Entrevista – Endocrinologista brasileira alerta sobre os riscos da obesidade na infância e adolescência.
Por Sucena Shkrada Resk
FAO avalia a obesidade como uma
pandemia mundial e constatação é um dos desafios para o
cumprimento de alguns Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, da
ONU.
A roupagem da malnutrição se dá
de diferentes formas: não só pela fome/subnutrição, mas também
pela obesidade, e um contingente expressivo de pessoas não faz esta
associação. O relatório anual “O Estado da Segurança Alimentar
e Nutricional no Mundo – 2019”, lançado pela FAO (braço na área
de segurança alimentar da Organização das Nações Unidas (ONU) e
outras agências, neste mês de julho, revela o que já vem sendo
constatado nos últimos anos. Hoje são cerca de 830 milhões de
obesos no mundo e este número supera o de famintos, sendo que no
Brasil, chega a quase 25% da população, sem contar o sobrepeso.
Neste cenário, aumenta a preocupação na infância e adolescência.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), são mais de
41 milhões de crianças até cinco anos de idade acima do peso. Esta
é uma questão que permeia os desafios de cumprimento dos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável da ONU até 2030, nas áreas de
saúde e agricultura, consumo e produção sustentáveis…
Desprezar todas as implicações que
estão associadas a este alerta é desconsiderar o consumo
consciente, a nossa relação com o meio ambiente e cultivos e dietas
mais ricas em nutrientes e livre de agrotóxicos, no contexto da
segurança alimentar. Os riscos de morte por complicações de saúde
decorrentes do excesso de peso são reais. São quatro milhões de
mortes anualmente. Vivemos na contemporaneidade a imposição da
geração “fast food”, dos alimentos ultra-processados x
alimentação saudável, do combate ao sedentarismo, além da carga
dos componentes genéticos. A obesidade está associada a quatro
tipos de cânceres (intestino, rim, figado e ovário) ultrapassando a
causa pelo tabagismo, segundo o Cancer Research UK.
O que mais preocupa é que o perigo
vem desde a infância, algo que ficou evidenciado no estudo
Global Burden of Disease (GBD), feito em quase 200 países, entre
outros levantamentos mundiais. Em junho deste ano, o Ministério da
Saúde brasileiro também informou que está realizando o Estudo
Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI), em 15 mil
domicílios de 123 municípios que abrigam crianças menores de 5
anos. A meta é buscar mapear a situação de saúde e nutrição de
crianças em todo o país, com informações detalhadas sobre hábitos
alimentares, crescimento e desenvolvimento, tendo como um dos focos o
combate à obesidade. A adesão das famílias é voluntária.
Em alguns
países, como nos EUA, Espanha, Canadá, Escócia e Inglaterra, a
obesidade infantil já é considerada, inclusive, um ato de maus
tratos e negligência e que isso pode gerar até a perda da guarda do
filho, como destaca o professor de direito Thiago Felipe Avanci, no
trabalho “Obesidade, Saúde e Direitos Fundamentais da Criança e
Adolescente”.
Foto: Maria Angela Zaccarelli
Marino/divulgação
Devido ao tamanho da relevância
deste tema, a Doutora em Endocrinologia Maria Angela Zaccarelli
Marino, professora e pesquisadora da Faculdade de Medicina do ABC e
neuroendocrinologista do Instituto Neurológico de São Paulo, fala a
respeito da obesidade especialmente na infância e adolescência,
contribuindo com constatações em pesquisas feitas sob sua
coordenação, nos últimos anos, em entrevista especial ao Blog
Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk.
Blog Cidadãos do Mundo –
jornalista Sucena Shkrada Resk – Quais os principais
riscos da obesidade infantil?
Maria Angela Zaccarelli
Marino – A obesidade pode estar associada a outras
doenças, como às cardiovasculares, à hipertensão arterial, ao
diabetes melito tipo 2, além de doenças respiratórias, apneia
noturna, doenças ortopédicas, osteoartrose, doenças
dermatológicas, cálculos biliares (aumento da incidência),
esteatose hepática e hiperlipemia. As doenças cardiovasculares se
configuram como a principal causa de morte no mundo, e o excesso de
peso, tanto o sobrepeso como a obesidade, são fatores relevantes. De
forma lenta e gradual, as doenças cardiovasculares se desenvolvem ao
longo da vida, e a infância é um ponto de partida, e assim é
recomendável que a prevenção aconteça neste período da vida,
justificando a preocupação com o excesso de peso em crianças e
adolescentes.
Blog Cidadãos do Mundo –
Quais constatações pode exemplificar por meio de pesquisas que tem
coordenado?
Maria Angela Zaccarelli
Marino – A distribuição de gordura corporal é
considerada o mais importante fator de risco para o desenvolvimento
de doença cardíaca, mesmo nos indivíduos com peso normal.
Sabendo-se que a resistência à insulina está relacionada
com a obesidade de distribuição central, e a intolerância à
glicose considerada fator de risco para o diabetes melito tipo 2, a
avaliação da circunferência da cintura (CC) foi verificada em um
trabalho realizado por nós, na FMABC , e mesmo crianças e
adolescentes com peso normal apresentaram excesso de gordura
abdominal com aumento dos fatores de risco cardiovascular.
Assim recomendamos não somente a
verificação do Índice de Massa corporal ( IMC) e também a medida
da CC, para além das complicações do sobrepeso e obesidade,
evitarmos o importante fator de risco para as doenças cardíacas.
Também realizamos um trabalho no
tempo de permanência dos estudantes nas Escolas Públicas Estaduais
do Município de Santo André, estado de São Paulo, e concluímos
que os hábitos alimentares saudáveis orientados e realizados
durante o período escolar integral, podem diminuir a incidência da
obesidade, prevenindo as co-morbidades associadas, e a reeducação
alimentar deve ser compartilhada com todos os integrantes da família.
De acordo com os resultados deste trabalho, verificamos diferenças
significativas entre os estudantes com obesidade das escolas de
período integral e meio período.
Blog Cidadãos do Mundo –
Como os ambientes escolar e familiar podem contribuir para inibir o
aumento progressivo da obesidade em crianças e adolescentes?
Maria Angela Zaccarelli
Marino – A obesidade é caracterizada como multifatorial,
sendo que interações entre fatores ambientais, comportamentais,
culturais, genéticos, fisiológicos e psicológicos são a principal
causa e acredita-se que estes fatores são mais relevantes em
sua incidência do que os fatores genéticos. Estas considerações
vêm ao encontro com os resultados deste trabalho, pois os hábitos
alimentares orientados pelas nutricionistas dentro das escolas
tiveram influência, possivelmente, no menor número de estudantes
com obesidade nas escolas em período integral. A qualidade de vida
reflete diretamente na saúde das pessoas, e pode ser promovida pela
alimentação e estilo de vida adequados, revelando a grande
importância da nutrição na saúde.
Nas escolas onde os estudantes
permaneciam apenas meio período, observamos um maior número de
estudantes com obesidade. A permanência destes alunos em ambiente
domiciliar, sem orientação alimentar, pode ter contribuído para
este aumento. Pais com obesidade geralmente refletem seu estado
nutricional nos filhos, os quais podem desenvolver algum grau de
excesso de peso.
Blog Cidadãos do Mundo –
Pode-se dizer que a obesidade é tão perigosa quanto à subnutrição
relacionada à fome? Qual é o panorama do Brasil hoje, tendo em
vista que ambas são consideradas os dois grandes males que atingem a
América Latina e Caribe, de acordo com informe publicado
recentemente pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) e pela FAO, afetando um quarto da população
regional?
Maria Angela Zaccarelli
Marino – O consumo alimentar, tanto nos adolescentes como
nas crianças, é estabelecido por valores socioculturais, alimentos
consumidos com influência da mídia, sedentarismo, imagem corporal e
conveniências sociais. No Brasil, a prevalência de obesidade nos
adolescentes aumentou de 4,1% para 13,9% e a prevalência de
desnutrição infantil diminuiu de 19,8% para 7,6%.
Quanto ao câncer, os estudos estão
sendo realizados, e atualmente sabemos que o maior órgão endócrino
é o tecido adiposo, com a secreção de hormônios e suas
consequências, como a puberdade adiantada em meninas.
Blog Cidadãos do Mundo –
Quais são as orientações alimentares e de mudanças de hábitos
para se evitar o risco da obesidade em uma sociedade de consumo
imediatista?
Maria Angela Zaccarelli
Marino – O estímulo à vida sedentária, com os avanços
tecnológicos nos dias de hoje, como DVDs, computadores, vídeo-games,
televisão, internet, automóveis, não orienta a população adulta
e infantil para o hábito de caminhadas, corridas e outras formas de
exercícios. Em conjunto com os erros alimentares, o ambiente vem se
tornando obesogênico.
Algumas ações de promoção da
saúde, estimulando implementação de programas de educação
alimentar e atividade física nas escolas e incentivo para mudanças
na qualidade dos alimentos oferecidos nas cantinas escolares, são
estratégias para a profilaxia dos maus hábitos alimentares, já
iniciados na infância.
Também é de extrema importância a
orientação alimentar compartilhada com todos os membros da família,
mesmo com os que não são portadores de sobrepeso ou obesidade. Os
hábitos alimentares saudáveis, ensinados nas escolas, podem e devem
corrigir os erros alimentares dos adultos que foram mal informados a
respeito da alimentação em geral, e assim são os filhos que vão
ensinar aos pais, os corretos novos hábitos.
*Sucena Shkrada Resk –
jornalista, formada há 27 anos, pela PUC-SP, com especializações
lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional,
pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista
Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com),
desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e
sustentabilidade.
Fonte:
ENVOLVERDE
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