Ecologismo de Raiz: Conheça uma turma que faz uma revolução subterrânea.
por Samyra Crespo
Está circulando na internet uma
matéria que reúne 12 mulheres que fizeram e ainda fazem diferença
no ambientalismo global. Mulheres do naipe de Vandana Shiva,
ecofeminista indiana e de Wangari Mattai (prêmio Nobel) queniana,
que criou o mundialmente famoso Greenbelt, liderando outras mulheres
e comunidades no plantio do maior número de árvores que se tem
notícia – por mãos do povo pobre de áreas rurais. Sem falar em
Rachel Carson que sendo cientista e ativista, mudou para sempre nossa
compreensão sobre os danos causados pelos pesticidas no ambiente
natural e na saúde humana.
Fiquei pensando no time de mulheres
brasileiras, ou identificadas com o Brasil, país que escolheram para
viver e labutar.
São muitas e valorosas, e têm
trajetórias dignas de admiração. Lembro assim rapidamente, sem
querer exaurir uma lista que começou há pelo menos há cinco
décadas com pioneiras incríveis, de Magda Henner, Rute Christie e
Judith Cortesão (uma dezena naqueles anos de desbravamento) – e
para nomear queridas companheiras de luta do presente: Miriam
Prochnow (Movimento Ambientalista de SC), Maria Dalce Ricas (MG),
Márcia Hirota (SOS Mata Atlântica) Adriana Ramos (ISA), Thaís
Corral (Redeh/RJ), Raquel Biddermann (FGV/WRI), Denise Hamu (no seu
tempo de WWF) e tantas outras que fazem jus ao título de líderes.
Mas hoje quero falar de uma turma
diferente.
Pois nem só de políticas públicas
e ativismo político estrito – no sentido do embate – vive o
ambientalismo, especialmente aquele que eu denomino “de raiz”,
que surgiu como um movimento contracultural, espanando a poeira do
século passado e propondo uma nova ética. Uma nova forma de viver.
O substrato dessa nova ética é
simples: reconexão com a natureza da qual fazemos parte.
Compreender
as relações sistêmicas e de causa e efeito de nossas ações em
relação ao ambiente natural. Reconhecer a beleza e a inteligência
que subjaz à teia complexa da vida.
No ambientalismo brasileiro temos
representantes de peso da corrente mundialmente chamada de Deep
Ecology. Aqui se usa vários termos para denominar esta corrente:
ecologia profunda (literal demais), ecologismo ético, ecologia
integral (Encíclica Laudato Si’- do Papa Francisco) e também de
fundamentalismo ecológico (em geral usado pejorativamente pelos
adversários).
Nosso mais conhecido expoente –
porque publica e tem mídia é o ex-Frei Leonardo Boff. Famoso
teólogo da Igreja da Libertação, ao deixar o sacerdócio (por
pressão do Vaticano) tornou-se um consistente pensador ecologista.
Percorre o país defendendo a Carta da Terra, documento alternativo à
Declaração do Rio (documento oficial da Rio 92). Prega a Ética do
Cuidado. Cuidado com a Mãe Terra e cuidado com a natureza generosa,
fonte vida.
Grosso modo né? Pois não dá para
resumir num texto do FB toda a obra filosófica do profeta BOFF.
A Carta da Terra e outros documentos semelhantes emulam e animam uma centena de movimentos espiritualistas dessa corrente que nominei há pouco.
Um enorme corolário de comunidades,
templos budistas, seitas como Bhrama Kumaris, Hare Krishna, União do
Vegetal, Ananda Marga e uma miríade de movimentos neo rurais – que
pregam a volta ao campo numa perspectiva de conservação de áreas
naturais e de vida saudável.
Tivemos um aperitivo desse coquetel
de tendências culturais e religiosas na própria ECO-92, como
preferem chamar a Conferência do Rio: a emocionante Vigília dos
Líderes Religiosos no Aterro do Flamengo.
Ali esteve presente o Dalai Lama,
Mãe Beata, liderança do candomblé, nosso rabino-escritor Nilton
Bonder e todo o ecumenismo possível dos anos 90′. O mundo e o
Brasil diversos e irmanados num só canto e numa bela esperança.
Quem foi ou viu pela TV – não resistiu à emoção.
Pois é, tire os curiosos e os
peregrinos de ocasião e você vai encontrar um vigoroso grupo de
ecologistas diferentes dos que estamos acostumados a acompanhar pela
imprensa.
Além do nosso querido Boff pontifica na Deep Ecology um outro autor, menos conhecido: Arthur Sofiatti. Mora no interior do Estado do Rio, escreve em jornais provincianos mas não dá para falar de ecologismo ético sem mencionar seu nome. Eu o conheci quando tinha um centro de recolhimento de animais feridos por caçadores ou abandonados. Numa época em que o Ibama não prestava esse serviço.
Assim como não dá para deixar de
mencionar Susan Andrews, americana que se converteu ao hinduísmo e
que vive no Brasil há quase 30 anos. Mais especificamente, Susan
vive no interior de São Paulo onde mantém o centro Visão do
Futuro.
É um centro de formação em
biopsicologia, em medicina ayurvedica aplicada ao bem estar
e de treinamento de Yoga. Trabalha com crianças, jovens e
profissionais de saúde.
Desenvolve uma linha de trabalho
rara que une a ciência de ponta (evolucionistas /neurocientistas)
para mostrar que é possível melhorar a humanidade.
Mantem um sítio ecológico e
pratica a economia circular. Seu trabalho tem um enorme impacto nos
vizinhos – fazendas e prefeituras.
E nas turmas que vão e vêm de seus
cursos. Frequentei alguns.
Ela é uma das vibrantes difusoras
da metodologia do FIB – Felicidade Interna Bruta – que veio até
nós via Butão (país budista – vizinho do Tibete).
O Butão criou um Ministério da
Felicidade e um Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável que
merece ser conhecido. Lá estive em 2010 e pude ver pessoalmente o
discurso na prática. Fiquei impressionada. Algo como a Costa Rica na
versão budista.
O fato é que Susan Andrews, mulher
pequena, de olhos azuis e de sorrisos de Monalisa, faz uma revolução
no seu entorno. Fala lindamente para banqueiros, prefeitos, médicos
e forma dezenas de líderes ecologistas. Tem carisma. Encanta.
Na última vez que a visitei no
Centro lá havia uma turma de 80 pessoas praticando a alimentação
saudável e se envolvendo em centenas de projetos socioambientais
pelo Brasil afora.
Escolhi a dedo falar de Susan porque
tanto ela quanto Thais Corral estão promovendo o que chamam de
“comunidades regenerativas” . É um repertório que vem do micro,
que tem grande impacto local e que pressupõe uma prática coerente
com a vida e a missão de cada pessoa. E que contempla a dimensão
espiritual ou metafísica, sem exigir conversão à aquela ou a esta
religião.
Existem muitos, mas muitos lugares desse tipo. Atuando para mudar o mundo. Para mudar a cultura.
Regenerar o Planeta.
Samyra
Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior
do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos
o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”.
Fonte:
ENVOLVERDE
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