Agenda proposta para Rio+20 é pouco ambiciosa e omite a mudança climática
Sérgio Abranches
A única referência à mudança climática diz que “a insegurança alimentar, a mudança climática e a perda de biodiversidade afetaram negativamente os ganhos do desenvolvimento”. O documento reconhece, também, que “novas evidências assinalam a gravidade dos desafios que enfrentamos”. Muito pouco para uma agenda para a sustentabilidade global que tem como um dos temas centrais a economia verde.
Essa omissão é resultado do esforço do governo brasileiro em desvincular a agenda da Rio+20 da agenda climática global. Como as conversações para montar a cúpula do Rio se deram simultaneamente às difíceis reuniões preparatórias para a COP17, que ocorreria em Durban, no final de 2011, temia-se que o impasse que então parecia provável acontecer na África do Sul levasse à transferência das negociações para a Rio+20. Nesse caso, a agenda do Rio terminaria dominada pelas negociações do clima, que dificilmente teriam desfecho muito bom, e ameaçariam fazer da Rio+20 um fiasco. A preocupação fazia sentido e era desejável que a Rio+20 não se tornasse um prolongamento da COP17. Mas a diplomacia brasileira exagerou na profilaxia, desfazendo nexos políticos, científicos e históricos indissolúveis.
A Rio 92 está indissoluvelmente ligada à política global sobre mudança climática. Dela nasceram todas as instituições da política global do clima: a Convenção do Clima, o IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, que reúne a evidência científica disponível sobre os riscos do aquecimento global, o Protocolo de Quioto e as diretrizes para formulação de um novo acordo global mais ambicioso e inclusivo sobre mudança climática. Tudo começou a tomar forma a partir da Rio 92, que iniciou um processo de negociação que se estende até os dias de hoje e se prolongará por pelo menos mais uma década.
Não faz sentido discutir desenvolvimento sustentável, economia verde, segurança alimentar e fim da pobreza sem considerar a mudança climática como o desafio central, que articula o processo de mudança rumo à economia verde de baixo carbono. O zelo diplomático dissipou a lógica e a consistência técnica da Rio+20. Agora, os diplomatas terão que mostrar competência para restaurar essa lógica indispensável, embora preservando a autonomia da agenda da Rio+20. A COP17 teve desfecho melhor que o esperado, embora aquém do necessário. Mas nada deixou para ser negociado este ano no Rio. Ela definiu um calendário claro para que se chegue a um novo acordo até 2020. O perigo de contaminação passou e é perfeitamente possível restaurar a conexão entre mudança climática e desenvolvimento sustentável na agenda da Rio+20.
Para que promover a transição para uma economia verde, de baixo carbono, se não para promover reduções ambiciosas de emissões de gases estufa e mitigar a mudança climática que já contratamos e continuamos a contratar para as próximas décadas? Como o próprio documento reconhece ao fazer referência de passagem à mudança climática, desconectada de todos os seus outros parágrafos, ela já nos afeta negativamente. E mais. É a causa principal da insegurança alimentar nos últimos 10 anos e, também, uma das causas das perdas de biodiversidade. Isso o documento não diz.
A proposta de resolução reconhece que apesar dos esforços de governos e entidades não-governamentais em todos os países “o desenvolvimento sustentável continua sendo uma meta distante e há ainda importantes barreiras e falhas sistêmicas de implementação das metas acordadas internacionalmente”. O texto, que passará por negociações adicionais na ONU, em Nova York, no final do mês, e ainda será intensamente negociado até chegar à forma final no Rio, reitera o apoio dos chefes de governo e estado a 10 documentos oficiais adotados em outras cúpulas multilaterais. Nenhum deles teve seus objetivos, metas e propósitos realizados a contento. Uma boa medida das limitações desses instrumentos de governança global.
O documento oferece como opção, ainda não decidida, a promoção do Conselho de Desenvolvimento Sustentável e do Programa de Meio Ambiente – Pnuma na hierarquia da ONU. Há a hipótese, mais fraca, de “fortalecimento” dos dois. Vários países defendem a criação de uma nova agência, com mais poderes e mais bem aparelhada.
Com relação à economia verde, desvinculada do desafio da mudança climática, o texto afirma que a economia verde pode contribuir para que se alcance metas fundamentais de desenvolvimento sustentável e bem-estar coletivo.
“Estamos convencidos que a economia verde, no contexto do desenvolvimento sustentável deve contribuir para alcançar metas fundamentais – em particular as prioridades de erradicação da pobreza, segurança alimentar, gestão racional da água, acesso universal a serviços modernos de energia, cidades sustentáveis, gestão dos oceanos e melhorar a resiliência e a prontidão em relação a desastres, como também saúde pública, desenvolvimento de recursos humanos e crescimento sustentado, inclusivo e equitativo que gere emprego.”
O documento ainda sustenta que a economia verde pode proteger o ambiente e fundar uma economia de baixo carbono.
“Nós vemos a economia verde como meio para realizar o desenvolvimento sustentável, que deve continuar sendo nosso objetivo maior. Nós reconhecemos que a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza deveria proteger e melhorar a base de recursos naturais, aumentar a eficiência no uso de recursos, promover padrões de consumo e produção sustentável e encaminhar o mundo rumo ao desenvolvimento de baixo carbono.”
A insistência da diplomacia brasileira em desvincular a agenda da Rio+20 da agenda da mudança climática produziu uma proposta sem lógica e mal articulada. Ainda há tempo de restaurar os fundamentos científicos que justificam a busca de uma sociedade de baixo carbono e a coerência perdida na agenda da sustentabilidade global.
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