zimbábue de tentar evitar que grupos conservacionistas se impliquem na luta contra a caça ilegal. “É bastante aterrorizador, porque de alguma forma encobrem o que está passando”, criticou Rodrigues.

Fonte: EcoDebate

sábado, 26 de outubro de 2013

Jair Bolsonaro: "Chico, Caetano e Gil estão defendendo minha tese"
O expoente mais barulhento da direita no Congresso saúda o apoio de artistas perseguidos pelo regime militar ao projeto que proíbe biografias não autorizadas.
LEONEL ROCHA
PROCURE SABER
O deputado Jair Bolsonaro na Câmara. “Há problemas que não gostaria que fossem revelados pela minha ex-mulher, mesmo sendo verdadeiros” (Foto: Igo Estrela/ÉPOCA).

Poucos são tão radicais na política brasileira quanto o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). Mais raros ainda os que, como ele, assumem posições de direita. No Congresso, ninguém faz sombra a Bolsonaro. Ex-capitão do Exército, ele defende não só o regime militar, como os acusados de comandar torturas. Cita a presidente Dilma Rousseff como responsável por atos violentos nos anos 1970. Está também no centro dos debates para punir a homofobia – do lado contrário, claro. Na semana passada, passou a liderar os deputados que pretendem aprovar uma lei proibindo a publicação de biografias não autorizadas. A mesma tese que defendem Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil. 

ÉPOCA – Como o senhor se sente defendendo a mesma tese que Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso?

Jair Bolsonaro – São eles que estão defendendo minha tese. Dou-lhes boas-vindas em nome do clube dos sensatos. Até concordo com Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil que é preciso alguma censura. Aproveitarei a oportunidade para mostrar a eles que regras e proibições não atentam contra a democracia. Não é bem assim que a banda toca quando se defende a tese do “é proibido proibir”, como eles pregavam quando estavam na oposição. Uma censura se faz necessária de vez em quando. Se não houver certa censura na escola, imagine o futuro da molecada. Tem de ter. Chico, Caetano e Gil tinham liberdade para fazer oposição. Se não tivessem, teriam ido para o paredão. Não foram. Só não posso nem dizer que estou feliz na companhia deles. Fico feliz de estar, sim, ao lado de Roberto Carlos.


ÉPOCA – O senhor entende por que eles mudaram de opinião?

Bolsonaro – Foi o mesmo fenômeno que aconteceu com o PT. Antes, o PT defendia as minorias. Hoje, minorias, como os indígenas, prejudicam projetos deles, como a construção da usina de Belo Monte. Outras minorias, como os baderneiros black bloc, prejudicam o bom debate democrático. Para ficar como a esquerda era no passado, só falta a esse pessoal pegar em armas. Não vemos nenhuma palavra da presidente Dilma Rousseff a esse respeito. Por quê? Não tem moral para falar a respeito disso porque ela fez pior: fez escola.


ÉPOCA – Não é estranho que pessoas que aparentemente pensam tão diferente umas das outras, como o senhor e os artistas, defendam a mesma tese?

Bolsonaro – Esporadicamente posso estar ao lado de quem sempre discordo. Posso torcer para seu time porque estou interessado na derrota de outro adversário. Eles podem estar constrangidos em estar a meu lado. Fico chateado, constrangido não.


ÉPOCA – Por que o senhor é contra a publicação de biografias não autorizadas?

Bolsonaro – Defendo a liberdade de expressão e também o direito à privacidade. Se a Justiça fosse rápida, até defenderia a liberdade total de publicação e a punição financeira de quem comete abusos. Mas, depois que o texto sai, a Justiça demora anos para reparar erros. Quando isso acontece, raramente a compensação financeira cobre a perda moral causada pelos livros.

ÉPOCA – A contribuição das biografias para a história não é maior do que essa polêmica?

Bolsonaro – Depende. Os que farão as biografias serão do mesmo estilo dos que compõem a tal da Comissão da Verdade? Serão parciais que buscam apenas o sensacionalismo? E mais: a imprensa já não publicou tudo sobre a vida dessas personalidades? O que um biógrafo teria no bolso para apresentar como “furo”? Acho que nada.


ÉPOCA – O senhor não lê biografias? 

Bolsonaro – Não. Tenho pouco tempo. Minha leitura é a internet e os jornais.

ÉPOCA – Não tem nenhuma personalidade cuja biografia o senhor gostaria de ler?

Bolsonaro – A da Dilma Rousseff, feita com testemunhas e sem falar da vida particular dela. Gostaria de saber se a presidente estava na operação da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) que explodiu um carro-bomba num quartel de São Paulo e matou o soldado Mário Kozel Filho. Qual o sentimento dela em relação aos familiares do Mário Kozel, que foram indenizados com um salário mínimo? Se alguém for ao Superior Tribunal Militar e publicar o processo a que Dilma respondeu quando era da luta armada, não tem nada de mais. São fatos, é história.

"Alguém pode escrever um absurdo sobre mim para tentar me desqualificar"

ÉPOCA – Então, qual é o problema?

Bolsonaro – Minha preocupação é que, num livro, fatos inverídicos sejam tidos como verdadeiros. A Comissão da Verdade pretende fazer uma biografia da história. Todos os seus sete componentes foram indicados pela presidente Dilma. Lá, não há um historiador sequer. Tem três advogados. Eles têm compromisso com o cliente, com quem paga. No caso, o governo. Como posso acreditar em biografias quando a Comissão da Verdade está tentando escrever sobre o passado, sem um só historiador na comissão? Perde o crédito. É uma comissão que faz populismo e desgasta uma classe importante para qualquer país, os militares. Quer vergar a coluna dessa instituição com mentiras e seguir avante com o plano bolivariano do atual governo. A Comissão da Verdade fará um relatório dizendo que, em 1964, houve um golpe. Omitirão que Castelo Branco foi eleito por 361 deputados, entre eles Ulysses Guimarães, José Sarney e Juscelino Kubitschek. Será uma biografia mentirosa do regime militar.

ÉPOCA – Políticos corruptos serão beneficiados se forem publicadas apenas biografias autorizadas?

Bolsonaro – Concordo que há certos homens públicos sobre quem ninguém leria uma biografia autorizada. O livro encalharia.

ÉPOCA – Por que obrigar a autorização prévia, então?

Bolsonaro – Porque existem “historiadores mineradores”, que só querem arrancar dinheiro do biografado. Um biógrafo que queira contar a vida do empresário Eike Batista pode tentar tirar dinheiro dele. No meu caso, alguém pode escrever o maior absurdo para tentar me desqualificar. É o que acontece a conta-gotas na imprensa. Sou chamado de racista, e tenho um sogro quase “negão”. Isso me dói. Sou chamado de homofóbico porque descobri o “kit gay” que o governo queria distribuir nas escolas. Depois, a própria Dilma considerou inadequado. Palmas para Dilma. Não quer dizer que estou afinado com ela. Dilma recuou por pressão da bancada evangélica, não por minha causa. Eu estava no esculacho. Não tinha mais argumentos sérios para convencer o governo.

ÉPOCA – Os aspectos pessoais não são importantes para entender suas posições políticas?

Bolsonaro – Confesso que influenciaram. Mas não gostaria de ver publicados, porque mexem com coisas que podem tirar o brilho de minha carreira. Muita gente pode achar que minha carreira é a maior porcaria do mundo. Sou feliz em ser deputado. Tenho uma coisa que poucos têm: liberdade.

ÉPOCA – O senhor não teme que biografias de líderes da ditadura manchem a imagem do segmento que o senhor defende?

Bolsonaro – Não. O que os militares temem é a mentira. Os coronéis Brilhante Ustra e Licio Maciel (acusados de participar de sessões de tortura) são injustiçados. Na Segunda Guerra Mundial, os alemães preferiam se entregar aos soldados brasileiros porque eram tratados com dignidade. Nós tratamos os guerrilheiros com dignidade. Houve excessos, mas essa não era a regra.

ÉPOCA – A possibilidade de escrever uma biografia livre não é importante para esclarecer eleitores e a sociedade em geral?

Bolsonaro – Duvido que alguém seja contra contar a história de sua vida. A minha, por exemplo, é uma. A quem interessará, não sei. Quem sabe daqui a alguns anos? O que temo é a revelação das particularidades da vida privada. O direito à privacidade está garantido na Constituição. No meu caso, já falei muita besteira na Câmara, exagero muitas vezes, e um biógrafo pode interpretar da maneira que bem entender. O problema começa quando o biógrafo possa inferir sobre minha vida. Estou casado há cinco anos com uma funcionária da Casa. Logo depois, veio a lei que proíbe o nepotismo. Eu já estava casado. Apesar disso, demiti minha mulher para não ser acusado de não cumprir a lei. Um biógrafo poderia retratar meu caso como nepotismo.

ÉPOCA – Tem mais alguma história sua que o senhor gostaria que não fosse publicada?

Bolsonaro – Minha primeira separação. Há problemas que não gostaria que fossem revelados pela minha ex-mulher, mesmo sendo verdadeiros. A intimidade tem de ser respeitada. As pessoas julgam os outros em razão da intimidade revelada.

ÉPOCA – Como o senhor avalia a ação da polícia no Rio e nas outras cidades?

Bolsonaro – Foi nota 10 na semana passada, com a prisão de um grupo grande de baderneiros. Eles não são trabalhadores nem estudantes. São marginais que queimam carros. Tem sido bom, porque a polícia começa a fichar e a instaurar processos para que não sejam réus primários no futuro. A repressão está até branda com esses marginais.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Efeito das novas regras Código de Mineração sobre o meio ambiente preocupa especialista

Assessora do INESC afirma que o projeto é frágil do ponto de vista dos compromissos do minerador com a população afetada e com a prevenção de riscos ambientais
Representantes dos movimentos sociais têm participado das discussões que analisam o novo Código da Mineração, PL 5807/13, que está sendo debatido na Câmara doa Deputados. O atual código, de 1967, assegura a responsabilidade do minerador pelos danos ambientais e sociais causados pela atividade e vincula o não cumprimento dessas responsabilidades a sanções previstas pela lei. Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), alerta para o preocupante caráter expansionista do projeto e seus efeitos potenciais sobre a população atingida e o meio ambiente.

De acordo com a assessora, a intenção expansionista do governo já está expressa no Plano Nacional da Mineração, que traça o horizonte da exploração até 2030, prevendo crescimentos astronômicos para vários minérios. “A proposta que tramita na Câmara, a despeito de alguns avanços, em especial na mudança do regime, de prioridade para licitação, o que teoricamente permite um maior planejamento do setor pelo governo, vem para pavimentar uma rápida expansão da exploração mineral”, afirma.

Na opinião de Alessandra, a mineração está entre as atividades com maiores impactos sociais e ambientais. Ela explica que, apesar do caráter mais localizado da atividade, o seu potencial destrutivo é enorme. “Esta opção expansionista só tende a potencializar os impactos, inclusive porque a proposta de novo código é absolutamente frágil do ponto de vista dos compromissos do minerador com a população afetada e com o meio ambiente”, argumenta.

Outro ponto preocupante que deriva do caráter expansionista do projeto é a clara intenção do governo e das grandes mineradoras de abrir espaço para minerar em áreas ambientalmente sensíveis, como Unidades de Conservação e terras indígenas, além de expandir territorialmente a atividade em áreas de preservação permanentes, em terras de quilombos e onde mais tiver potencial mineral. “Existe hoje uma visão do governo, consistente com os interesses de grandes empresas mineradoras, de que todo o potencial mineral brasileiro, independentemente de onde ele ocorra e dos interesses ambientais, sociais, culturais já postos nestes territórios, deva ser explorado”, aponta Alessandra.

A assessora política do INESC diz que embora o novo código não trate, por exemplo, da mineração em terras indígenas, ele está totalmente articulado com as propostas de regulamentação que permitem que esta exploração se dê, comandada por grandes empresas. “Não é uma visão de planejamento de longo prazo, capaz de pensar o caráter estratégico da mineração para as futuras gerações. Ao contrário, é uma visão de curto prazo, que olha para a demanda externa, principalmente, como uma oportunidade de geração de superavit comerciais crescentes”, protesta.

Alessandra lamenta que o marco proposto pelo governo seja um retrocesso do ponto de vista ambiental e social. “Além de não incorporar lições aprendidas do passado sobre as lacunas da compatibilização da atividade com os direitos da população afetada e com a preservação ambiental, o projeto tratou de retroceder em relação ao código atual, eliminando do texto artigos que garantiam, pelo menos formalmente, compromissos sociais e ambientais do minerador”, analisa.
(Edna Ferreira/Jornal da Ciência/JC e-mail 4835)

** Este texto é parte de uma ampla reportagem sobre o novo Código de Mineração. A matéria completa está nas páginas 6 e 7 do Jornal da Ciência impresso que pode ser acessado em http://www.jornaldaciencia.org.br/impresso/JC747.pdf


Fonte: EcoDebate

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Floresta em pé – quilombolas incrementam produção de açaí no Pará
Manejo da cultura garante segurança alimentar e renda

A Amazônia é um mundo de águas. No Porto da Palha em Belém, um canto dele, o rio Guamá se impõe. O chão é tomado de folhas de bananeiras e cestos de açaí enfeitam o cenário. O local é um dos pontos de venda do produto mais consumido na capital do Pará. Conforme o dia avança mais barcos chegam carregados do fruto em ‘basquetas’, caixote pesado de plástico, similar a um engradado.
O porto é pequeno para a quantidade de barcos, rabetas e canoas que atracam ali. Quem chega cedo consegue ancorar a embarcação próximo da ponte de madeira para descarregar os produtos e o desembarque dos ribeirinhos, moradores das comunidades próximas ao longo do rio. Há uma variedade de embarcações de diferentes tamanhos que configuram a paisagem do local, repleto de lixo.

Na outra margem do rio distante dali, existe uma comunidade que luta por sua sobrevivência. Na data que se comemora o dia Internacional de Combate à Pobreza (17), a Comunidade Quilombola do Espirito Santo dá exemplo que com a manutenção da floresta em pé se consegue o direito à segurança alimentar, apesar da ausência de políticas públicas. Na comunidade não há saneamento básico, água potável e energia elétrica.

Espirito Santo

Localizada na zona rural do município de Acará, a região é conhecida como Baixo Acará. No território moram em torno de 19 famílias em uma área de 167 hectares. O acesso à comunidade pode ser tanto via fluvial e terrestre. De barco a viagem dura cerca de uma a duas horas até a comunidade quilombola de Itacoã, após isso mais 5 quilômetros por estrada de chão batido. Espírito Santo fica a 130 Km distante da cidade do Acará. indo pela Alça Viária a comunidade fica no Km 24.

Mesmo enfrentado dificuldades com a ausência de políticas públicas a Associação de Moradores e Agricultores da Comunidade Quilombola do Espírito Santo conseguiu executar o projeto de Manejo de Açaí Autossustentável Coletivo Consorciado, com o apoio da Malungu – Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará – e do Fundo Dema.

O fundo é resultado de um processo bem-sucedido entre Ministério Público, governo brasileiro e Sociedade Civil Organizada. Criado para fortalecer e apoiar projetos de movimentos sociais, associações e comunidades para atender aos povos da floresta. Este ano o Fundo Dema completa 10 anos de luta e resistência por justiça ambiental na Amazônia.

A presença do negro no Pará se registra no clássico o livro, O negro no Pará, do autor paraense Vicente Salles, importante obra de revisão em documentos oficiais e jornalísticos datados dos séculos XVII a XIX. A região Guajarina, onde se localiza a comunidade do Espírito Santo, teve grande concentração de mocambos ao longo dos Rios Moju, Capim e Acará.

Os dados apresentados pela Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) durante o III Encontro dos Quilombolas do Pará informam que estado do Pará lidera o ranking nacional na titulação de territórios quilombolas. Das 193 comunidades quilombolas de todo o Brasil que já receberam títulos de propriedades da terra, 118 estão no Pará até agosto deste ano, ou seja, mais de 60%. O Fundo Dema contribuiu para se chegar a esse número. Em 2010 a Malungu lançou a Campanha pela Legalização dos Territórios Quilombolas com o apoio do fundo. Entre os anos de 2010 e 2012 receberam títulos de terras 11 comunidades. Até outubro deste ano já foram 8 áreas tituladas e legalizadas.

O número apresentado tende aumentar. A comunidade do Espirito Santo ainda não recebeu a titulação do território, prevista para próximo mês. A titulação das terras quilombolas garante o direito ao trabalho, a preservação de seus costumes e a cultura, além de garantir segurança alimentar as populações tradicionais. A insegurança alimentar está diretamente ligada com a situação de conflito e exclusão do homem no campo.

Carvão

Antes do projeto a principal atividade de sobrevivência das famílias era o plantio da mandioca e queima da madeira para a produção de carvão. É o que conta Paulo Araújo, morador da comunidade e atual Diretor do Departamento de Promoção da Igualdade Racial do município. “O carvão predominava na comunidade, a maioria das famílias mantinham suas famílias da venda do carvão, duas não realizavam a atividade que era o meu caso. Pra nós era um martírio ver as pessoas nessa atividade, além de afetar a natureza é desumana a condição de trabalho no qual o agricultor se encontrava”.

Sem recursos para investir no manejo do açaí eles não tinham condições para comprar os equipamentos necessários para realizar a manutenção e a limpeza da área do plantio. O projeto transformou ambientalmente e socialmente a realidade da comunidade. Promoveu o manejo sustentável, baseado em práticas agroecológicas, ou seja, na manutenção e preservação da floresta em pé, sem uso de agrotóxicos ou práticas danosas ao solo, contribuindo assim para a redução do desmatamento e por consequência a recuperando de áreas degradadas.

Resultados

Após três anos a avaliação sobre a iniciativa é positiva. “A gente percebe nas nossas próprias crianças elas estão mais alegres, tem mais vigor”, destaca Paulo. O projeto foi iniciado em 2010 e alcançou o objetivo, garantir segurança alimentar e aumento na renda dos quilombolas contribuindo para uma melhor qualidade de vida dos moradores.

Apesar da grande maioria das famílias na comunidade não dependerem mais da produção do carvão, ao longo da estrada ainda se podia ver alguns moradores, que residem fora da comunidade, realizando o desmate e queima da floresta para a produção do carvão.

Com o projeto, além de proporcionar a compra dos equipamentos, foi possível construir um barracão para que a comunidade pudesse se reunir de forma mais digna. De acordo com o presidente da Associação de Moradores e Agricultores Quilombolas da Comunidade do Espírito Santo, Maciel Seabra, durante a construção do espaço todos se uniram, homens e mulheres, idosos e crianças. Atualmente o barracão abriga a escola de alfabetização dos meninos e meninas do Espírito Santo.

O fortalecimento dos laços é um dos resultados conquistados. Com o aumento da renda da produção do açaí algumas famílias puderam construir casas de alvenaria. Maciel compara a média de produção do fruto com a quantidade de latas de açaí. A comunidade produzia o açaí, mas não de forma intensiva. Ele conta que antes o barco da associação levava uma média de dez a quinze latas por semana, após a execução do projeto houve viagens em que se levou cerca de 100 a 118 latas de açaí para vender no Porto da Palha.

Mas para a senhora Maria José Brito, mais conhecida como Leda, o maior benefício foi o agricultor do Espírito Santo perceber o valor do trabalho que realiza, e conclui. “Houve uma mudança de paisagem muito boa, um resgate maior do nosso enxergar, de que a zona rural é o nosso lugar. A gente pode fazer disso aqui algo que seja perfeito para morar e criar nossos filhos, enviá-los para estudar e que depois eles entendam que aqui é o local deles viverem, produzirem e trabalharem em prol dessa comunidade”.

Créditos Texto e Foto: Lilian Campelo

Nota: O Fundo Dema é fundo fiduciário que apoia e fortalece movimentos sociais, comunidades, sindicatos e associações na Amazônia através de projetos ambientais. O Fundo luta por justiça ambiental e o seu público é agricultores, extrativistas, comunidades quilombolas e indígenas. Este ano o fundo faz 10 anos e nasceu depois que da apreensão, pelo Ibama, de 6 mil toras de mogno extraídas ilegalmente em 2003 região do Oeste do Pará e seu nome é uma forma de homenagear o ativista ambiental assassinato naquela região, Ademir Afeu Federicci, conhecido como Dema.
Colaboração de Lilian Campelo, Fundo DEMA


Fonte:  EcoDebate